Sessenta dias com comida de avião. Como Portugal detém estrangeirosO Relatório da Provedoria de Justiça sobre prevenção de tortura detalha, com extrema preocupação, a forma como os estrangeiros são detidos no aeroporto de Lisboa.
Provedoria de Justiça fala num tratamento ilegal que pode mesmo ser "desumano e degradante". Em causa estão as condições em que são detidos, no aeroporto de Lisboa, os estrangeiros que pedem asilo a Portugal ou com entrada no país recusada.
Os problemas são vários, mas começam logo na comida servida no espaço equiparado a centro de instalação temporária, onde os estrangeiros ficam detidos até um máximo de 60 dias.
Identificando os relatos como "preocupantes", o relatório sobre a atividade da Provedora enquanto Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura, lido pela
TSF, sublinha que "a alimentação consiste em embalagens individuais de refeições normalmente usadas pelas companhias aéreas".
A comida de avião, só por si, não é um problema, mas o documento recorda que "a sua repetição durante estadias que podem chegar aos 60 dias pode revelar-se insuficiente ou pouco saudável", com queixas de "dores de estômago e perdas de peso", além de falta de "diversidade alimentar".
Quase sem acesso a bens pessoaisA viverem num espaço "exíguo", "em vários momentos sobrelotado", que a Provedoria de Justiça e o próprio Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) admitem não ter condições para estadias de 60 dias (o máximo deviam ser 48 horas), o relatório destaca que as pessoas em causa apenas podem ter acesso à roupa que têm no corpo e a outra a secar no pátio, além de alguns produtos de higiene, estando proibido que possuam qualquer outro bem pessoal por perto.
Para irem até às bagagens, os detidos têm de pedir uma autorização que por vezes demora mais de um dia, algo que "impede a troca e a lavagem regular do vestuário, o que pode ter implicações na saúde pública".
Cinco segundos por dia de telefonePara ocuparem o tempo, os detidos pouco mais têm que uma televisão, com a Provedoria de Justiça a mostrar uma ainda maior preocupação com a falta de contactos com o exterior, algo fundamental para manterem a sua saúde mental em ordem.
Ao contrário de outros centros de detenção de estrangeiros pelo país, no aeroporto de Lisboa ninguém pode ter o telemóvel consigo, por alegadas razões de segurança.
Sem telemóveis, mesmo que queiram contactar as pessoas que conhecem pelas vias fornecidas pelo Estado português, tal não é possível porque, naturalmente, não conhecem os números de cor.
Os responsáveis por este espaço equiparado a centro de instalação temporária dão aos detidos a possibilidade de fazerem chamadas por outros meios, mas apenas durante "cinco minutos por telefone durante todo o período da detenção que, relembre-se, pode chegar - e chega frequentemente - aos 60 dias".
Ou seja, "nestes casos mais extremos, tal significa uma média de cinco segundos por dia. Findo este período, alegam os detidos que apenas poderão estabelecer mais comunicações se tiverem moedas ou cartão", mas "a cabine telefónica que existe apenas funciona com cartão ou com moedas, não existindo procedimentos para trocar notas por moedas".
Sem contactos com a famíliaOs detidos dizem que, com tantas restrições, ficam em causa os contactos com os advogados e família, havendo várias pessoas a contar que, esgotados há muito os cinco minutos de conversação - alguns há mais de 40 dias -, não tinham notícias da família.
Nas respostas que deu à Provedoria, o SEF garantiu que os detidos podem requerer a realização de chamadas telefónicas, algo negado pelos estrangeiros que desconheciam essa possibilidade ou diziam que os pedidos são recorrentemente negados.
Razões que levam o relatório sobre prevenção de tortura a dizer que há uma "extrema preocupação com esta situação de manifesta insuficiência de contactos com o exterior", numa "afronta" às leis de asilo e de imigração que "pode constituir um tratamento desumano e degradante" .
"Muitas das pessoas que se encontram na ala dos requerentes de asilo são pessoas que relataram fugas dos seus países de origem, com receio de perseguição ou de maus-tratos, e que deixaram a família para trás. Várias revelaram muita apreensão e ansiedade com o estado das pessoas que deixaram no seu país, não conseguindo ter notícias nem transmitir como se encontram", detalha o documento.
Uma mulher que apenas queria saber como estava o filho doente"Muitos detidos manifestam um estado emocional muito frágil, estando em sério risco a sua saúde mental", afirma a Provedoria, que relata o caso de uma mulher que rapidamente esgotou o seu crédito telefónico para transmitir à família onde se encontrava.
No entanto, foi-lhe transmitido que um dos filhos se encontrava bastante doente e pediu para regressar ao país de origem, algo que nunca se concretizou.
"A situação durava há cinquenta dias e a detida não possuía mais crédito telefónico para contactar com a família e saber do estado de saúde do filho", encontrando-se num "estado psicológico muito frágil, acordando várias vezes a gritar e passando por situações de automutilação".
O caso só foi resolvido após uma intervenção da Provedoria de Justiça, que acabaria por fazer com que esta mulher tivesse a possibilidade de comunicar com a família.
O relatório admite que vários dos problemas anteriores poderão ser minorados com a abertura do novo Centro de Acolhimento Temporário, em Almoçageme, previsto para começar a funcionar em 2019.
https://www.tsf.pt/portugal/sociedade/interior/sessenta-dias-com-comida-de-aviao-como-portugal-detem-estrangeiros-10970187.html?fbclid=IwAR0J26Z9qj_J9KDWjwKOUQmz2F-1MjUHQaEmQJdDPrApueuOrDaCh-EKvxk