Blogs festejam míssil que a indústria nacional pesquisa há quase 30 anos…Os blogs de assuntos militares de memória curta (ou sem memória técnica alguma) mas inabalável vocação para o ufanismo estão felicíssimos.
Semana passada eles comemoraram as informações de uma empresa de assessoria de imprensa (CDN Comunicação) que revelou: “dois bem sucedidos lançamentos, realizados em 05 de maio e 01 de julho de 2015, no Centro de Avaliações do Exército – CAEX em Guaratiba/RJ, deram continuidade à preparação para o processo de avaliação do lote-piloto do Sistema de Armas Míssil Superfície-Superfície Anticarro MSS 1.2AC entregue em 2013 e 2014 ao Exército Brasileiro pela Mectron, empresa controlada pela Odebrecht Defesa e Tecnologia”.
De acordo com o texto “alvissareiro”, as “equipes técnicas do CTEx – Centro Tecnológico do Exército e da Mectron realizaram os levantamentos” para avaliar os “novos giroscópios desenvolvidos e fabricados em 2015 para atualização dos mísseis”.
Os lançamentos do MSS 1.2AC foram feitos remotamente – sem a presença do atirador – contra “alvos fixos posicionados a uma distância de 1.500 metros”. A ausência do atirador foi justificada pelo fato de que “um dos aspectos técnicos que estava em avaliação era a rigidez mecânica do sistema e a confiabilidade dos novos giroscópios”.
O que o texto da CDN não lembra, é que o conceito original dessa arma data de mais de 30 anos atrás. E que há quase três décadas ele vem sendo pesquisado, avaliado, revisto, pesquisado de novo, redefinido, reavaliado, modernizado e avaliado em uma sequência de etapas que parece não ter fim…
Trajetória – O texto da assessoria de imprensa esclarece apenas que o míssil é guiado a laser, e que sua “guiagem do tipo ‘beam-rider’ é altamente imune a contramedidas e seu sistema de propulsão, que não deixa rastro de fumaça, proporciona segurança ao atirador evitando que sua posição de tiro seja identificada”. Uma beleza.
O projeto MSS 1.2AC chegou ao Brasil em 1986, procedente da Itália, depois que o Exército decidiu descontinuar a longa bateria de testes que vinha realizando com um modelo alemão menor, mais leve e menos potente, chamado Cobra.
Denominado “Cobra AC”, o Cobra brasileiro deveria ser produzido em série pela IMBEL, mas nunca alcançou mobiliar as unidades da força terrestre.
Nessa metade final da década de 1980 os generais haviam se deixado seduzir pelas qualidades atribuídas por relatórios do grupo empresarial Engesa ao chamado Missile Anticarro della Fanteria (MAF) – que os dirigentes da indústria, em um gesto de bajulação inédito, iriam rebatizar de LEO, como forma de sensibilizar o então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves (recentemente falecido).
O desenvolvimento do MAF seria feito no Brasil pela empresa Engemíssil – subsidiária da Engesa – em parceria com a reputada companhia italiana OTO-Melara.
Mas tudo evoluiu muito rapidamente, e com poucos resultados palpáveis.
A Engemíssil desapareceu. Em seu lugar surgiu a Órbita Sistemas Aeroespaciais S.A., constituída por uma sociedade da Embraer (dona de 40% do controle da empresa) com a Engesa (proprietária de mais 40%), e com um punhado de empresas menores.
Ficava, dessa maneira, formado o capital de uma empresa de 250 funcionários que, instalada nas vizinhanças do Centro Técnico-Aeroespacial (CTA) de São José dos Campos, seria a responsável pela fabricação de mísseis no Brasil.
Com o passar dos anos, os encargos da Órbita se multiplicaram, na mesma medida em que os financiamentos do Exército e do BNDES rarearam.
A companhia precisou repartir seus quadros e seu tempo entre as pesquisas com foguetes de sondagem e uma segunda área – de mísseis – de importância bem mais imediata para o Exército e a Força Aérea Brasileira.
Nela se encontravam em pesquisa três tipos de vetores: o anticarro MSS-1.2 LEO, o ar-ar MAA-1 “MOL” (em homenagem ao então ministro da Aeronáutica, Moreira Lima) – que, no papel (papel aceita tudo!) possuiria uma versão terra-ar semelhante ao Chaparral americano –, e o míssil antiaéreo MAS-3.1.
Beam rider – O antigo LEO – hoje Mectron MSS 1.2AC – consiste em um míssil guiado a laser modulado de grande abertura conhecido como Beam rider.
De acordo com o conceito original, seu sistema de direção funcionaria por meio de um sensor passivo que, voltado para trás, identificaria a sua posição dentro de um “cone imaginário” gerado pelo laser desde o ponto de lançamento. Permanecendo no centro do “cone”, o míssil, de 1,38 m de comprimento, 130 mm de diâmetro e 24 kg de peso, estaria na linha de visada, e, portanto, na trajetória correta para acertar o alvo.
No projeto, o alcance do LEO seria superior a 3 Km, a capacidade de manobra de 5 G’s, e a velocidade maior que Mach 0.8 (980 km/h), produzida por um motor a propelente sólido de funcionamento em duas etapas: a primeira que ejeta o míssil do lançador; e a segunda que lhe confere aceleração até o alvo.
O MSS 1.2AC dos nossos dias possui ogiva de combate do tipo carga oca, com explosivo HMX e a capacidade de perfurar blindagens de até 800 mm.
A falência do grupo Engesa, em 1993, arrastou a Órbita para a decrepitude, processo que a paralisou completamente dois anos mais tarde.
Marinha – Em dezembro de 2012 – 17 anos depois do desaparecimento da Órbita – o Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil recebeu um lote de mísseis MSS 1.2AC para testes*, mas diante de alguns problemas técnicos e de restrições orçamentárias, a Força não manteve o interesse na arma.
Pior: dois meses atrás, ao preparar algumas respostas que seriam atribuídas ao comandante da Marinha, almirante Eduardo Leal Ferreira, durante uma entrevista de perguntas feitas por e-mail para ser divulgada na Internet, o Centro de Comunicação Social da Marinha negou, peremptoriamente, que a Força tivesse interesse no MSS 1.2AC – omitindo a experiência dos fuzileiros…
Apesar de tudo isso, neste julho de 2015, o velho LEO – “repaginado” tecnicamente pela Mectron – ainda é capaz de emocionar…
Leia a íntegra do texto publicado pelo site Defesanet, a 17 de dezembro de 2012, sobre a entrega do MSS 1.2AC no Corpo de Fuzileiros Navais:
“A Marinha do Brasil recebeu as primeiras unidades do lote piloto dos Sistemas de Armas do Míssil Superfície-Superfície Anticarro MSS 1.2 AC, de médio alcance, fornecidos pela MECTRON, empresa nacional da Organização Odebrecht. Para oficializar a entrega, foi realizada, no dia 14 de novembro, uma cerimônia na Fortaleza de São José, localizada na Ilha das Cobras (RJ), em que o Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, Almirante-de-Esquadra (FN) Marco Antonio Correa Guimarães, na presença do Diretor de Sistemas de Armas da Marinha, Vice-Almirante Walter Carrara Loureiro, e do Comandante do Material de Fuzileiros Navais, Contra-Almirante (FN) Cesar Lopes Loureiro, recebeu o Diretor-Presidente da MECTRON, Gustavo Ramos, e o Diretor da Unidade de Defesa da MECTRON, Rogério Salvador, para a assinatura do termo de entrega do 1º lote, composto de 16 munições com cabeça de guerra; um simulador de tiro; um equipamento de teste; e quatro jogos de manuais.
O MSS 1.2 AC é um sistema de armas superfície-superfície, anticarro, guiado a laser, com alcance de cerca de 3 km. O sistema de guiagem a laser permite direcionar o míssil mesmo após o seu lançamento, acompanhando a trajetória do alvo. A parte operacional compreende uma unidade de tiro e a munição. Amplamente versátil, o MSS 1.2 AC também pode ser lançado por meio de paraquedas. Para operações noturnas, a unidade de tiro possui uma câmera de visão noturna sensível à radiação infravermelha.
O Simulador de Tiro do MSS 1.2 AC consiste de um conjunto de equipamentos eletromecânicos computadorizados que possibilitam o treinamento de atiradores tanto em sala de aula como em campo. Sua principal característica é proporcionar ao atirador as mesmas condições reais de rastreamento de alvo e lançamento do míssil. Efeitos como ruído de lançamento, fumaça do primeiro estágio do motor e choque mecânico são simulados, proporcionando ao instruído a sensação de estar em reais condições operacionais.
O Diretor-Presidente da MECTRON expressou a satisfação da empresa em realizar esta entrega: “Nossa satisfação deve-se ao fato da MECTRON e a organização Odebrecht estarem entregando um produto brasileiro, desenvolvido e fabricado por uma empresa 100% brasileira, com tecnologia nacional para a Marinha do Brasil que terá completa autonomia para o seu emprego e assistência pronta e permanente”.
Em suas palavras, o Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais externou sua satisfação com a aquisição: “Os Sistemas de Armas do Míssil Superfície-Superfície 1.2 Anticarro, da MECTRON, vêm contribuir significativamente com o aumento de poder de combate dos Grupamentos Operativos de Fuzileiros Navais. O seu poder de penetração em blindagens e a capacidade dos seus simuladores proporcionam um elevado grau de adestramento com custos reduzidos. Estes sistemas elevarão a capacidade de defesa anticarro a um novo e elevado patamar. Por meio desta parceria, a Marinha do Brasil e o Corpo de Fuzileiros Navais, contribuem para valorizar a indústria de defesa nacional”.
Fonte: http://www.planobrazil.com/exclusivo-bl ... e-30-anos/