Ora aqui está um bom exemplo de que é possível chegar a consensos, principalmente se tivermos em conta a importância e sensibilidade da matéria em causa. Algo que só foi possível, seguramente, graças ao sentido de Estado dos envolvidos...
A Reforma "secreta" que merece raro consenso partidário
in Semanário Económico, 08.08.09
O último pacto de regime a ter sucesso reformou os serviços secretos. É caso único do “bom diálogo” que pede Cavaco.
Cavaco Silva pediu um "bom diálogo entre os líderes dos principais partidos". Mas a experiência de PS e PSD nesta matéria não é grande. A última vez que se entenderam acerca de uma reforma de fundo com sucesso foi há seis anos e em nome da segurança. "Um assunto de Estado", justifica o deputado do PSD José Matos Correia. Em cima da mesa estava a "lei das secretas" que começou a ser negociada em 2002, durante o Governo de Durão Barroso e foi aprovada em 2007, já com o Executivo de Sócrates.
Quando os resultados das sondagens deixam adivinhar um cenário pós -eleiçóes que exigirá, mais do que nunca, acordos no parlamento, impõe-se a pergunta: que circunstâncias especiais fizeram com que PS, PSD e CDS-PP se entendessem? "Havia um objectivo em comum que era o de melhorar os serviços" explica Vitalino Canas, o deputado socialista que redigiu a lei em conjunto com Matos Correia. Além disso, "não estavam em causa questões ideológicas ou bandeiras políticas", acrescenta o deputado social-democrata.
"Foram negociações prolongadas, que implicaram várias consultas e algum debate", recorda Vitalino Canas. Mas, numa altura em que os serviços secretos eram notícia nos meios de comunicação por denúncias de falta de coordenação,os partidos decidiram actuar em conjunto. Com a nova lei, os dois serviços de informação do país - Serviço de Informações de Segurança (SIS) e Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) - passaram a partilhar as estruturas administrativas e intensificaram a articulação entre as equipas.
O ponto de partida de socialistas e social-democratas não era o mesmo. O PSD, no governo em coligação com o CDS-PP, defendia uma fusão entre os dois serviços, seguindo o exemplo de alguns países europeus. Já o PS queria manter a autonomia dos dois organismos. Como a posição dos social-democratas não era "irredutível", conta Matos Correia, o resultado foi uma solução de compromisso, que implicou o alargamento das funções do Secretário-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), agora com um estatuto equiparado ao de Secretário de Estado, e que passou a tutelar os dois serviços.
A Lei acabaria por ser aprovada nesta legislatura, já que, pelo meio, Jorge Sampaio dissolveu a Assembleia da República.
"Foi um dos raros casos em que o Partido Socialista aprovou o trabalho feito pelo executivo anterior", defende Nuno Magalhães. O deputado do CDS-PP admite que nem todas as propostas do partido foram incluidas na lei, mas garante que "foi preferível evitar a ruptura, para não criar instabilidade", no momento em que os ataques do 11 de Setembro nos EUA evidenciaram a ameaça do terrorismo em todo o mundo.
"A desadequação ao novo quadro de ameaças e com a existência de défices de coordenação" exigia a reforma dos serviços, defendeu o director do SIED Jorge Silva Carvalho, num discurso um ano depois de ter tomado posse. De fora ficaram o Prtido Comunista e o Bloco de Esquerda, por considerarem que o diploma "caminhava para a fusão" dos dois serviços" e mantinha o SIRP "imune" à fiscalização parlamentar. Os três partidos que a aprovaram são unânimes ao considerar que a lei merece um balanço positivo. "Fez com que os serviços saíssem da agenda mediática", diz o socialista Vitalino Canas. "Se as notícias sobre o SIS e o SIED desapareceram dos jornais significa que as coisas estão a funcionar bem. Afinal em Portugal tudo se sabe", acrescenta Matos Correia.
A avaliação dos técnicos vai no mesmo sentido, Silva Carvalho sublinhou, no mesmo discurso em Maio, que a reforma permitiu a introdução de "uma visão alargada, fundamentada numa perspectiva de utilidade instrumental" Já Júlio Pereira enalteceu, numa entrevista à Segurança e Defesa, o facto de "não haver um sistema de informações civis e um sistema de informações militares". Com a reforma passou a "haver apenas um sistema de informações", resume Júlio Pereira.
Perfil
Júlio Pereira, secretário-geral do SIRP, passou a tutelar os dois serviços numa plataforma comum
Júlio Pereira assumiu o cargo de secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) em 2005, passando a coordenar o SIS e o SIED e dependendo directamente do primeiro-ministro como "elo de ligação" entre o Governo e os serviços. Antes de dar início ao processo de reestruturação dos serviçoes de informações nacionais, Júlio Pereira passou pelo SIS e pelo SEF.
Perfil
Antero Luís, juíz do Tribunal da Relação do Porto, assumiu a direcção do SIS em 2005
Antero Luís substituiu, em 2005, Margarida Blasco na direcção dos Serviços de Informações de Segurança (SIS). O magistrado foi uma escolha de Júlio Pereira, director do SIRP, e deixou o Tribunal da Relação do Porto para assumir, pela primeira vez, um cargo fora da magistratura. À frente do SIS, enfrentou a polémica gerada por suspeitas de que o SIS estaria a vigiar os magistrados do caso Freeport, um envolvimento que foi negado logo de seguida.
Perfil
Jorge Silva Carvalho deixou gabinete de Director do SIRP para assumir o SIED
Jorge Silva Carvalho tomou posse, em 2008, como director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED). Silva Carvalho esteve vários anos ligados aos serviços de informação, entrou para o SIS em 1991, onde desempenhava a função de director do serviço de Relações Externas. Em 2005, deixou o SIS para desempenhar o cargo de chefe de gabinete de Júlio Pereira, secretário-geral do SIRP, cargo que deixou para assumir a direcção do SIED.[/quote]