"A natureza tem horror do vazio", (la nature a horreur du vide) traduzi literalmente uma expressão de Dominique de Villepin, ex-primeiro-ministro francês que ele utilizou para comentar a saída da França da RCA e a "entrada" da Rússia, via a Wagner.
A historia da Wagner na RCA é um dos episódios que ilustra e explica a perda de influência da França em Africa.
A 30 de março de 2016, logo a seguir à cerimonia de investidura do novo presidente centro-africano, (Faustin Touadéra), o ministro francês dos negócios estrangeiros, Jean-Yves Le Drian, que estava presente, anuncia na conferencia de imprensa que a França, no final desse mesmo anos, poria um termo à operação "SANGARIS".
O presidente centro-africano, siderado, pois estava consciente que sem o apoio francês ele não conseguiria controlar os diversos grupos armados que, a soldo de diferentes interesses, controlavam uma parte deste país riquíssimo em minerais, deslocou-se a Paris no mês seguinte, em Abril de 2016, para pedir ao presidente Hollande que mantenha a operação SANGARIS. François Hollande aceita e compromete-se publicamente em manter a presença da forças francesas na RCA.
Coisa estranha : algumas semanas depois, em 13 de maio de 2016, o presidente francês no decurso de uma visita relâmpago ao contingente francês presente na RCA , dá o dito por não dito e anuncia a retirada dos franceses no final do ano. O motivo invocado : a França tem demasiadas missões exteriores (Sahel, Síria, Líbia, etc).
O presidente da RCA solicita à França que ao menos, forneça armas e equipamento ao seu exército. François Hollande promete entregar 1500 armas que a França tinha apreendido ao grupo terrorista Al-Shabbab. A demora na entrega levou o presidente centro-africano a pedir uma audiência ao recém nomeado presidente Macron, em Setembro de 2017 ... onde o pedido de entrega de armas é reiterado. Note-se que estamos a falar de umas miseráveis 1500 armas usadas, AK-47 e possivelmente alguns vetustos RPG 7.
O problema da não entrega destas armas tem a ver com a sua proveniência : segundo as leis internacionais, as armas apreendidas numa zona de conflitos, têm que ser destruídas, ou seja, não podem voltar a ser utilizadas.
Finalmente, é a Rússia que decide ajudar a RCA e oferece a este país 3000 armas novas . Problema : Paris emite um veto no Conselho de Segurança da ONU ao fornecimento destas armas, invocando mais uma vez a lei internacional ; esta condiciona a entrega de armas : um exército que recebe armamento deve ser formado ao seu manuseamento antes da entrega ; é aqui que a Rússia propõe enviar instrutores russos para formar os soldados centro-africanos ; é assim que a Rússia põe pé na RCA.
No terreno, os resultados são espetaculares. Em 4 anos, a Wagner e os soldados da RCA por eles formados, assim como os soldados do Ruanda vindos em apoio, fizeram o que os 16 000 homens da MINUSCA e os 1600 da SANGARIS, não conseguiram fazer em 8 anos.
Se há uma palavra que pode definir a atuação da Wagner, essa palavra é a brutalidade... brutalidade como norma, não estamos a falar de casos isolados. Os soldados da MIINUSCA foram igualmente acusados de crimes contra os civis ; alguns casos de violação e de abusos vieram a publico e foram julgados em tribunal, sendo que as infames acusações contra alguns militares franceses não foram provadas.
Cada país africano onde a Wagner se implantou tem a sua história. Na RCA, foi assim que a Rússia ocupou o lugar que dantes era ocupado pela França.
Nota - para construir este texto baseei-me nos escritos, entre outros, de Alain Foka, conhecido jornalista africano.