O comandante escritor
É major da GNR, onde comandou o batalhão de operações especiais. Esteve em Angola, Bósnia e Iraque. Este último deixou-lhe marcas.
O major da GNR Miguel Barreto não foi feito para estar vestido à civil. Todo ele respira acção. É comandante. Comandante de homens que ensinam a paz a países que estão a sair da guerra. Iraque, Bósnia, Angola, Timor estão no mapa das suas missões internacionais. Em Portugal, comandou o batalhão operacional, a tropa de elite da GNR. Operações especiais, tiro, ordem pública, fuzileiros fazem parte da sua vida.
Mas, agora, quis despir a farda e escrever sobre essas missões de paz, principalmente a do Iraque, que lhe deixou "marcas profundas". E o que pode não funcionar, literalmente, com os músculos treinados do seu corpo na roupa "civil" o mesmo não acontece quando escreve. Este "tirar a farda" funciona, nas palavras emocionadas de quem foi um actor directo naquela que foi a mais arriscada missão da GNR no estrangeiro, como um inédito momento de revelação.
Revelação sobre o medo, sobre as saudade da família, sobre a gestão dos sentimentos dos homens que se comanda, sobre o suor que corre quando se tem uma Kala-shnikov inimiga tão perto de nós que se sente o cheiro, sobre encarar a morte de frente, sobre regressar vivo para os braços dos filhos.
Guerra É Guerra é um livro que honra o soldado desconhecido, desvenda uma GNR tão pouco conhecida e mostra que os 128 homens que estavam debaixo daquelas fardas que embarcaram, em 2003, para o Iraque, são mesmo heróis de coragem. "O melhor que há na GNR e no nosso país", como salienta o major.
Miguel Barreto, 41 anos, foi o 2.º comandante do 1.º subagrupamento Alfa e entendeu que, passados sete anos, era o momento de expurgar as suas memórias desses 120 dias. "Porque ainda hoje há ruídos, cheiros, vozes que, num segundo, são capazes de me transportar de novo para as áreas de Nassíria", confessa este oficial.
Quando o Governo de Durão Barroso decidiu que a GNR iria ajudar a levar a paz ao Iraque, enquadrada numa força da ONU, poucos acreditaram que estes militares - que o País, em geral, apenas conhecia como os "barrigudos de bigode" - estavam preparados para o desafio.
O que conta agora o major Barreto vai certamente responder aos mais cépticos. Pela primeira vez, sabemos que os militares da GNR perseguiram e enfrentaram "inimigos" com firmeza e violência. Ajudaram a população com generosidade e solidariedade.
No Iraque, os militares da GNR nunca tiraram a farda. "Até ironizávamos que era sempre segunda- -feira. Foram quatro meses, 24 horas por dia, sempre de serviço. Mesmo se morresse algum familiar ninguém podia sair dali. Houve um militar meu que ouviu o primeiro choro do filho através de um telefone satélite. Só o viu um mês depois. A tensão era enorme e tínhamos de funcionar como um único corpo, sem falhas", conta o major. Um comandante é uma espécie de corrente sanguínea que percorre este corpo, que o faz funcionar e que tem de o motivar.
Com humor, emoção, firmeza e um enorme sentido de responsabilidade, foi o que Miguel Barreto fez. "Não há heróis em lado nenhum", assegura, "senti apenas que tinha nas mãos a vida dos militares e a minha preocupação era que regressassem todos vivos." Conseguiu. Portugal foi o único país da coligação sem baixas.
"Este é um livro de missão", escreve Paulo Portas, na altura ministro da Defesa, no prefácio, "o sr. major Costa Barreto não nos traz uma narrativa épica, não escreveu uma aventura, não toma a fria posição de um historiador nem, sequer, a confortável distância da testemunha. É um livro escrito na primeira pessoa, uma história em primeira mão, a vivência humana de um oficial da Guarda".
Ainda bem que despiu a farda. As palavras deste livro ficam-lhe à medida.
DN