SEMANÁRIO (Jornal), 31-Agosto-2007

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caedlu

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SEMANÁRIO (Jornal), 31-Agosto-2007
« em: Setembro 02, 2007, 01:53:01 pm »
SEMANÁRIO (Jornal), 31-Agosto-2007 (opinião interessante, embora discutível, contra o Iberismo)
Um Exército de Libertação Português...
por Paulo Gaião
2007-08-30 23:26

Os portugueses são muito mais sensíveis à questão
da ETA, talvez porque se imaginam facilmente na pele dos bascos caso Portugal tivesse perdido a independência em 1580, do que à invasão económica dos "nuestros hermanos".

Se em 1580 a Espanha tivesse tido uma vontade profunda e uma estratégia bem delineada para ficar com Portugal, hoje certamente que não estaríamos aqui. Talvez tivesse bastado um êxodo de população, com centenas de milhares de portugueses transferidos para o norte de Espanha, bem longe das fronteiras lusas, talvez, por ironia, o País Basco e Navarra, com a consequente ocupação de Portugal por gentes castelhanas, incentivadas com vários benefícios monetários a fazê-lo, procriando rapidamente, para que Portugal tivesse mesmo deixado de existir.
Hoje, cinco séculos depois, a história do Estado português daria, porventura, direito a um pequeno capítulo dos programas escolares impostos por Madrid e pela comunidade autónoma Portucalense, seríamos todos espanhóis, talvez vívessemos melhor face às sinergias da Ibéria mas também teríamos, certamente, enfrentado muito mais guerras porque o poder de Madrid teria sido mais cobiçado.
Contudo, apesar do peso esmagador dos castelhanos e do seu pensamento dominante na província portucalense, teria sido quase inevitável que tivesse sobrado um punhado de portugueses, escapando miraculosamente ao êxodo de 1580, que geração, após geração, na penumbra e no medo, tivesse mantido acesa a chama do país que fomos, das nossas memórias, do nosso Afonso Henriques que lutou contra a própria mãe para fundar Portugal e afastá-lo das mãos leonesas, do nosso D. João I, com a coragem de trespassar o conde de Andeiro e "comprar" uma guerra de desfecho complicado com Castela, do nosso prior do Crato, que podia ter vivido no fausto e na riqueza mas preferiu enfrentar Filipe II, lutando contra a perda de independência. Dos nossos gloriosos Infante D. Henrique e D. João II, certamente esquecidos por Madrid, de forma a engrandecer mais os reis católicos e, claro, o nosso Camões, premonitoriamente falecido quando as tropas do duque de Alba entravam em Portugal, também ele ostraciza

do, de forma a engrandecer Miguel de Cervantes e não alimentar, através da língua portuguesa, qualquer ligação com o passado.
Apesar da dominância e repressão castelhanas, teria sido também quase inevitável que surgisse nas gerações mais novas, habituadas a ouvir os seus avoengos contarem as histórias dos heróis portugueses, uma semente de revolta, e que essa semente de revolta germinasse, na forma de uma qualquer organização, por exemplo um Exército de Libertação Português...
Tudo isto para lembrar que, sem prejuízo da condenação formal do terrorismo, é preciso lembrar as especificidades portuguesas quando se lida com o Estado espanhol e a ETA, como aconteceu esta semana nos encontros luso-espanhóis. Já se percebeu, também, que os portugueses são muito mais sensíveis à questão que tem a ver com a ETA e ao que ela implica, talvez porque conseguem imaginar-se na pele dos bascos se a história portuguesa tem sido diferente, do que à invasão económica dos "nuestros hermanos" ou às declarações mais ou menos inconsequentes de Mário Lino, de que na Península Ibérica se fala a mesma língua, ou de José Saramago, que põe a hipótese de um dia Portugal se integrar na Espanha.


Ainda o "Verde Eufémia"

Os miúdos do "Verde Eufémia" continuaram a levar pancada de todo o lado durante mais uns dias. Tratados como fascistas, nazistas, verdugos. Num país pindérico e provinciano, o país da Europa onde se mata mais por causa da disputa de terrenos e galinhas, o país da Europa com gente mais desqualificada e de vistas mais curtas mas onde há mais segundas residências, a propriedade privada é absolutamente sagrada. Os "Verde Eufémia", muitos deles estrangeiros, certamente habituados a serem uma espécie de animadores para quebrar a monotonia dos nórdicos sobre o que hão-de fazer com o excesso dinheiro, actuando em muitas cimeiras dos ricos por esse mundo fora, devem ter levado que contar de Portugal. Não é só a questão de Portugal ser o país com mais assimetrias da Europa, onde se assistem aos maiores desmandos e às maiores arbitrariedades mas onde ninguém é capaz de partir um prato, engolindo e calando. É a questão de o país ser de brandos costumes para umas coisas, onde era preciso

 reagir com sangue na guelra, mas ser mesquinhamente trauliteiro para coisas menores. Como aconteceu precisamente com o ataque ao campo de milho transgénico, gritando acudam, acudam, à primeira maçaroca pisada. Coisas de gente pobre e bisonha. Era bom que a sanha contra os "Verde Eufémia" estivesse, ao menos, alicerçada em razões ideológicas, era sinal de que o país podia não estar mais arejado mas tinha andado a trabalhar os neurónios nas últimas décadas. Infelizmente, quase tudo o que está por detrás da defesa acérrima do milho, se liga ao mais recôndito da mente portuguesa, cioso das suas árvores de fruto, das suas galinhas, dos seus marcos no terreno, vivendo para eles cada dia e tendo uma profunda desconfiança por tudo o que é novo. Quinhentos anos depois de Camões ter escrito os Lusíadas, continua a haver um bocado do Velho do Restelo em cada um de nós.
Em 1975, o gonçalvismo acabou por acentuar a existência deste mandamento religioso ao direito à propriedade. Os comunistas estavam convencidos que o povo estava tão mudado que não só gritava pelas ocupações e pelas nacionalizações mas que também era capaz de votar legalmente no PCP, dando 40 ou 50 por centos de votos aos comunistas nas primeiras eleições para a Constituinte. Quando se fez prova de que o PC era um tigre de papel, os portugueses ainda se tornaram mais fundamentalistas na defesa do direito à propriedade e, de caminho, de tudo o que mexesse que tivesse a marca da conservação de costumes. Foi como se à mentalidade conservadora se juntasse um clique político. Em quase quarenta anos de democracia impressiona que os portugueses nunca tenham reagido intempestivamente contra a forma como foram muitas vezes tratados, por governos, empresas, instituições, estando em causa a violação ou discriminação de direitos. Como impressiona que um dos países mais centralistas da Eu
ropa tenha rejeitado a regionalização em referendo, com partes de Portugal a viverem hoje totalmente asfixiadas pelo poder de Lisboa.
PS. Pôr um grupo de tchetchenos como suspeitos do assassinato de Anna Politvskaia, como fez a PGR russa, é digno dos melhores argumentos da comédia negra.