Iémen, nova frente contra o terrorismo?
Alexandre Reis Rodrigues
Quase nada falta no Iémen em condições propícias para a organização local da al Qaeda (AQAP – al Qaeda para a Península Arábica) aprofundar as suas raízes e consolidar a sua posição no terreno: um governo central que mal controla a capital (Sanaa) muito menos, as extensas zonas onde para além da falta da autoridade central faltam também serviços básicos essenciais, como electricidade e água; uma sociedade tribal e religiosamente conservadora a lutar contra índices de desemprego na ordem dos 40% e a duplicar de população até 2035; uma guerra a norte, contra os Houthis, etnia chiita apoiada pelo Irão, e um movimento independentista a sul que, no seu conjunto, ameaçam a coesão e integridade do país; a existência de muito armamento sem controlo e muitos guerrilheiros experientes das guerras do Iraque e Afeganistão; várias figuras proeminentes da al Qaeda, algumas com estreitas ligações passadas a Bin Laden, a viverem no país e conservando as simpatias pela organização (um ex-conselheiro espiritual e um ex-secretário pessoal); um clima abertamente hostil aos EUA; e, finalmente, um presidente que aparenta estar mais preocupado com a sobrevivência do seu clã familiar, incluindo a garantia que o seu filho Ahmed (o actual comandante da Guarda Republicana) lhe sucederá oportunamente.
A única contrariedade interna que a AQAP enfrenta é a vontade que o actual presidente Abdullah Saleh tem mostrado em a combater; só que, embora precisando do apoio dos EUA para esse fim, o presidente tem que gerir a obtenção de ajuda dentro de limites estreitos para não deixar passar a imagem de estar a permitir que o seu país seja usado como uma plataforma da luta norte-americana contra o terrorismo. Saleh aceita um apoio limitado ao treino e equipamento das suas próprias forças de segurança mas recusa liminarmente qualquer presença significativa americana no terreno.
Aliás, o Presidente Obama tem um problema idêntico de gestão do seu campo de manobra. Pressionado por alguns sectores radicais do Partido Republicano, com Dick Cheney à frente, e perante uma opinião pública assustada com a possibilidade de novos ataques terroristas, Obama, «acusado de não sentir que o país está em guerra contra o terror» tem que gerir a reposta a dar ao apelo a fazer algo de visível no terreno com a noção de que qualquer excesso de envolvimento militar directo tornará a situação no Iémen ainda pior. Dado o clima de rejeição da população contra os EUA, seria um favor grande feito à al Qaeda, que procura precisamente atrair os EUA a continuar o seu envolvimento militar em países muçulmanos, sabendo que, a curto prazo, o caos interno que a população criaria serviria à perfeição os desígnios da organização.
O que poderemos esperar no futuro próximo desta situação potencialmente explosiva depende essencialmente da forma como os dois presidentes gerirem as limitações da sua capacidade de intervenção contra a organização local da al Qaeda à luz da necessidade de serem eficazes mas tendo em conta a manutenção do equilíbrio a que estão politicamente obrigados nos termos atrás referidos, e das medidas de assistência económica, social e política que o Ocidente conseguir organizar a partir da conferência proposta por George Brown para 27/28 de Janeiro, em Londres, em paralelo com a discussão da estratégia a seguir no Afeganistão.
Já se tornou evidente que a ajuda que o Iémen recebeu recentemente, essencialmente financeira da parte da Arábia Saudita (dois mil milhões de dólares em 2009) e militar dos EUA (na área do treino das forças de segurança, apoio de intelligence e material - 70 milhões de dólares em 2009, 150 previstos para 2010) não chegou para encaminhar o país para a estabilidade que lhe tem faltado, uma vulnerabilidade que a al Qaeda tem sabido aproveitar em favor da consolidação da sua instalação no terreno.
Não obstante o panorama muito difícil da situação interna do Iémen, a AQAP tem um registo de mais reveses do que sucessos. Não conseguiu vingar na Arábia Saudita onde nasceu sob o desígnio da criação do Grande Califado do Médio Oriente mas de onde acabou por ter de se retirar devido á campanha que lhe foi movida pelo governo saudita a partir de 2004. Foi o restante desse grupo que, obrigado a refugiar-se no Iémen a partir de 2009, uniu-se ao ramo local da al Qaeda e deu então origem à actual AQAP, uma organização que se situa ao nível regional (2º nível) e que embora agora isolada da Arábia Saudita continua a visar, como fim último, a desestabilização do regime saudita. Penso que é esta possibilidade que nos deve preocupar e não o facto de o Iémen estar mais próximo de Portugal do que os outros lugares conturbados do mundo.
Muito embora a organização tenha crescido muito no último ano, sob a liderança Nasser al-Wahayshi (ex-secretário pessoal de Bin Laden) não conseguiu ainda constituir-se como uma efectiva ameaça ao nível táctico, muito menos ao nível estratégico. Falhou o atentado de 25 Dezembro no voo 253 da Northwest Airlines para Detroit assim como tinha falhado anteriormente o atentado contra o príncipe saudita Bin Nayef e não conseguiu evitar os dois reveses importantes que sofreu nos passados dias 17 e 24 Dezembro, em ataques desencadeados pelas forças de segurança do Iémen e que no conjunto provocaram cerca de sessenta baixas e um número semelhante de prisioneiros.
Isso seriam notícias animadoras, não fosse o problema de que os serviços de segurança também falham - e às vezes estrondosamente - e de a AQAP, mal grado os reveses sofridos, tem mostrado capacidade de regenerar-se. Conseguiu-o, como vimos atrás, em 2009, mas já o tinha conseguido também anteriormente, a seguir ao golpe que sofreu em 2002 quando perdeu a cabeça do grupo (al-Harithi) e no ano seguinte o seu substituto foi preso. Que deve então ser feito?
Primeiro, o funcionamento dos serviços de segurança tem que ser mantido sob revisão; a reforma empreendida cinco anos atrás depositando as esperanças de uma maior eficácia na criação do National Couterterrorism Center e no Office of the Director of National Intelligence não se revelou à altura das expectativas; aparentemente, por incapacidade de gestão da imensa informação disponibilizada pelas diversas agências. Segundo, a AQAP tem que continuar a ser combatida localmente pelo Governo, com ajuda internacional mas sem o seu envolvimento externo. Terceiro, o mais importante e decisivo, é preciso evitar que o país entre numa situação de colapso, o que exige uma estratégia abrangente, incluindo as vertentes económica, social e política, para além da militar. É o que se espera que possa ser decidido em fins de Janeiro, na conferência de Londres.
Jornal Defesa