Um tributo ao “Dezesseis”
Por João Paulo MoralezDesde setembro de 2020 temos visto uma série de notícias e reportagens, em texto e vídeo, sobre a chegada do primeiro exemplar do Gripen ao Brasil, o F-39E 4100.
Ainda que não se trata da entrega formal para a Força Aérea Brasileira (FAB), tendo em vista que o exemplar continuará cumprindo a campanha de ensaios em voo no Brasil, é gratificante notar como um programa tão estratégico tem sido ampla e positivamente abordado no país, inclusive na grande mídia.
E são nessas matérias, vídeos, artigos e entrevistas que percebemos como o projeto impacta como um todo na Força Aérea e quão complexo é o processo de implantação de uma nova aeronave de combate.
O Gripen, afinal, além de ser um caça extremamente moderno, vai agregar uma série de tecnologias que são inéditas para a FAB até os dias de hoje. Apenas para mencionar algumas, teremos o radar de varredura eletrônica ativa, IRST, sistemas de guerra eletrônica completos, capacidade de supercruise, armamentos avançados, capacidade de operação em pistas extremamente curtas e simuladores de missão.
Há ainda a preocupação com a preparação de pessoal, de infraestrutura, de logística e mais algumas dezenas (ou centenas) de itens a serem pensados em curto, médio e longo prazo.
Trata-se de uma tarefa muito complexa. Mas felizmente, o material humano da FAB possui a experiência e o profissionalismo para conduzir o processo com seriedade e maestria.
Sabe-se que o Gripen vai equipar, numa primeira fase, o 1º Grupo de Defesa Aérea (1º GDA), que hoje opera os Northrop F-5EM/FM. O 1º GDA é um esquadrão que já existe, porém é como se estivesse nascendo novamente durante esse processo, tendo em vista que sua sede está sendo reconstruída e o seu pessoal se preparando para um avião totalmente novo.
Além disso, o Gripen também vai equipar o 1º/16º GAv “Esquadrão Adelphi”, cuja sede será junto com o GDA em Anápolis.
E justamente neste momento de expectativas e aguardo pela chegada dos novos aviões, prevista para acontecer em 2021, é que vale relembrar uma história muito semelhante a essa, e que aconteceu há mais de 30 anos.
No final da década de 1980 a FAB se preparava para receber o primeiro de 56 (depois 55), caças Embraer AMX A-1.
Assim como tem sido com o Gripen nos dias de hoje, o AMX, também um avião de pequenas dimensões e fruto de um projeto binacional (Brasil e Itália), trazia consigo tecnologias e doutrinas que não existiam na FAB.
Dentre elas o Head-Up Display, sistema Hands On Throttle and Stick, Radar Warning Receiver, interferidor de contramedida eletrônica ativa na aeronave, Identification Friend or Foe (IFF), lançadores de chaff/flare, sistema de planejamento de missão em computador, modos de ataque por CCIP/CCRP e conceito de Line Replaceable Unit. Dessa forma o AMX e o 1º/16º GAV anteciparam em 15 anos a chegada do século 21 para a FAB, tendo em vista que essas tecnologias foram amplamente difundidas na Força com a chegada dos Super Tucano em 2004 e do F-5M em 2005.Assim como o Gripen, o AMX proporcionou enorme quantidade de transferência de tecnologia e um salto qualitativo da indústria de defesa nacional, com exemplares sendo construídos no Brasil e com componentes e estruturas sendo enviadas daqui para compor a frota italiana.Os conhecimentos, tecnologias e equipamentos adquiridos para o seu programa foram utilizados em toda a linha de jatos regionais da Embraer e em projetos mais modernos do segmento militar, como o do KC-390. Aliás, o AMX é o elo entre o passado e o presente, o divisor de águas sem o qual não seríamos uma indústria competitiva mundialmente.O Brasil e Suécia são até o momento os únicos operadores do Gripen E/F no mundo. Por mais que possa existir alguma semelhança com o Gripen C/D, o fato é que o Gripen é tão avançado que exigirá o desenvolvimento de uma nova doutrina de operação, a ser desenvolvida pelos dois países.
Com o AMX, a situação foi a mesma. Não haviam experiências anteriores. Tudo era novo em relação àquele novo caça que entrava em serviço na FAB introduzindo novas tecnologias e conceitos. O conhecimento acerca do novo caça eram folhas em branco aguardando serem escritas.
“Poucos, porém, bons, os melhores” – Brigadeiro do Ar Teomar Fonseca Quírico, Adelphi 01No final de década de 1980 a FAB optou em criar uma unidade aérea para operar com o novo caça. A sede seria na Base Aérea de Santa Cruz, mas no local não existia hangar nem infraestrutura para o AMX. Tudo foi construído. Do zero.
Juntando o que havia de melhor em relação ao material humano disponível, liberados pelo Brigadeiro do Ar Quírico, um grupo de voluntários passou a compor o quadro de oficiais e de graduados do Núcleo da primeira Unidade Aérea a operar o AMX, conhecido como NU-A1, criado em 4 de fevereiro de 1988.
Esses militares esboçaram o que seria a operação do novo caça. Manuais, doutrina de emprego e mais um imenso universo de providências tomadas para estruturar a nova unidade aérea e inserir o novo avião na FAB.
Em 7 de novembro de 1988 o NU-A1 foi extinto dando origem ao Núcleo do 1º/16º GAV. Um ano mais tarde, em 17 de outubro de 1989, chegava o primeiro A-1 brasileiro, o FAB 5500.
“Assim, o modo operante da FAB se transformou (ou, depois disso, a FAB nunca mais seria a mesma).” – Ten. Cel. Alfredo Salvatore Leta, Adelphi 28Em 7 de novembro de 1990 o 1º/16º GAV “Esquadrão Adelphi” foi criado, continuando, de maneira intensa e diária, a sua missão de implantar e desenvolver o que era a mais avançada aeronave da FAB em termos de aviônicos e sistemas. Uma missão desafiadora, que envolve muita dedicação e sacrifício dos envolvidos, além de paciência para aprender, com os erros e os acertos, de como operar com o novo avião. E de extrema responsabilidade, pois essa é a base que servirá de sustentação para todos os que seguirem voando a aeronave pelas próximas décadas.
Com o passar dos anos, o “Dezesseis” alcançou marcas extremamente importantes para a FAB. Além das tarefas que normalmente cumpre uma unidade de caça, de Santa Cruz, o Esquadrão decolou e voou até os Estados Unidos para participar do exercício internacional Red Flag, envolvendo diversos países da Europa e os EUA, onde aprendeu a importante doutrina de operação da guerra moderna, nos chamados voos de “pacote” envolvendo aeronaves de vários tipos e performances, planejada e coordenada pela figura do Mission Commander. Era a primeira vez na história que a FAB participava deste exercício.
Esse aprendizado, depois de absorvido, foi disseminado para demais pilotos e unidades da FAB, sendo aperfeiçoado através dos anos e utilizado até os dias de hoje.O 1º/16º GAV durante a Red Flag (imagem: 1º/16º GAV)
“Profissionalismo na alma e eficiência no cumprimento da missão!” – Brigadeiro do Ar Luiz Carlos Lebeis Filho, Adelphi 06
O Adelphi teve outra fundamental importância no desenvolvimento das outras duas unidades de AMX da FAB. No final dos anos 1990, o “Dezesseis” formou pilotos e mecânicos do 3º/10º GAV “Esquadrão Centauro” e do 1º/10º GAV “Esquadrão Poker”, que receberam o A-1 em 1998 e 1999 respectivamente.
Algumas das suas equipagens de pilotos, mecânicos e especialistas foram transferidos para a Base Aérea de Santa Maria para implantar o A-1 nos dois esquadrões.
Em dezembro de 2016 o “Dezesseis” foi desativado em Santa Cruz. Nessa passagem, deixou marcas que transformaram a FAB em muitos aspectos. Mas seu legado estava longe de acabar.
Parte do seu pessoal e aviões foram para as outras unidades de AMX da FAB, enquanto os demais foram movimentados para as mais variadas organizações da Força Aérea.
Os Adelphis se espalharam ainda mais pelo Brasil afora, influenciando e levando ao conhecimento mais amplo a sua história, cultura, o profissionalismo, raça e tradição. Onde quer que vá, haverá sempre um Adelphi presente.
Tive a oportunidade de conhecer muitos Adelphis, pessoas extremamente carismáticas. Alguns já estão na reserva, como o Brigadeiro Quírico. Outros continuam voando em demais unidades da FAB, alguns em posições de comando em esquadrões de caça.
Tenente Brigadeiro do Ar Bermudez, quando comandante do Adelphi no final de década de 1990 (Imagem: FAB)
A FAB hoje é muito bem liderada por um Adelphi, o Tenente Brigadeiro do Ar, Antonio Carlos Moretti Bermudez, personalidade extremamente acessível, carismática e, acima de tudo, operacional com visão de futuro.
O 1º/16º GAV será reativado. Vai voar outra aeronave, o Gripen. Em outra localidade, a de Anápolis.
Mas os seus valores e a sua histórica, essas tenho certeza que não mudarão.
Monumento do AMX A-1 na Ala 12 em Santa Cruz, inaugurado em novembro de 2020 com a presença do Comandante da Aeronáutica (Imagem: FAB)