Os atentados em Bombaim, Lições a retirar do novo modus operandi jihadista - Parte IJosé Vale Faria
Quando falamos de países onde frequente e intensamente a incidência do terrorismo acontece, nomeadamente o terrorismo, directa ou indirectamente, ligado à Al-Qaeda, podemos citar o Iraque, o Afeganistão e o Paquistão. Contudo, há muito tempo que a Índia está entre eles, mas o que acontece lá tem que atingir a mesma dimensão, ou aproximada, do que aconteceu entre 26 e 29 de Novembro em Bombaim (actualmente Mumbai), para captar a atenção dos media e consequentemente, da opinião pública ocidental.
Este artigo, elaborado apenas com recurso a fontes abertas, pretende descrever os recentes ataques terroristas em Bombaim, elencar as vulnerabilidades detectadas no sistema de segurança da Índia, o novo
modus operandi jihadista, as implicações regionais, assim como, as lições e ensinamentos a retirar deste trágico incidente táctico-policial.
1.
SituaçãoEntre 26 e 29 de Novembro de 2008, um ataque terrorista em Bombaim, matou 166 pessoas e feriu 304, sendo referido como o "11 de Setembro da Índia". Apesar das várias medidas implementadas, este não foi o primeiro ataque terrorista significativo na Índia, em Julho de 2006, o ataque ao comboio suburbano de Bombaim provocou 209 mortes, havendo utilização de armas não convencionais e, no passado mês de Julho de 2008, foram desencadeados pelo menos cento e vinte incidentes terroristas neste país asiático e, em Agosto cerca de noventa.
Nestes períodos, o número de ataques, ultrapassaram mesmo os registados em qualquer um dos três países que são considerados os teatros de operações preferidos da actual actividade terrorista. Apesar de não ser a primeira vez que terroristas desembarcaram por mar em Bombaim, alguns aspectos deste ataque foram significativos, nomeadamente o seu audacioso e ambicioso objectivo, a complexidade da operação, e a diversidade dos alvos.
A prolongada natureza do episódio, que ultrapassou as sessenta horas, assim como o elevado número de mortes, produziu um evento trágico que focalizou a tenção do mundo comunicacional global. Considerando os anteriores ataques terroristas na Índia, não foi difícil situar a motivação deste ataque na contínua campanha terrorista islamista, havendo fortes indícios, desde o início que o grupo terrorista responsável pelo ataque seria o Lashkar e-Taiba (literalmente significa Exército do Bem, Exército dos Justos ou Exército dos Puros, conforme as traduções — também pronunciado e soletrado como Lashkar-i-Tayyaba, Lashkar-e-Tayyaba, Lashkar-e-Tayyiba, Lashkari-Taiba — daqui em diante LeT) um dos maiores, mais activo e mais letal dos grupos militantes no Sul da Ásia, com base no Paquistão.
O conflito indo-paquistanês está inscrito no código genético do subcontinente, constituindo a disputa pela região de Caxemira, o alfa e o ómega da questão. Trata-se de uma região maioritariamente muçulmana que é governada pela maioria indiana "hindu", cujo território é disputado pela Índia e pelo Paquistão, desde a independência de ambos, em 1947. Após a independência, cerca de 150 milhões de muçulmanos (14% da população) e a maioria hindu têm vivido em relativa harmonia. No entanto, desde 1989, a região Himalaias de Caxemira, dividida entre a Índia e o Paquistão desde a guerra de 1948, é confrontada com movimentos separatistas islâmicos.
Este conflito que já fez mais de 68.000 vítimas combina três dimensões: a territorial (entre a Índia e o Paquistão), a independência (em Jammu e Caxemira) e a religiosa (com os extremistas do Paquistão). O vizinho Punjab conhece perturbações provocadas há muito tempo pelos movimentos sikhs que pretendem criar um "Khalistan" independente. Embora a situação seja mais pacífica no nordeste da Índia, os movimentos maoistas separatistas e os muçulmanos ainda estão activos em sete estados, designados "Sete Irmãs", particularmente em Assam.
Hoje, a minoria muçulmana indiana sente-se discriminada. Na verdade, ela não está representada ao nível da sua dimensão, nas instâncias governamentais, legislativas e administrativas, particularmente no exército e na polícia. É verdade que os muçulmanos são vistos como cidadãos de segunda classe num país onde o conceito de castas permanece forte. No entanto, os islamistas radicais serão cerca de vinte mil, o que é um valor muito baixo em relação à dimensão desta comunidade.
Numa região onde o analfabetismo e a iliteracia imperam, muitas das madrassas paquistanesas continuam a ensinar um islão obscurantista, semelhante ao que os Taliban tentaram impor no Afeganistão e que é também, o projecto dos islamitas para Caxemira. Aliás, entre o Afeganistão e a Caxemira, são muitas as pontes e, não foi por acaso que o início da rebelião na Caxemira, em 1989, coincidiu com a retirada dos soviéticos do Afeganistão, abrindo uma janela de oportunidade para milhares de combatentes islamitas, muitos treinados já pela Al-Qaeda, os quais encontraram, não muito longe, um novo teatro de operações para a sua jihad.
O LeT definiu como objectivos, libertar Caxemira, "islamizar" todo o sul da Ásia e desmantelar a Índia. Com a aproximação estratégica em curso entre Nova Deli, Washington e Telavive, o recente acordo de cooperação nuclear indo-americano, bem como o facto de Israel ser o segundo maior parceiro militar da Índia, é considerado pelos extremistas como a materialização de uma tripla aliança "americana-sionista-hindu" contra o Islão. Neste contexto, os atentados de Bombaim pretendem dirigir uma mensagem particular à nova administração norte-americana, para se preparar para uma nova frente de batalha na Ásia. Numa simples análise pragmática, um ataque terrorista na Índia pode exacerbar os antagonismos existentes entre as comunidades hindus e muçulmanas e provocar represálias hindus, as quais geram divisões, rupturas e facilitam o recrutamento dos extremistas islâmicos.
A luta em Caxemira foi sempre considerada pelo LeT como parte da luta global, daí a selecção específica de cidadãos norte-americanos e britânicos como alvos de assassinato, e a inclusão do Centro Judaico Chabad, como um alvo principal – embora a maioria das fontes aleguem que os terroristas atingiram deliberadamente americanos e britânicos, outros, incluindo a Jane's, sugerem que os tiroteios no hotel foram tão indiscriminados como aqueles no terminal ferroviário de Chhatrapathi Shivaji. Neste contexto, grupos como o LeT que combatem a soberania indiana sobre Caxemira, têm um historial de ataques a alvos civis e militares, desfrutando ao longo dos anos de claro apoio das autoridades paquistanesas, situação que os atentados de 11 de Setembro de 2001 e o consequente envolvimento dos Estados Unidos numa cruzada anti-terrorista, vieram alterar, forçando o Paquistão a demarcar-se oficialmente dos aliados islamitas, ilegalizando várias organizações que usavam o seu território como base de treino e de operações.
Porquê Bombaim? Bombaim é a capital do estado de Maharashtra, uma cidade cosmopolita e de matriz ocidental, com aproximadamente dezanove milhões de habitantes, capital financeira, comercial e de entretenimento da Índia. É a quinta maior cidade do mundo e constitui um símbolo da prosperidade da Índia moderna o que explica o ódio que inspirou os jovens terroristas a disparar sobre centenas de pessoas. Na perspectiva conservadora islamista, esta versão asiática de Nova Iorque é um dos principais bastiões da cultura e do espírito liberal a abater na região, procurando opor-se assim à rápida ocidentalização do país. Nesta perspectiva, os hotéis Taj Mahal Palace e Oberoi Trident proporcionavam locais ideais para "campos de martírio" e últimos redutos. Como símbolos emblemáticos, especialmente o histórico Taj, muito frequentados por cidadãos estrangeiros e as elites locais, constituíam excelentes alvos remuneradores devido ao efeito psicológico que um ataque proporciona, e a presença de estrangeiros garantia a cobertura mediática internacional.
Os sucessos dos ataques terroristas destinam-se não só a provocar o medo e a intranquilidade, mas são também uma fonte de inspiração para outras organizações terroristas e de atracção de novos recrutas, assim como, têm aumentado as tensões entre a Índia e o Paquistão, o que pode ter sido um dos objectivos estratégicos dos terroristas.
A perspectiva de outro confronto armado com a Índia ou a realização de acções directas contra supostos campos de treino terroristas no Paquistão provocaria raiva e reforçaria a linha dura no Paquistão. Por outro lado, isto retirará a pressão sobre os terroristas localizados no Paquistão, forçando um reposicionamento das forças paquistanesas a partir da fronteira, nas áreas tribais com a Índia. Noutra perspectiva, a selecção de objectivos americanos, britânicos, e judeus, para além dos indianos, sugere que o LeT pretendeu que o ataque atingisse uma multiplicidade de objectivos que ultrapassavam o objectivo primordial do grupo – a Caxemira e a Índia.
A mensagem para a Índia foi "o vosso governo não pode proteger-vos. Não existem lugares seguros", assim como, a publicidade internacional, inevitavelmente, poderá resultar em viagens para a Índia, canceladas ou adiadas, com os consequentes prejuízos para a economia do país.
Numa breve retrospectiva, recuámos até 1998, ano em que foi fundada por Osama bin Laden, a "Frente Islâmica Mundial para a jihad contra os judeus e os cruzados", sendo um dos fundadores o LeT.
No início de Junho de 2007, num vídeo, Abu Asim al-Ibrahim apresentando-se como o porta-voz de Abu Abdul Rehman Ansariano, o suposto líder da Al-Qaeda na Índia (Al-Qaeda fil Hind), declarou a "guerra santa" contra o poder de Nova Deli. Para ele, o Estado de Jammu e Caxemira constituem apenas uma base para uma extensão da jihad para esta região. No mesmo ano, Bin Laden e Zawahiri declararam a jihad contra Nova Deli, dizendo que a Índia foi um dos principais apoios para o Estado de Israel.
A Índia constitui há muitos anos uma área de risco, cujo poder e unidade pode ser desestabilizada a longo prazo. Três estados têm interesses na questão:
- O Paquistão, que pretende recuperar Jammu e Caxemira;
- O Bangladesh, com os olhos nas províncias de Tripura, Manipur (onde também estão presentes os separatistas que desejam uma ligação a Myanmar) e Assam;
- A China que ocupa a província de Aksai Chin, reivindicada por Nova Deli (leste de Jammu e Caxemira) veria com bons olhos a aproximação das províncias de Arunachal Pradesh e Sikkim (movimentos maoistas também estão presentes em Assam).
2.
O Ataque – modus operandi inovadorComo referiu o procurador indiano, no início do julgamento do único terrorista preso, o ataque a Bombaim foi meticulosamente preparado e impiedosamente executado. Exigiu um planeamento rigoroso, um reconhecimento detalhado e uma profunda preparação, quer ao nível físico quer mental, condições que proporcionaram uma execução determinada e disciplinada dos terroristas, os quais actuaram com grande eficácia durante um período alargado de tempo, retirando vantagem do efeito surpresa que gerou enorme confusão e uma incapacidade esmagadora das autoridades.
O próprio
modus operandi do ataque – um desembarque anfíbio – poderia colocá-lo, em termos de inovação, num patamar idêntico ao dos Tigres Tamil, conhecidos como alguns dos pioneiros e, talvez os maiores utilizadores, de bombistas suicidas.
Os terroristas podem inovar o seu
modus operandi, através da introdução de mudanças nos métodos e procedimentos utilizados na selecção dos objectivos, contra os quais dirigem os seus ataques ou seleccionar o cenário em que vão ser perpetrados, entre outras formas de aumentar, se for esse o objectivo pretendido, o impacto dos mesmos, tanto a nível nacional como internacional. Neste sentido, os atentados em Bombaim, não foram tanto uma inovação nos métodos e procedimentos do comando terrorista – utilizaram explosivos, armas de fogo e granadas de mão, acompanhados da tomada de reféns, que infelizmente, constituem o histórico do terrorismo na Índia – contudo, podem ser considerados inovadores.
A natureza inovadora do que aconteceu entre 26 e 29 de Novembro em Bombaim, reside essencialmente na invulgar combinação destas modalidades e procedimentos numa área urbana e, ao longo de um período de tempo, superior ao habitual num único incidente terrorista, contra uma notável variedade de alvos pré-seleccionados, conjugado com o envolvimento de um número significativo de terroristas, empenhados numa série de ataques em série, devidamente coordenados, com a finalidade de aumentar a magnitude e intensidade dos mesmos e cujas consequências fossem devastadoras.
Nuno Rogeiro referiu que os jovens atacantes, treinados em guerrilha urbana e operações especiais, inauguraram uma nova forma de terror –"não mais o terror anónimo, feito de suicídios e bombas maciças, mas a guerra de rua, a tomada de espaços, a agitação. A escolha dos estrangeiros, dos símbolos de conforto, afluência, cultura e consumismo ocidentais, a busca de uma mensagem de intranquilidade, face ao mundo "desenvolvido", mostraram muito mais do que um problema doméstico".
Bruce Riedel, um proeminente
think tank de Washington e especialista em terrorismo, disse que o ataque a Bombaim foi um evento seminal na história do terrorismo internacional e particularmente, na história da jihad global.
Olivier Guitta, referiu no
Middle East Time que os terroristas andaram em locais públicos de cara descoberta, dispararam indiscriminadamente com metralhadoras, lançaram granadas e fizeram reféns, durante cerca de 60 horas, sendo tudo documentado, em directo, pelas televisões de todo o mundo. Comparado com o clássico carro bomba ou ataque suicida, esta táctica tem a vantagem de os terroristas permanecerem no topo da agenda e dos noticiários, durante muito mais tempo. Também tem um valor psicológico muito superior sobre a população: destrói o sentimento de segurança e transmite a sensação de que os terroristas podem atacar em qualquer lugar. Além disso, ao atacarem estrangeiros, os terroristas pretenderam criar pânico na comunidade ocidental e projectar uma imagem negativa da Índia e, ao abalar a confiança, mutilam a economia indiana e desviam o investimento estrangeiro.
O que é mais preocupante neste novo modus operandi, é que dez terroristas foram capazes de provocar tantos danos, matar tanta gente e manter refém uma megalópole durante sessenta horas. Imagine-se o que seria se o efectivo do comando terrorista fosse de cinquenta, cem ou mais operacionais. O facto de a operação ter sido tão bem sucedida, do ponto de vista dos terroristas, poderá dar ideias para outros fazerem o mesmo na Europa, África ou mesmo nos Estados Unidos. Neste sentido, Peter Clarke, o antigo chefe da unidade anti-terrorista da Scotland Yard, alertou que existe um risco real de poder ocorrer, um ataque ao estilo de Bombaim, na Grã-Bretanha.
2. a.
Planeamento e Reconhecimento A concepção, planificação e execução de uma série de atentados, como os de Bombaim, não está ao alcance de qualquer grupo terrorista, muito menos ainda de células locais independentes. A complexidade da operação exigiu uma preparação cuidadosa, revelando um excelente planeamento e coordenação, desde o local de infiltração e desembarque, incluindo os itinerários através da cidade – percorridos em período nocturno –, até ao objectivo final. Testemunhas no hotel Taj indicaram que os terroristas sabiam deslocar-se através de portas ocultas e corredores do hotel. De acordo com outro relatório, os terroristas tinham um esquema detalhado da planta do hotel. Corroborando estas notícias, as autoridades indianas indicaram que em Fevereiro de 2008, detiveram Faheem Ahmed Ansari, no estado de Uttar Pradesh – norte da Índia, que possuía desenhos de vários locais de Bombaim, alguns dos quais foram objectivos no ataque de Novembro de 2008. Este detido disse que iniciou o seu reconhecimento no final de 2007, pelo que o planeamento para o ataque propriamente dito, terá sido iniciado em meados desse ano, o que é coerente com a fita do tempo de outras operações terroristas de grande escala.
Esta informação era consistente, porque existem fortes indícios que dois operacionais ocuparam o quarto 630 do hotel Taj Mahal, quatro dias antes da chegada do comando terrorista, funcionado como comité de recepção para o comando que provavelmente vinha com mochilas carregadas de armas, munições e explosivos. Oito activistas fizeram-se passar por estudantes malaios, alugaram uma casa no bairro de Colaba, vários meses antes do início da operação, para executarem o reconhecimento dos itinerários e dos objectivos.
2. b.
Formação e treinoO inquérito revelou que os terroristas envolvidos no ataque a Bombaim foram submetidos a um rigoroso, disciplinado e árduo cronograma de treino. O treino constituiu um componente muito importante do projecto de conspiração e foi vital para a execução bem sucedida do ataque a Bombaim, sendo os dez elementos que integraram o comando terrorista escolhidos a dedo.
O treino do comando terrorista foi realizado em módulos, ministrados de forma gradual, em Muridke, Manshera, Muzaffarabad, Azizabad e Paanch Teni – locais situados no Paquistão e na região de Caxemira administrada pelo Paquistão. Segundo Alain Rodier, os terroristas receberam treino militar, individual e colectivo, pelo menos durante seis meses, em dois campos de formação no Punjab (Mansera e Shawai perto de Muzzarafabad).
O único sobrevivente terrorista, revelou que quem treinou o comando terrorista foi Abdul Rahman, um ex-militar, popularmente conhecido por
Chacha. "O treino esteve dividido em sete fases, com os formandos a evoluírem para a fase seguinte só após concluírem, com sucesso, o módulo de formação em que se encontravam: a primeira fase foi de intenso trabalho físico, durante um período de três meses, que incluía corridas de dez a quinze quilómetros de distância. Os três meses seguintes destinaram-se a treino marítimo, como nadar e mergulhar, em zonas de alto mar. O resto destinou-se ao treino com armas e munições".
Na execução do ataque, os elementos do comando terrorista fizeram uma demonstração cabal da formação obtida. Dispararam em rajadas curtas e precisas, de seguida recarregavam calmamente as armas, assim como, deixaram vários cadáveres armadilhados com granadas, continuando a carnificina conforme o planeado. Além disso, resistiram de forma disciplinada, organizada e estruturada, ao longo dos confrontos com as forças de segurança indianas.
Foram doutrinados nos princípios da jihad e da recitação do Alcorão. Os formadores foram Abu Fahadullah, Abu Mufti Saeed, Abu Abdurrehman, Abu Maavia, Abu Anis, Abu Bashir, Abu Hanjla Pathan, Abu Saria, Abu Saif-ur-Rehman, Abu Imran, Zaki-ur-Rehman, Hakim Saheb, Hafiz Saeed, Kaahfa, Abu Hamza, entre outros, sendo cada um especialista em áreas específicas, para aumentar o nível da instrução e a eficácia operacional.
2. c.
Desembarque por marOs atacantes de Bombaim chegaram por mar, navegando ao longo de 582 milhas náuticas num navio cargueiro paquistanês desde Karachi. Em 22 ou 23 de Novembro de 2008, desviaram um arrastão de pesca indiano, o M. V. Kuber, tendo assassinado a sua tripulação, excepto o capitão, o qual viria a ser decapitado, por Azam Kasab, já próximo do destino.
Cerca das 16 horas, do dia 26 de Novembro, o Kuber estava a cerca de quatro ou cinco milhas náuticas da costa de Bombaim e, após contactos através de telefone satélite, com a célula dirigente no Paquistão, os atacantes embarcaram em dois pequenos botes insufláveis, desembarcando entre as 20H30 e as 21 horas locais, em dois pontos diferentes na doca de Sassoon – a maior de Bombaim, situada em Badhwar Park – Colaba, zona sul da cidade.
A infiltração marítima permitiu aos terroristas evitar os postos de controlo (checkpoints) indianos na fronteira ou nos aeroportos, assim como, ao navegarem numa embarcação indiana, não despertaram a suspeita da guarda costeira indiana.
2. d.
Quem eram os terroristas Ainda sabemos muito pouco sobre os próprios terroristas. Os dez atacantes, todos com cerca de vinte anos, eram todos paquistaneses, falavam urdu, hindu e alguns, inglês e podem ter sido assistidos localmente, possivelmente por indianos, que contribuíram para o reconhecimento e com fornecimentos preposicionados. O único sobrevivente é um jovem paquistanês, Azam Amir Kasab (também designado Ajmal Amir Kasav ou Azam Ameer Qasab, de acordo com a transcrição das fontes) de 21 anos, natural da localidade de Faridkot (distrito de Okara) no Punjab – Paquistão, o qual estava ligado à pequena criminalidade antes de ser recrutado para a causa jihadista. Azam Kasab afirmou que havia sido prometida uma recompensa à sua família de 1.250 dólares – cerca de 985 euros – se morresse em combate pelo Islão.
Azam Kasab revelou a identidade dos outros nove terroristas que o acompanharam a Bombaim, com idades compreendidas entre vinte e vinte e oito anos. Tratava-se de, Soheb de 20 anos, Chota Abdul Rahman de 21, Umar 22, Abu Ali 23, Fahadullah 24, Ismail Khan 25, Bada Abdul Rahman 25, Abu Akasha 26 e Umair 28.
O responsável policial pela investigação dos ataques a Bombaim, Rakesh Maria, revelou numa conferência de imprensa as imagens e a identificação dos atacantes. Amir era procedente da localidade paquistanesa de Faridkot (distrito de Okara), atacou a estação ferroviária de Chhatrapati Shivaji, juntamente com Ismail Khan, que era originário do distrito de Dera, no noroeste paquistanês. Khan seria o chefe do comando terrorista. Entre os terroristas que assaltaram o luxuoso hotel Taj encontrava-se Hafiz Arshad, aliás Bada Abdul Rehman, originário da cidade de Multán; Shoaib, aliás Soheb, da localidade de Sialkot; Javed, também chamado Abú Alí, e Kasab ambos do distrito de Okara. Os responsáveis pelo ataque ao centro judeu de Nariman foram Nasir, também conhecido como Abú Umar, e Babar Imran, aliás Abú Akasha, ambos procedentes de Multán. Também era de Multán um dos terroristas que atacou o hotel Oberoi Trident, Abdul Rehman, aliás chhota (pequeno), e Fahadulá, também conhecido como Abú Fahad, do distrito de Okara.
O terrorista sobrevivente sabia pouco sobre os seus companheiros, referindo que os membros do comando foram isolados uns dos outros, durante a maior parte da preparação para a missão. Segundo outro relatório não confirmado, alguns dos terroristas tinham chegado a Bombaim, em missão de reconhecimento algum tempo antes do ataque, sob o disfarce de estudantes. Alguns referem que pelo menos alguns membros do comando terrorista podem ter estado no local, cerca de dois meses antes do ataque, fazendo reconhecimentos e aprovisionando munições. Contudo, fontes de um jornal indiano indicam que os dez elementos chegaram de barco na noite dos atentados.
O terrorista sobrevivente, nos interrogatórios, aparentemente foi capaz de identificar rapidamente um dos principais líderes do LeT, o que revela uma violação de segurança se o grupo pretendia camuflar o seu envolvimento nesta acção terrorista.
O LeT foi fundado por Hafiz Muhammad Sayed e Zafar Iqbal, em 1989, na província de Kunar – Afeganistão, tendo o seu núcleo central "aquartelado" em Muridke, nas imediações de Lahore no Paquistão. Actualmente é liderado por Hafiz Muhammad Sayed e coadjuvado por Zaki-Ur-Rehman Lakhvi (chefe das operações contra a Índia), sendo ambos acusados de participar no ataque a Bombaim, especialmente porque Lakhvi é um especialista em guerrilha urbana, tendo enviado muitosjihadistas para combater na Chechénia, Bósnia, Iraque, Sudeste Asiático e mais recentemente, para o Afeganistão.
O chefe directo da operação teria sido Muzammil Yusuf, o comandante operacional do LeT na região de Caxemira.
Haji Mohammed Ashraf é o responsável pelos recursos financeiros, sendo o cidadão saudita Mahmoud Mohammed Bahaziq, o grande financiador do grupo.
Lakhvi veio a ser detido durante uma operação policial, num acampamento nos arredores de Muzaffarabad, capital da região da Caxemira controlada pelo Paquistão. Posteriormente a Polícia de Bombaim identificou mais dois formadores do comando terrorista: Abu Hamza e um homem conhecido apenas como Khafa. Abu Hamza ministrou a formação marítima, de explosivos e armamento. Khafa ajudou os terroristas a familiarizarem-se com os seus objectivos nos últimos três meses da formação, em Azizabad, no Paquistão. Contudo, a principal figura em toda a preparação para o ataque terrorista foi Lakhvi, o qual esteve presente durante toda a formação e viajou com o comando terrorista pela costa paquistanesa antes de rumarem para Bombaim.
Cocaína e LSD para matarem durante mais de 50 horas.Os elementos do comando terrorista tomaram esteróides, cocaína e LSD (acrónimo de Lysergsäurediethylamid, palavra alemã para a dietilamida do ácido lisérgico, que é uma das mais potentes substâncias alucinógenas conhecidas) para se manterem alerta, despertos e aguentarem o mais possível (refira-se que as drogas são consideradas quase de uso geral entre alguns trabalhadores indianos, como os camionistas, pessoal afecto à segurança, etc.).
Fontes policiais informaram que foram encontrados nos diferentes cenários do ataque, toda uma parafernália relacionada com este consumo, incluindo seringas, e no sangue dos corpos analisados existiam vestígios delas. Desta forma conseguiram estar mais de cinquenta horas sem comer, sem dormir e sem parar de matar, apesar de muitos deles terem sido feridos.
2. e.
Génese e ideologia do Lashkar-e-Taiba Segundo Raja Karthikeya, o LeT surgiu em meados dos anos 1990 como o braço militante do Markaz Dawatul Irshad, uma organização islamista fundada no final dos anos 1980 por Hafiz Mohammed Saeed, um professor de teologia no Punjab Engineering College. O grupo cresceu em importância após o serviço de informações do Paquistão (Inter Services Intelligence, daqui em diante ISI) ter decidido no início de 1990, deixar de apoiar os grupos que lutavam por uma Caxemira independente (como a frente de Libertação de Jammu e Caxemira), para patrocinar os grupos que defendiam a anexação de Caxemira pelo Paquistão.
Inicialmente, os seus membros eram predominantemente paquistaneses, da província de Punjab, não pertencendo à etnia dominante em Caxemira. Esta realidade colocou-o em contradição, em termos estritamente ideológicos, com o dogma de Maulana Mawdudi, o fundador do Jamat-e-Islami e do islamismo político no Paquistão. Os recrutas do LeT são na sua maioria, da classe média e baixa e uma esmagadora maioria tem formação universitária. Contudo a maioria dos jovens não aderem ao Lashkar para seguirem uma carreira no terrorismo. Esta é motivada em partes iguais, por convicções religiosas, um desejo de aventura e um objectivo. A maioria dos recrutas sai, após dois anos de luta do outro lado da fronteira, para regressar ao Paquistão e prosseguir outras carreiras.
Em 1994, os grupos pró-Paquistão que combatiam em Caxemira, organizaram-se no Conselho Unido para a Jihad, e durante anos consideravam o LeT uma anomalia. Quando este aderiu ao Conselho em 2003, o grupo foi constante e persistentemente, infiltrando e diluindo a agenda do Conselho que evolui da luta pela independência para a ligação ao Paquistão. Acredita-se que esta evolução tenha causado a divisão entre os partidos políticos de Caxemira que advogavam a secessão da Índia e o movimento militante paralelo. Do ponto de vista ideológico, o LeT é único no Paquistão, tendo a sua génese no grupo Jamaat-Ahl-e-Hadith e não do Deobandi, como a maioria dos grupos militantes no país, e pratica a ideologia salafista jihadista.
Estes movimentos estabelecem ligações operacionais e logísticas, uns com os outros, sob o "guarda-chuva" da Al-Qaeda.
Antes do ataque a Bombaim, o Lashkar-e-Taiba não era muito conhecido no Ocidente. No entanto, o grupo tem surgido no "radar do ocidente" ao longo da última década. Desde logo, quando em 1998 a administração Bill Clinton, lançou mísseis de cruzeiro contra o Afeganistão, controlado pelos Taliban, como retaliação pelos ataques contra as embaixadas norte-americanas na África Oriental (Quénia e Tanzânia), que atingiram campos de treino do LeT. Em 2003, o FBI indiciou onze membros do LeT de treinarem para a jihad em campos de paintball, na Virgínia, Estados Unidos. Em 2004, a Austrália após a detenção de um membro do grupo – de origem francesa –, pelo planeamento do ataque a vários alvos no país, proibiu rapidamente o grupo.
O britânico Rashid Rauf, principal acusado da conspiração para fazer explodir aviões transatlânticos em pleno voo, em 2006, poderá ter sido um dos recrutas do LeT, o qual viria a ser eliminado num ataque norte-americano, com mísseis Hellfire lançados de aviões não tripulados, no norte do Waziristão (região montanhosa localizada nas Áreas Tribais do noroeste do Paquistão e que faz fronteira com o Afeganistão), em 22 de Novembro de 2008.
2. e.
Elevado poder de fogoOs terroristas estavam fortemente armados. Cada um transportava uma arma automática AK-56 (a versão chinesa da metralhadora russa Kalashnikov AK-47) com oito carregadores (cada um com trinta munições).
Os terroristas também utilizaram metralhadoras de origem alemã Heckler & Koch MP5, mas estas poderão ter sido retiradas a elementos das forças de segurança indianos, mortos ou feridos. Os atacantes estavam armados, individualmente, com pistolas de calibre 9 mm, com dois carregadores com sete munições e, entre oito a dez granadas de mão "ARGES", de fabrico paquistanês, similares às utilizadas noutros ataques, como em Bombaim a 12 de Março de 1993 e no ataque ao Parlamento Indiano, em Nova Deli, em 13 de Dezembro de 2001.
Também tinham engenhos com explosivos improvisados. Cada um era composto por cerca de oito quilos de RDX (Research Department X ou ciclotrimetilenotrinitramina - explosivo de elevada potência) e rolamentos para provocar estilhaços, um cronómetro digital, e uma bateria de 9 volts. Cinco destes engenhos foram localizados, dois foram deixados para trás nos táxis utilizados pelos atacantes, e três outros foram deixados noutros locais ao longo do percurso, para detonarem mais tarde, gerando maior confusão.
Os dois dispositivos deixados nos táxis explodiram, os outros falharam ou foram inactivados por elementos das unidades de inactivação de engenhos explosivos indianos. Existem diferentes informações relativas ao apoio ter sido preposicionado. De acordo com um relato, comandos indianos descobriram uma mochila no hotel Taj contendo sete carregadores de AK-47, devidamente carregados, 400 munições sobressalentes, quatro granadas de mão, e vários documentos. Não é claro se a mochila tinha sido transportada por um dos atacantes eliminados.
2. f.
Tácticas O ataque foi sequencial e com elevada mobilidade. Várias equipas atacaram vários objectivos, simultaneamente, combinando assaltos armados, carjackings, fogo e movimento, utilização de engenhos explosivos improvisados pré-concebidos, assassinatos selectivos (polícias e determinados cidadãos estrangeiros), conseguindo montar barricadas e fazer reféns.
Embora esta manobra constitua uma ruptura com o modus operandi habitual dos ataques suicidas associados aos grupos jihadistas, esta não foi a primeira vez em que se utilizou esta modalidade de atentado, porquanto os assaltos armados, têm amplos precedentes nos anais do terrorismo, como o ataque ao Aeroporto de Lod – Israel, em 1972, em que três membros do Exército Vermelho Japonês abriram fogo e lançaram granadas de mão contra passageiros. As barricadas e situações com reféns foram comuns durante a década de 1970 e, mais recentemente, grupos chechenos executaram várias operações com tomada de reféns em várias cidades russas – Buddyonovsh (1995), Kizlyar (1996), Moscovo (Teatro Dubrovka, 2002) ou Beslan (escola, 2004) – contudo em Bombaim, a novidade, foi a combinação de tácticas.
Foi uma operação complicada e multifacetada. Ao constituírem equipas separadas que se deslocavam rapidamente de objectivo para objectivo, os terroristas conseguiram espalhar a confusão e criar a impressão de terem um efectivo considerável, para o que também terá contribuído inicialmente, os relatos dos órgãos de comunicação social que consistentemente, sobrestimaram aquilo que posteriormente se apurou acerca da dimensão do comando terrorista. Os múltiplos ataques em diferentes locais impediram as autoridades de desenvolver uma avaliação global da situação e as forças de segurança, tiveram dificuldades similares, porventura ainda mais complicadas, devido às informações menos correctas que evoluíram com a resposta ao ataque terrorista. A pequena dimensão de cada equipa de ataque terrorista – dois a quatro homens – limitava a sua capacidade em qualquer acção directa com as forças de segurança. Neste sentido, sempre que enfrentaram uma oposição mais forte, romperam o contacto e seguiram para outro alvo.
Numa breve retrospectiva da actuação do LeT nos seus primórdios, utilizava uma táctica simples e inovadora para espalhar o terror – realizava ataques suicidas a locais seguros, através de homens armados que irrompiam furtivamente com grande poder de fogo – "chuva de granadas e tiros". Pretendiam controlar temporariamente uma área, sem expectativa de regresso e com a certeza da morte, no provável combate que se seguiria com as forças de segurança, constituindo o assalto ao quartel da Força de Segurança de Fronteiras, em 1999, em Bandipora – Jammu e Caxemira, o primeiro exemplo deste tipo de ataque.
2. g.
Quatro equipas de assaltoOs terroristas dividiram-se em quatro equipas de assalto, uma com quatro homens e as restantes com dois membros cada. Após o desembarque em Bombaim, os terroristas atacaram de imediato a esquadra da polícia de Colaba, possivelmente com o grupo ainda compacto – anulando o centro de comando e controlo local, o que dificultou a capacidade de resposta da polícia.
De seguida, uma equipa de dois homens tomou um táxi para o terminal de Chhatrapati Shivaji, principal estação ferroviária de Bombaim, onde abriram fogo sobre os passageiros.
Surpreendentemente, os dois foram capazes de vaguear pela estação e matar durante noventa minutos, indiscriminadamente, antes de chegarem mais reforços policiais que os forçaram a deixar a estação.
Embora os ataques a outros alvos fossem destinados a matar estrangeiros, o ataque à estação de comboios visava matar cidadãos comuns indianos. Matar com aparente impunidade pareceu destinar-se a incutir medo e pavor na mente das centenas de milhares de pessoas que utilizam a estação para o seu transporte diário. Os terroristas, em seguida, dirigiram-se para o Hospital Cama & Albless, onde continuaram o massacre. Escaparam de novo com um carro da polícia que haviam emboscado e roubado, seguindo em direcção do hotel Oberoi Trident, disparando ao longo do caminho. Forçados a voltar para trás, roubaram outro veículo, mas acabaram por ser interceptados pela polícia. No tiroteio subsequente, um terrorista foi morto e o segundo foi ferido e capturado. Esta equipa sozinha foi responsável por um terço das mortes.
A segunda equipa, dirigiu-se para Nariman House, um complexo residencial e comercial, com uma sinagoga e um centro educativo ultra-ortodoxo, gerido pelo movimento judaico Chabad Lubavich. Lançaram granadas para um posto de gasolina do outro lado da rua do complexo, abriram fogo sobre o edifício e, em seguida, entraram pelo hall aos tiros. Fizeram treze reféns, cinco dos quais foram posteriormente assassinados, preparando-se para o assalto da polícia. Esta equipa representou oito do total de mortes.
A terceira equipa de dois elementos seguiu do local de desembarque para o hotel Oberoi Trident, onde começou a matar pessoas indiscriminadamente. Num telefonema para a imprensa, alegaram que estavam sete terroristas no prédio e exigiram que a Índia ordenasse a libertação de todos os mujahedin presos em troca da libertação dos reféns. O cerco continuou aproximadamente durante dezassete horas, terminando com a eliminação dos terroristas. Neste espaço temporal os terroristas assassinaram 30 pessoas.
A quarta e maior equipa, dirigiu-se para o hotel Taj Mahal Palace. Quando passaram pelo Café Leopold, pulverizaram os utentes com fogo de armas automáticas, matando dez pessoas. Depois entraram no hotel, percorreram o rés-do-chão e a cave, continuando a matar ao longo do caminho, subindo posteriormente para os andares superiores, disparando e movimentando-se constantemente, a fim de confundir e atrasar as forças de segurança. O cerco ao Taj terminou 60 horas depois, quando comandos indianos eliminaram o último dos quatro terroristas.
A dispersão do comando terrorista em quatro equipas separadas, teve como intenção a redução do risco operacional, porquanto, logo que o ataque começou, o fracasso ou a eliminação de uma única equipa não colocaria as outras fora de acção, sendo a infiltração marítima até Bombaim, o único momento vulnerável no decorrer de toda a operação.
Este padrão particular da operação em que os atacantes penetraram profundamente no alvo e mataram o maior número possível de pessoas, era uma marca dos ataques do LeT, às forças indianas estacionadas em Caxemira.
2. h.
Massacre ou cerco? O propósito dos atacantes, tal como indicou o testemunho do único terrorista sobrevivente, era matar o maior número possível de pessoas. Contudo, há alguma incerteza que o massacre fosse apenas o único objectivo dos mentores da operação. Se compararmos o ataque a Bombaim em 2008, com o ataque ao comboio de 2006, em que sete bombas mataram 209 pessoas, ou o ataque de 1993 a Bombaim, no qual morreram 257 pessoas em 13 explosões por toda a cidade, parece que as bombas teriam sido mais eficazes se o único critério fosse contar cadáveres.
Ataques indiscriminados, como os atentados dos bombistas suicidas de Londres e Madrid, têm sido criticados, mesmo por alguns jihadistas que os consideram contrários ao código de guerra islâmico. Neste sentido, o ataque de 2008 parece ser mais selectivo, embora a grande maioria das vítimas de Bombaim fossem cidadãos comuns indianos, assassinados aleatoriamente. Esta pretensa selectividade foi sublinhada pelos terroristas na suposta busca de americanos e britânicos, pelo brutal assassinato no Centro Chabad, e pela decisão de matar alguns reféns.
A segurança pode ter sido outro factor. Com base nos padrões de anteriores ataques terroristas, as autoridades indianas focalizaram-se em ataques com carros-bomba em hotéis, assim como, ao nível da segurança ferroviária, preocupou-se em tentar evitar atentados à bomba contra os comboios e não com assaltantes armados fora das estações ferroviárias.
Um ataque armado também poderia ter sido mais atraente para os atacantes do que atentados suicidas, contudo quando abriram fogo, o seu destino foi traçado, mas o carácter prolongado da operação permitiu-lhes executar um massacre sustentado onde puderam ver a evolução dos resultados. Ainda que se considerassem mártires, nas suas próprias mentes, também poderiam ver-se mais como guerreiros do que meros detonadores de bombistas suicidas.
2. i.
ObjectivosOs terroristas tinham um bom conhecimento do terreno e dos objectivos, os quais estavam situados num raio inferior a três quilómetros, constituindo alvos fáceis.
Em nenhum momento durante o ataque os terroristas tiveram de enfrentar guardas armados com capacidade de resposta. Na sua maioria, os terroristas atacaram alvos desprotegidos e, mesmo em locais onde poderiam esperar forças de segurança, o reconhecimento prévio informou-os que essas forças estariam com armamento ligeiro e seriam facilmente ultrapassadas ou eliminadas.
Os principais objectivos incluíam:
- A movimentadíssima estação central de comboios de Chhatrapathi Shivaji – um dos terminais com mais movimento do país e património mundial da UNESCO. O enorme edifício funde arquitectura britânica e indiana (abriu em 1888), e impressiona pela cúpula e torreões;
- O Hospital Cama & Albless;
- O Café Leopold que abriu em 1871 e era um local popular para turistas, estrangeiros e também entre os artistas;
- Nariman House, um edifício de cinco andares adquirido há cerca de dois anos por uma organização judaica ortodoxa, designada Chabad House (Centro Chabad Lubavich),
- Os hotéis Oberoi Trident e o Taj Mahal Palace, o último objectivo destinado à equipa de quatro elementos. Provavelmente um dos objectivos da operação – que felizmente não foi alcançado – seria a explosão do hotel. Os dois hotéis atingidos eram hotéis de elites: o Taj Mahal, construído em 1903, orgulha-se de ter hospedado "marajás, príncipes e vários reis", como se diz no seu sítio na internet. O hotel foi construído pelo fundador do Tata Group e "pai da indústria indiana", Jamsetji Nusserwanji Tata. O Taj Mahal e a sua arquitectura indo-islâmica constituem "um tributo vivo à natureza cosmopolita de Bombaim e ao seu espírito dinâmico".
Os outros alvos atacados ao longo do percurso, como o cinema Metro (abriu em 1938 com uma arquitectura art-déco, e apesar de já mostrar produções de Bollywood ainda exibe filmes ocidentais, sendo entretanto transformado num multiplex) foram alvos de oportunidade.
Pondo de lado os disparos realizados a partir de um veículo em movimento, a estação de caminho de ferro e os dois hotéis deram a oportunidade para se alcançar um elevado número de baixas. O café Leopold e os hotéis foram locais dramáticos para a realização do ataque –proporcionando o "valor emocional" procurado pelos terroristas.
O massacre no Centro Chabad tinha a sua própria lógica, de acordo com transcrições dos telefonemas entre os terroristas e os seus mentores durante o ataque, os terroristas foram instruídos para matar os judeus reféns, com o objectivo de "deteriorar as relações entre a Índia e Israel".
Jovens num café frequentado por turistas e artistas, hóspedes de uma obra-prima de arquitectura indo-islâmica, empresários em negócios num hotel de luxo, transeuntes numa estação de comboios que é património mundial da UNESCO, espectadores de um cinema art-déco que exibe filmes ocidentais e produções de Bollywood: foram estas as vítimas e os alvos de um ataque que quis atingir o dinheiro, o luxo e a presença ocidental em Bombaim.
2. j.
Comunicações – Novas tecnologias ao serviço do terrorOs atacantes tinham por equipa, um sistema de posicionamento global (do acrónimo inglês Global Positioning System, vulgo GPS), individualmente tinham telefones móveis Nokia e um telefone via satélite para o comando, incluindo telemóveis de última geração Blackberries.
Um ataque cuidadosamente planeado, como o de Bombaim, teria exigido qualquer comunicação entre os terroristas e as suas sedes e, de acordo com um dossier difundido pelas autoridades indianas, durante o ataque os terroristas mantiveram contactos frequentes com os seus mentores, sedeados no Paquistão.
Nas transcrições dessas chamadas telefónicas, interceptadas pelas autoridades indianas e difundidas no início de Janeiro de 2009, os líderes no Paquistão instaram os atacantes a continuar, exortando-os a matar, recordando-lhes que o prestígio do Islão estava em jogo, e davam-lhes conselhos tácticos, em parte adquiridos a partir da assistência ao vivo, da cobertura do evento pela televisão. Apesar destas exortações para assassinarem reféns e não serem capturados vivos, alguns observadores acreditam – e existem relatórios em que os terroristas sobreviventes pensam – que os atacantes sentiram que de alguma forma poderiam sair vivos.
Os terroristas durante as operações, falaram uns com os outros para delinear a sua capacidade de manobra, assim como, falaram com a imprensa através de telefones móveis para fazer exigências, como a troca da libertação de reféns. Isto levou as autoridades indianas a pensar que estavam a lidar com uma situação típica de reféns, o que ainda confundiu a sua resposta táctica.
2. k.
Cultura estratégica terrorista O ataque a Bombaim demonstrou que as organizações jihadistas com base no Paquistão têm capacidade para planear e lançar operações terroristas ambiciosas, pelo menos em países vizinhos. Além da Índia, o ataque terrorista a Bombaim revelou uma cultura estratégica que reflectidamente identifica objectivos estratégicos e meios para alcançá-los, tendo analisado previamente as medidas contraterroristas, desenvolvendo procedimentos para as minimizar e tentar realizar um ataque com a "qualidade" do 11 de Setembro.
Durante cerca de sessenta horas, os terroristas mantiveram uma metrópole com quase dezanove milhões de habitantes num impasse, enquanto o mundo parecia observar. Este ataque dominou todos os noticiários durante aproximadamente setenta e duas horas, de uma forma ininterrupta - o que era sem dúvida, um dos objectivos pretendidos pela organização terrorista - o que exceptuando a cobertura dos atentados de 11 de Setembro, o mundo nunca assistiu a uma cobertura global desta envergadura.
O historiador Eric Hobsbawm diz que "o alcance da televisão criou acções politicamente mais eficazes, cujo objectivo não era atingir os decisores, mas sim alcançar um impacto mediático significativo" e neste sentido refere que "um dos sinais de barbárie é o facto de os terroristas terem descoberto que, desde que esteja ao alcance dos ecrãs de todo o mundo, o assassínio em massa de homens e mulheres insignificantes tem maior valor noticioso do que os mais celebrados ou simbólicos alvos para as suas bombas."
Com esta operação em Bombaim o LeT colocou em prática a sua retórica, ou seja colocou a disputa de Caxemira no centro da jihad internacional, assim como, emergiu como uma constelação independente na galáxia da jihad global, deixando de ser apenas mais uma filial da Al-Qaeda. Na verdade, com a redução das capacidades operacionais do núcleo central da Al-Qaeda, o ataque a Bombaim fez do LeT um actor global independente.
Jornal Defesa