Do jornal PUBLICO de 9/12/2005
" Relatório de Segurança Interna 2004
SIS teme recrutamento para células terroristas em Portugal
Ricardo Dias Felner
Redes paquistanesas e egípcias usaram mulheres portuguesas para casamentos com imigrantes islâmicos
O Serviço de Informações de Segurança (SIS) revelou existirem em Portugal "estruturas vocacionadas para o apoio logístico de indivíduos suspeitos de envolvimento em atentados ou de pertencerem a grupos terroristas".
Esta informação - que consta do último Relatório da Segurança Interna, referente a 2004, a que o PÚBLICO teve acesso - é reforçada por investigadores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que nos últimos três anos investigaram redes de paquistaneses e de egípcios destinadas a legalizar imigrantes muçulmanos através de casamentos por conveniência.
A secreta portuguesa considera que perante estas organizações "aumenta o risco de poderem vir a ser desenvolvidas outras actividades, como o recrutamento de membros para formação de células locais", em Portugal, passíveis de provocar atentados terroristas.
No capítulo denominado "Contraterrorismo", do relatório anual que faz o balanço do segurança interna, o SIS define como "moderado" o nível da "ameaça" terrorista durante o ano de 2004, mas salienta que o risco poderá aumentar em virtude de Portugal ser "frequentemente utilizado" para a "legalização fraudulenta de cidadãos de origem islâmica no espaço europeu".
No âmbito da falsificação de documentos e da imigração ilegal" - precisa o documento - "os dados disponíveis revelam uma presença efectiva de estruturas criminosas" compostas por indivíduos de países islâmicos, "designadamente marroquinos, paquistaneses e egípcios", cuja presença em Portugal "é cada vez mais significativa".
O SIS receia, nomeadamente, a prática dos chamados casamentos brancos com cônjuges portugueses, a maioria mulheres. Portugal, nesta matéria - esclarece o relatório - é usado como "país de trânsito ou de destino, bem como centro privilegiado de recrutamento".
Inspector do SEF revelou
"grandes preocupações"
Esta preocupação é corroborada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a quem cabe a investigação destes casos.
Num artigo científico publicado há dois meses por uma investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa - intitulado "Casamentos com o passaporte no espaço Schengen" - um responsável do SEF mostrava "grandes preocupações em relação ao fenómeno do terrorismo", associadas às redes muçulmanas que organizam "casamentos por conveniência".
Numa conversa ocorrida em Abril de 2004 - que a autora do artigo, Marzia Grassi, definiu como "muito livre" - o inspector chefe do Departamento de Investigação Criminal do SEF revelou que "seriam sobretudo paquistaneses em Lisboa e egípcios mais a norte do país que estruturariam redes dentro das comunidades de imigrantes que proporcionam casamentos com mulheres portuguesas".
Acrescentando terem sido iniciadas diversas investigações neste âmbito, o mesmo responsável do SEF, de acordo com a investigadora, disse que a sua percepção era a de que "o fenómeno estaria em vertiginoso aumento desde há mais ou menos dois anos".
Outras duas entrevistas com operacionais do departamento de investigação do SEF mostram como o fenómeno levou mesmo à duplicação, em 2002, da equipa responsável pela fiscalização dos casamentos por conveniência com estrangeiros.
Este reforço terá decorrido do aumento de pedidos de autorização de residência suspeitos, bem como da captura em Portugal, nesse ano, do cidadão indiano Abu Salem, acusado da morte de cerca de 300 pessoas num atentado em Bombaim e de ligações ao terrorismo islâmico.
No mesmo estudo, é ainda confirmada a existência de uma rede organizada de casamentos falsos entre portugueses e cidadãos árabes em Londres. Algumas mulheres imigrantes, nomeadamente cabo-verdianas com autorizações de residência emitidas em Portugal, têm também sido pagas para consumar casamentos com estrangeiros de países terceiros em Inglaterra.
Detenção de Abu Salem fez soar o alarme
Quando as polícias portuguesas, avisadas pelas autoridades norte-americanas e pelos serviços secretos indianos, perceberam o que tinham em mãos, sentiram pela primeira vez que Portugal não era um rectângulo tranquilo, imune ao fanatismo religioso. Pouco depois do 11 de Setembro, o SIS, a PJ e o SEF tremiam com a perspectiva de Abu Salem ser a prova de que o país, afinal, estava no mapa do terrorismo e das redes criminosas islâmicas; e consideravam de forma séria, pela primeira vez, que sobretudo Lisboa funcionasse como uma importante placa giratória para as redes que se dedicam à legalização clandestina de imigrantes na União Europeia, através de casamentos falsos com nacionais de estados do Espaço Schengen.
A comunicação social e a opinião pública, no entanto, nunca terão tido bem noção da importância de Abu Salem. Este perigoso gangster de Bombaim era um dos homens mais procurados na Índia, alegado líder de um dos mais mortíferos grupos criminosos a actuar naquele país - um assassino frio e impiedoso, descrito como muçulmano conservador e autor confesso do atentado que vitimou cerca de 300 pessoas em 1993, para de suspeito do homicídio de um famoso produtor cinematográfico de Bollywood e de uma actriz.
O facto de Salem, já depois de sujeito a uma cirurgia plástica, e de a sua namorada, a actriz Monica Bedi, terem escolhido Portugal para se esconderem da justiça indiana e da secreta norte-americana, e do mandato de captura internacional que sobre ele pendia, não foi completamente esclarecido, mas é legítimo pensar-se que o cidadão indiano contaria com boas condições logísticas em Lisboa, e, mais do que tudo, poderia adquirir facilmente a naturalização portuguesa e assim evitar a extradição. Neste sentido, um ano antes de serem detidos, Salem e a sua namorada chegaram mesmo a conseguir casar-se com uma mulher e um homem portugueses, planeando futuramente obter a cidadania nacional. Caso isso tivesse acontecido, a sua extradição, à luz da lei, para a Índia, teria sido muito difícil.
Posteriormente à detenção de Abu Salem, em Março de 2003, um argelino suspeito de ligações a organizações terroristas islâmicas foi detido numa pensão de Lisboa, numa mega-operação policial, adensando os receios. Um tunisino pertencente à Al-Qaeda, na mesma altura, foi também detido na Alemanha, com um passaporte falso português. "