Automóveis elétricos: a frustração em cursoEstamos num enorme impasse de conceito quanto às viaturas elétricas. A indústria automóvel anda a iludir os consumidores. Faltam baterias a nível mundial e, como tal, distribuem as que conseguem pelo maior número de carros, fazendo com que tenham pouca autonomia e gerando um paradoxo: a mobilidade elétrica deveria substituir os combustíveis fósseis, sobretudo nas médias e longas distâncias, mas está a acontecer o contrário: os elétricos estão a concentrar-se nas cidades.
Exemplo deste problema: a maioria dos carros elétricos vendidos têm 60 kilowatts (kW), ou menos, de capacidade de bateria e estes não conseguem fazer um trajeto Lisboa-Porto sem carregar pelo menos uma vez na autoestrada, mesmo se conduzidos à velocidade normal de 120 quilómetros/hora. Daqui decorre a grande falácia do marketing: "um carro elétrico para ir para o trabalho". Um absurdo, quando o que precisamos é que as pessoas dos centros das cidades usem cada vez mais o transporte público ou outras formas de mobilidade suave. Eis como uma decisão "verde" é afinal altamente carbónica.
Um exemplo: a Fiat acaba de lançar o pequeno modelo 500 com 24kW de bateria, anunciando uma autonomia de 190km. Ora, o condutor vai ligar o ar condicionado, vai acelerar repentinamente - e o carro andará no máximo 150km em modo elétrico na cidade. Se usar vias rápidas, a autonomia será ainda pior. Se o Fiat 500 fosse muito barato, ainda se compreendia. Não é. Arranca nos 28 mil euros para 24kW de bateria e sobe para os 32 mil com baterias de 42kW. Caríssimo. Porque, quanto mais bateria (kW), mais autonomia.
Além disso, um estudo da consultora norte-americana Kearney, ontem citado pelo Eco, trazia contas mais rigorosas sobre qual a diferença na pegada ambiental (em toneladas de CO2), desde a fábrica à sucata. Veículos elétricos, 39 toneladas CO2, híbridos 47 e combustão 55. Ou seja, apenas 16 toneladas de diferença entre um elétrico e um carro a gasolina. Algo dececionante para já, mas a caminho de mudar - vai haver cada vez mais eletricidade verde e as baterias serão muito mais eficientes e menos dependentes do lítio. Há poucos dias a Toyota anunciou conseguir colocar no mercado, entre 2025 e 2027, um novo tipo de baterias, capazes de percorrer 1200 quilómetros e carregar em 10 minutos, algo que continua a ser uma dor de cabeça para quem tem carros elétricos.
É que o pesadelo das viagens longas persiste. Apesar de a Brisa ter instalado a Via Verde Electric nas Áreas de Serviço das autoestradas, em parceria com a EDP, a verdade é que ainda só instalou um carregador superrápido e outro semirrápido em cada Área de Serviço. Consequência? Uma viagem de automóvel elétrico já é lenta (para a bateria não desaparecer galopantemente). Ainda por cima, há que contar com meia-hora de espera se se chega a um ponto de carregamento e está ocupado. Mais o tempo de carregamento.
Apesar de tudo, a Via Verde Electric EDP (com a BP e Repsol) é incomparável face à Galp, onde os pontos de carregamento são dos piores do mercado - pouca potência e lentos. Pelo contrário, os postos da Cepsa nas autoestradas contam com os melhores carregamentos, os Ionity, que carregam até 220kW por hora. Daria para carregar até aos 80% de bateria em 10 a 15 minutos, não se desse o caso a maioria dos veículos limitar o carregamento a 100kW/h (incluindo a surpreendentemente atrasada Volkswagen). A Ionity tem só uma desvantagem: o extraordinário custo - quase tão caro como abastecer gasolina.
Curiosamente, fora das autoestradas, quem tem carro elétrico pode contar com um parceiro improvável: o Lidl e os seus postos de 50kW. Por exemplo, em Bragança ou Valença, é o local fiável para carregar. E ainda uma nota comum a todos os postos: no final de cada abastecimento, o cliente nunca sabe quanto pagou - só quando chega o extrato do final do mês.
O problema mais grave é, no entanto, o do carregamento citadino. A empresa monopolista que gere o fornecimento de energia em Portugal, a E-Redes, encontrou um filão: valores astronómicos para levar mais potência aos edifícios que pretendem ter carregamentos nas garagens. O governo tenta solucionar isto estourando, literalmente, dinheiro do PRR para apoiar os condomínios com novas ligações elétricas e carregadores quase sem custo. Uma aparente boa ideia que, na prática, dá à E-Redes e seus parceiros milhões de euros para instalar carregadores nos prédios, via candidaturas a fundos. Mas é como despejar água na areia, sobretudo se tivermos em conta que ninguém está a controlar a falta de resposta e a veracidade dos pressupostos desta empresa monopolista.
Ao disseminarmos carregadores em circuito urbano, temos simultaneamente de evitar que o carro elétrico não se transforme no novo entupidor de trânsito das cidades, o local onde os transportes continuam ainda com pouca ocupação e eternamente deficitários. Até porque, em contraponto, continua por fazer o investimento na rede nacional de estradas e autoestradas que sirva também quem vive fora dos grandes centros ou as usa para trabalho. É mesmo importante mudar a incerteza que significa ir do ponto A ao ponto B em Portugal num carro elétrico.
https://www.dn.pt/opiniao/automoveis-eletricos-a-frustracao-em-curso-16661490.htmlMuito bem visto!
Efectivamente o carro eléctrico não é o "carro do povo" e talvez ainda não consiga ser o carro principal de uma família, por causa da autonomia.
Conheço várias histórias de donos de carros eléctricos que circulam no interior do país, em que simplesmente ou trocaram de carro para conseguirem chegar a casa no mesmo dia ou andam à procura de carregador no meio de nenhures!!!!