Argoladas de tradução na TV portuguesa

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quintanova

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Argoladas de tradução na TV portuguesa
« em: Junho 23, 2008, 01:26:33 pm »
Caros amigos,

Não sei se há, pelo menos não descobri, mas costumo assistir aos documentários que passam no Canal História e outros e sinceramente vejo com cada argolada que, para descargo de consciência, inicio este post para colocar as argoladas.

Num documentário recente acerca do Dia-D, fala-se da 502.ª Divisão de Paraquedistas. Ora, quem sabe, sabe que não existe tal divisão, mas sim um regimento de infantaria Paraquedista (502nd PIR), pertencente à 101.ª Divisão Aerotransportada (Airborne Division).
A argolada complica quando, numa mesma frase, se coloca a 502.ª e a 101.ª como divisões combatendo juntas.

No filme Gettysburg, na RTP1, que passou em 2 ou 3 partes, Corps apareceu traduzido insistentemente como Companhia. De 100/150 homens a 20,000 homens vai uma grande diferença, não?

Conforme a for vendo, aqui as porei.

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quintanova

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« Responder #1 em: Junho 23, 2008, 01:30:48 pm »
Num episódio recente de JAG, no AXN (creio), Major General aparece traduzido como Brigadeiro. Ora, o tradutor até acerta, de acordo com as Forças Armadas Portuguesas, mas engana-se por uns 10 anos, pois actualmente o posto antigo de Brigadeiro é Major-General mesmo, sendo o posto de Brigadeiro reservado apenas para comandos da OTAN/NATO.

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Duarte

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« Responder #2 em: Junho 23, 2008, 05:12:33 pm »
Há anos atrás vi 'Give me a ring" no sentido de "telefona-me" traduzido em "dá um anel.._  :lol:
слава Україна!

“Not only has the weakness of the Russian military been exposed, but there's going to be long term damage done to the Russian economy and to generations of Russians as a result of this."
-William Burns

The Only Good Fascist Is a Very Dead Fascist
 

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papatango

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« Responder #3 em: Junho 24, 2008, 01:15:16 am »
Caro quintanova, em primeiro lugar os meus parabéns, porque você criou um tópico que eu já tinha pensado criar há bastante tempo.
(desmazelo)  :mrgreen:

Entre as fontes de maiores e memoráveis disparates está o Canal História.

A última de que me lembro, foi uma sobre a guerra no deserto.
Dizia o Canal História, que Rommel afirmava que se as tropas alemãs colocassem os barris na horizontal, eles ficam invisíveis ... :mrgreen:
É muito mais fácil enganar uma pessoa, que explicar-lhe que foi enganada ...
 

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SaraTrad

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« Responder #4 em: Junho 24, 2008, 01:42:18 am »
Está visto que tenho que me meter para defender a profissão.

Bem, para começar, com o canal de História não tenho nada a haver. No entanto, se ouvirem alguma argolada no National Geographic se calhar até que fui eu.

Podíamos passar horas a rir-nos muito com os erros abismais e completamente desnecessários que acontecem em tradução. Pelo menos nós nas aulas passamos.

Como o "let's make a toast" com os copos erguidos traduzido como "vamos fazer uma torrada" ou num manual de um leitor de dvds, o famoso "tire o jogador da caixa e gire sobre o poder" ("take the player out of the box and turn on the power").

Na verdade o que acontece é que, muitas vezes, os tradutores, para além de muitos não terem formação de espécie alguma, recebem os guiões com muito pouca antecedência. Chega a acontecer receberem-nos apenas um dia antes do que têm que entregar a tradução. Se o mesmo tradutor não estiver por dentro do assunto nem tiver amigos ou familiares que estejam e o cliente não disponibilizar nenhum tipo de material de referência, depende unicamente da sua biblioteca e da internet.

Idealmente, e é isto que nos ensinam, o tradutor deve ler o texto (ou, neste caso, ver o episódio/filme) uma ou até duas vezes antes de começar o seu trabalho, ir apontando os termos que desconhece e passar algum tempo a pesquisar sobre o assunto. A verdade é que não nos dão tempo e não nos pagam bem o suficiente para isso. Logo, não é isso que acontece.

O que, pelo menos a mim, me ajudaria bastante é que os mesmos indignados que criticam (e, na maior parte das vezes, com toda a razão) as traduções, se lembrassem que nós não temos acesso a bases terminológicas de todos os assuntos que necessitamos. Se as há, eu, pelo menos, desconheço a sua localização.

Por isso força, se as houver, eu adorava souber onde estão. Eram imensas dores de cabeça que poupava, era menos especialistas que chateava para me ajudarem e todo o nível das traduções em Portugal subia que era uma coisa doida.

E tenho dito.
 

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quintanova

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« Responder #5 em: Junho 24, 2008, 11:55:08 am »
Saratrad,

Eu sou da área, mas não traduzo, mas creio fundamentalmente que as empresas devem pugnar pela qualidade e tentar encontrar tradutores especializados. A minha crítica não é feita aos tradutores, porque são, e sei por experiência, a parte fraca em tudo isto (vítimas da pressão e da pressa), mas as empresas de tradução e as televisões. Estas são instituições que devem lutar activamente pela qualidade do que produzem e emitem.

Eu vejo as séries e docs, cerro os dentes com a má tradução; tento perceber o original por baixo da locução. Infelizmente, a qualidade que percebo faz-me sempre desconfiar.

Já fui de mandar e-mails às empresas de tradução, mas lembrei-me do país onde estou e deixei de ser um dos velhos marretas.

Apesar de tudo, há sempre que lembrar do velho adágio traduttore, tradittore, são ossos do ofício.

Jorge

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quintanova

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« Responder #6 em: Junho 24, 2008, 12:01:07 pm »
Para ajudar:

NATO GLOSSARY OF ABBREVIATIONS USED IN NATO DOCUMENTS AND PUBLICATIONS (bilíngue Inglês/Francês) (2005)
http://www.nato.int/docu/stanag/aap015/2005-aap15.pdf

Bom para os termos militares modernos,e especialmente para os acrónimos mais populares.

Jorge

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quintanova

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« Responder #7 em: Junho 24, 2008, 12:09:46 pm »
Num filme passado no mar, ainda que não especificamente de tema militar, a palavra Man-of-War é traduzida por Homem de Guerra. Ora, na verdade é o termo geralmente utilizado para os grandes navios de linha à vela, armados, do século XVI ao século XIX.
Aparentemente o termo é cunhado por Henrique VIII que designava os Carrack (grande navio de guerra inglês, por oposição por exemplo ao Galeón espanhol) de Man-of-War.

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quintanova

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« Responder #8 em: Junho 24, 2008, 12:23:20 pm »
Esta eu não me lembro onde a vi, mas creio ter sido na série Band of Brothers, não sei se no DVD se no recente canal MOV.

Non-Comissioned Officers aparecia traduzido como Oficiais Milicianos. Ora, Non-comissioned Officers é na verdade e simplesmente Sargentos, na tradição anglo-saxónica (em Portugal já se chamaram Oficiais Inferiores, há muitos, muitos anos). Os oficiais a partir de 2nd Lieutenant (Alferes) recebem uma comissão, daí Comissioned Officers.

Já os Oficiais Milicianos eram os oficiais das Forças Armadas Portuguesas que saíam do extinto Serviço militar Obrigatório ou o eufemístico e mais recente Serviço Efectivo Nacional (?), pelo Curso de Oficiais Milicianos. Iam de Aspirante normalmente até Capitão.

Bem sei que um bom sargento vale o seu peso em ouro, mas sargento é sargento, e oficial é oficial...

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Wildcard_pt

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« Responder #9 em: Junho 24, 2008, 02:07:58 pm »
Acho que por vezes é mesmo falta de tempo ou pressa em fazer a tradução, pois para se fazer um bom trabalho é sempre necessário tempo.
Mas mesmo na televisão nos noticiarios são cometidos os mesmos erros, recordo-me de durante a 2ªguerra do golfo ouvir num canal confundirem um regimento com uma divisão, dei-me ao trabalho de mandar um mail a indicar o erro, mas nas semanas seguintes o erro manteve-se.

Então no canal de história nem se fala: "..a 7ª divisão avancou com os seus m1a1 na frente dos 1º e 3º regimentos..."  :oops:

Mas acredito que as coisas vão mudar. tenho de acreditar já que o curso que estou a tirar tambem tem a vertente de tradução.

SARATRAD
se precisar de dicionarios para o pc:
http://www.slovoed.com/
Perguntai ao inimigo quem somos
 

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quintanova

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« Responder #10 em: Junho 24, 2008, 04:49:47 pm »
Pode até ser, mas os canais e as empresas de tradução tem de saber a borrada constante que fazem, porque isto não é coisa de uma série ou duas. São constantes os erros e têm-me feito ver menos, canais como o História, pois sinceramente alguns erros, de grosseiros como básicos, estragam-me o documentário todo.

Certos termos mais complicados ou fora da realidade portuguesa, ok, mas coisas básicas como os postos e as unidades, isso não. Isso induz em erro os pobres desgraçados que acham que os canais de docs da cabo lhes ensinam algo.

Pelo menos pagam a profissionais, isso é um avanço, pois há uns anos era a prima que sabia inglês...

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papatango

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« Responder #11 em: Junho 24, 2008, 11:32:17 pm »
Começam também a aparecer não só os erros de tradução de inglês para português como erros de tradução graves de castelhano para português.

Recentemente o canal História falava sobre uma batalha em que participaram vários cruzeiros.

Trata-se de um castelhanismo, pois nessa lingua Cruzador diz-se Crucero.

No caso do Canal História, creio que têm espanhóis a fazer as traduções.
É um autêntico desastre.
Isto claro, para não falar no desastre que são os temas, mas isso é outra Estoria.
É muito mais fácil enganar uma pessoa, que explicar-lhe que foi enganada ...
 

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SaraTrad

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« Responder #12 em: Junho 24, 2008, 11:38:25 pm »
Citação de: "Wildcard_pt"
Mas mesmo na televisão nos noticiarios são cometidos os mesmos erros, recordo-me de durante a 2ªguerra do golfo ouvir num canal confundirem um regimento com uma divisão, dei-me ao trabalho de mandar um mail a indicar o erro, mas nas semanas seguintes o erro manteve-se.


Essa situação não percebo mas, em séries ou documentários é normal que aconteça. Os episódios que eu traduzo, pelo menos, só aparecem na televisão dois meses depois de eu os traduzir (que é sensivelmente a mesma altura em que me pagam). Depois de vez em quando recebo emails dos estúdios de dobragem (que são quem me empregam mas não são uma mepresa de tradução) a dizerem que a FOX (leia-se, National Geographic e afins) não gosta da qualidade. Mas a FOX limita-se a dizer que está mal. Em outras vertentes da tradução o cliente é esperto e decente o suficiente para fornecer uma lista de termos e como os quer ver traduzidos. Utopia.

O grande problema é que quem desconhece estas andanças militares nem desconfia que pode estar a cometer uma barbaridade. Sei que há aqui muita gente que sabe, já o demonstraram. Pergunto-me, alguma vez pensaram em partilhar o vosso conhecimento ao criarem e/ou melhorarem a Wikipédia em português? Não só é um recurso muito popular a que muitos tradutores recorrem como também é um modo fácil de encontrarmos os equivalentes em várias línguas diferentes. Tudo isto feito por especialistas da área e não por terminólogos que investigam sobre o assunto. Se calhar já o fazem mas, pela experiência que tive com este épisódio mais "naval", ainda fica muito por dizer.

Citação de: "quintanova"
Pelo menos pagam a profissionais, isso é um avanço, pois há uns anos era a prima que sabia inglês...


Se pagam a profissionais não é no meu estúdio. Limitaram-se a telefonar para uma professora da minha faculdade a perguntar se conhecia alunos que fossem bons a inglês. Os que se mostraram interessados apresentaram-se e fizeram um teste. Eles disseram que sim e assim recrutaram mais uma mão-cheia de palhaços como eu que traduzem muito por pouco. Mas pouco sempre é melhor que nada. Triste é saber que quem traduz coisas para canais como o Disney Channel recebe bastante mais e não deve ter metade do trabalho ou dores de cabeça.

Já agora, os meus pais não me puseram "Trad" no nome, mas acho piada chamarem-me SaraTrad. Nunca tive uma alcunha antes. Yay! :P
 

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Luso

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« Responder #13 em: Junho 24, 2008, 11:40:15 pm »
Muito dos erros de tradução que ouço devem-se a uma enorme falta de cultura geral do tradutor E da voz off. O erro passou pelo crivo crítico de dois cérebros e isso é grave. Ou é isso ou é um trabalho feito sem brio, para ignorantes, para porcos.
Ai de ti Lusitânia, que dominarás em todas as nações...
 

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quintanova

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« Responder #14 em: Junho 25, 2008, 08:10:06 pm »
Citação de: "SaraTrad"
Se pagam a profissionais não é no meu estúdio. Limitaram-se a telefonar para uma professora da minha faculdade a perguntar se conhecia alunos que fossem bons a inglês.


Está tudo explicado então; estamos a falar de portuguese style management. Também o que é se pode esperar de um empresariado com habilitação média de 4.ª classe? Isso também explica porque certo pessoal é eleito e mantem-se com excelentes sondagens.

O consumidor, como sempre, é o mexilhão da história. A DECO e o Deco jogam bem, mas não nos trazem a taça...