Devo começar por dizer que na minha opinião, o golpe de 3 a 5 de Outubro de 1910, foi mais ilegal que a nota de três Euros e o facto de a constituição afirmar que não é permitida outra forma de governo que a republicana, é realmente uma absoluta demonstração de intolerância anti-democrática.
Mas tenho que lembrar que quem matou a monarquia, não foram os republicanos de 1910, quem realmente decidiu colocar uma pedra tumular sobre o assunto foi um homem chamado Oliveira Salazar.
Quando perguntado sobre o assunto, afirmou que o país tinha problemas muito mais importantes para resolver e que a forma de governo, fosse republicana fosse monárquica era irrelevante.
Poder e contra-poder
Os portugueses precisam sempre de um contra-poder. Alguém que afronte um governo, quando este não está a governar de forma eficiente. E os portugueses são especialistas em achar que o governo não serve e que é preciso outro.
Para termos um contra-poder, como temos atualmente o presidente da republica, esse contra-poder tem a capacidade para, em caso de grande necessidade ou bloqueio constitucional, dissolver o parlamento e marcar novas eleições.
Ora isto é muito bonito, mas para um poder se contrapor a outro, num sistema democrático, esse poder tem que ter a legitimidade do apoio do povo.
É por essa razão, que Portugal é dos poucos países com um sistema parlamentar, que elege o presidente da república por via direta.
Aqui, a porca torce o rabo...
Pessoas como Marcelo Rebelo de Sousa, interpretam esta necessidade de um contra-poder (e os poderes que para isso são atribuídos ao presidente para agir in-extremis) de uma forma diferente.
Marcelo tem esses poderes, para agir num ponto de rutura do sistema parlamentar, mas acha que, se tem esses poderes, então é porque o sistema permite a intervenção do presidente na política, e que portanto nós temos um sistema semi-presidencial.
Na realidade, não acredito que o sistema seja semi-presidencial. Ele é parlamentar desde a constituição de 1822, mas para presidentes que querem protagonismo, isso é irrelevante.
Em 1908, mataram o Rei D. Carlos, porque o rei teve a ousadia de intervir na política, para tentar por ordem na anarquia. Mas D. Carlos não tinha a legitimidade do voto, e por isso foi facilmente transformado no principal problema:
Alguém que interveio na política, mas cuja intervenção não pode ser contrariada, porque não se pode esperar pela próxima eleição, é um alvo a abater.
Um rei reina, mas não pode governar, e os problemas do governo, vão sempre existir. As tricas, as politiquices, os escândalos vão continuar a existir.
Fazemo-nos aqui eco das palavras de Eça de Queiroz por exemplo, sobre a política, os escândalos, a corrupção, e dizemos que desde Eça, Portugal não mudou nada...
Mas afinal, qual era o presidente da república no tempo do Eça ?
Também na republica houve tentativas de ultrapassar os impasses, com a instituição de um sistema presidencialista, pela mão de um individuo chamado Sidónio Pais, que também não tinha um contra-poder … Alguém sabe como acabou ?
O país tem demasiados problemas, para ter que se preocupar com os herdeiros, com a vida dos herdeiros do trono, com os escândalos da vida privada das pessoas que deveriam ser isentas, e mais ou menos santas, mas que depois afinal não são.
Os problemas dos países são criados por homens e mulheres, e têm que ser resolvidos pelos mesmos. E ter ou não ter cabeças coroadas, não vai mudar grande coisa.