Abate do navio Bérrio. "É catastrófico, um desastre anunciado", diz ex-Chefe da ArmadaO ex-Chefe de Estado-Maior da Armada, Melo Gomes alerta para o desinvestimento na manutenção dos navios da Marinha e antevê que, tal como o reabastecedor NRP Bérrio, outros possam a ter que ser abatidos em breve.O ex-Chefe de Estado Maior da Armada (CEMA) sublinha que esta situação
"é catastrófica para a nossa capacidade de intervenção" pois "inibe a Marinha de projetar poder para distâncias além das nossas águas e deixa de ser possíveis missões como aquela, em 1998, de resgate de 1200 pessoas da Guiné Bissau ou a operação de emergência na Ilha das Flores". Melo Gomes que também foi comandante da European Martime Force (uma forma de reação rápida dedicada a operações humanitárias e missões de paz), acrescenta que sem o Bérrio "a Marinha não vai conseguir sequer manter os padrões de treino para reabastecimento no mar, que só vão ser possíveis com apoio de parceiros ou da NATO, embora seja muito difícil pois os reabastecedores são escassos".
O ex-CEMA lamenta que se tenha chegado a este ponto de "rutura" quando
"foi repetidamente anunciado e o poder político alertado. Mas não acreditaram e o resultado está à vista!". Melo Gomes revela que
o Bérrio "não ia à doca seca para manutenção e reparação há 12 anos, quando normal é ir de 4 em 4 anos, pelo menos". O problema, assinala, "
é que não é só o Bérrio, vai acontecer com outros navios. Há fragatas que também ja ultrapassaram à muito os prazos de manutenção".
Manutenção "onerosa"Este oficial superior não vê alternativa, a curto prazo, para substituir o Bérrio, tendo em conta que a Lei de Programação Militar (LPM) só prevê a compra de um navio polivalente logístico em 2027.
"O problema é que a LPM não é mais que um registo de intenções de uma lei que não se cumpre. A aquisição de um navio desses já esteve também prevista na LPM quando eu era CEMA (2005/2010) e nessa altura as verbas para a manutenção dos navios era mais do dobro do que é atualmente", salienta. "Agora as pessoas não podem ignorar mais a situação catastrófica", assevera ainda, manifestando a sua "tristeza, angústia e uma certa sensação de injustiça na avaliação do que a Marinha e as Forças Armadas têm feito pelo país".
Questionado pelo DN sobre o cumprimento do calendário de manutenções, o porta-voz oficial da Marinha, garante que "a Marinha tentou sempre cumprir com o plano de manutenção do navio. Porém, a obsolescência logística dos seus equipamentos e o fim de ciclo desta classe de navios na Royal Navy, causou a disrupção da cadeia de fornecimento de sobressalentes e de outros componentes, tornando a manutenção do Bérrio extremamente onerosa".
Esta fonte oficial lembra que "este ano, 2020, o NRP Bérrio atinge os 50 anos de atividade, ultrapassando a idade média de vida útil destes navios" e que "atualmente, dos 5 navios da classe "Rover", só o NRP Bérrio e o KRI Arun (903), da Marinha da Indonésia, se mantêm ativos". O porta-voz adianta que "a Marinha continua a procurar soluções que minimizem o impacto da falta de um Reabastecedor de Esquadra, no curto prazo, e mantém-se muito empenhada no projeto de construção de um navio reabastecedor, como previsto na Lei de Programação Militar (LPM)".
Lembra ainda que "quando o NRP Bérrio foi adquirido à Royal Navy, em 1993, já tinha 23 anos de serviço". Esta solução, assinala, "era transitória, na perspetiva de se conseguir introduzir na LPM, a aquisição de um novo navio reabastecedor. Porém, essa intenção apenas foi possível materializar na anterior LPM (2015) e confirmada na nova, aprovada em maio de 2019".
PCP aponta "falha grave"O deputado do PCP, António Filipe, que integra a Comissão de Defesa Nacional do parlamento, avançou ao DN a sua intenção de questionar o governo sobre este abate do único navio reabastecedor e discutir a situação na Marinha na próxima reunião da Comissão. "
Parece-me óbvio que houve uma falha grave na LPM, pois se só está previsto para 2017 era preciso ter a certeza que o NRP Bérrio iria aguentar até lá. Não se percebe como é que a Marinha na definição das suas prioridades para a LPM não previu esta situação".
Até já o Ministério da Defesa reagiu:Questionado sobre se acompanhou este processo de decisão para abate do navio, o ministério da Defesa nega.
"A decisão foi da Marinha", responde o porta-voz oficial. Esta fonte oficial do gabinete de Gomes Cravinho, diz também que
"devem ser diretamente colocadas à Marinha" as questões enviadas pelo DN sobre os motivos para o navio ter chegado aquele ponto de rutura, sem uma alternativa preparada. Sobe que soluções estavam a ser pensadas o Ministério diz que "não é competência do MDN identificar soluções para uma questão operacional da Marinha".
FONTE:
https://www.dn.pt/poder/abate-do-navio-berrio-e-catastrofico-um-desastre-anunciado-diz-ex-chefe-da-armada-11768248.html