Mariano Gago: o legado do Sr. Ciência

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Mariano Gago: o legado do Sr. Ciência
« em: Abril 18, 2015, 11:30:12 am »
Foi o primeiro político português dos últimos 40 anos a apostar verdadeiramente na Ciência e no Espaço.

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O desenvolvimento científico tem possibilidade de influenciar a visão do futuro, porque convoca necessariamente a sociedade moderna e por isso é uma força democrática.

Estas palavras resumem na perfeição o trabalho que Mariano Gago desenvolveu enquanto ministro responsável pela pasta da Ciência e Tecnologia de vários governos socialistas.

José Mariano Gago, doutor em física, investigador internacionalmente reputado na área da física de partículas, foi o principal artífice do desenvolvimento científico português dos últimos vinte e cinco anos, primeiro como presidente da Junta Nacional de Investigações Científicas, depois como ministro da Ciência e Tecnologia e, mais tarde, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

Mariano Gago chegou ao Governo pela mão de António Guterres em 1995 e assumiu a pasta do Ministério da Ciência e Tecnologia (1995-2002). Regressou dois anos depois para assumir funções governativas durante os governos de José Sócrates (2005-2011), quando tomou conta da pasta do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

O ex-ministro foi um dos responsáveis pela criação da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – mais conhecida por Ciência Viva, gestora da rede de Centros Ciência –, fechou universidades privadas e conduziu o processo Bolonha em Portugal.

Contributo espacial

Eu prefiro – talvez devido à minha paixão assumida pelo Espaço – lembrar Mariano Gago pelo contributo ao desenvolvimento de Portugal na área do Espaço.

Com ele, em 1998, a ESA, Agência Espacial Europeia, começa a receber estagiários portugueses. Ou seja, todos os anos, Portugal tem acesso a um número específico de vagas para programas de estágios. De 2000 a 2009, foram apresentadas à ESA 538 candidaturas: 128 foram aceites e 77 terminaram o estágio.

A 14 de Novembro de 2000, Portugal torna-se membro cooperante da ESA. Isto significa que passa a investir obrigatoriamente em alguns programas da ESA e pode escolher investir em outros, opcionais. Significa, também, num período inicial, um investimento da ESA em cerca de 3 milhões de euros (preços de 2008) para que Portugal possa desenvolver o «know-how» na área espacial e promover a sua fraca (se não praticamente inexistente) indústria espacial.

De 2000 a 2009, o total gasto em 2009 representou 0,0074% do Produto Interno Bruto português, 17,6 milhões de euros. Nestes 10 anos, Portugal investiu um total de 115 milhões de euros, tanto nos programas obrigatórios como nos opcionais da ESA.

E agora… a parte maravilha! A ESA funciona com o princípio de retorno geográfico. Isto significa que quando um membro investe tanto nos programas obrigatórios como nos opcionais, garante que a sua indústria ganhará contratos no total mínimo do valor que investiu.

Confusos? Eu dou um exemplo: se investir 1 euro num programa da ESA, sei que as minhas empresas receberão, no mínimo, contratos que irão perfazer o total de 1 euro.

Portugal seguiu a regra de ouro dos investidores e não colocou os ovos todos no mesmo cesto: investiu no sector espacial, em média, 74% na ESA, 21% na EUMETSAT e 5% nos programas quadro da União Europeia.

O que Mariano Gago teve a ver com isto tudo?


Foto: Tiago Petinga

Mariano Gago chegou ao Governo em 1995 e investiu bastante no desenvolvimento científico português.

A indústria espacial portuguesa tinha começado a dar uns passos bastantes tímidos com o lançamento do POSAT, o primeiro satélite português, em 1993. Mas foi com Mariano Gago e, sobretudo, a sua aposta nos programas da ESA, que a indústria espacial portuguesa floresceu. Prova disso é o gráfico abaixo que exemplifica o retorno geográfico de Portugal entre 2000 e 2009.


Estudo de Impacto da Participação de Portugal na ESA no período 2000-2009, e que pode ser consultado na íntegra.

Em 10 anos (2000-2009), a indústria (mas também a academia) portuguesa arrecadou contratos da ESA no total de 94,874 milhões de euros, ou seja, 85% do valor investido no mesmo período.

Apesar de não ter os números comigo nem os encontrar disponíveis na Internet, recordo-me de em Dezembro de 2013 ter participado numa conferência relacionada com Espaço.

Nessa ocasião, foi feita uma apresentação mencionando que o retorno geográfico nos últimos anos (sendo o último ano de referência 2011, se não estou em erro) tinha atingido 108%, graças sobretudo ao investimento inicial feito nos primeiros anos, pois a crise financeira forçara entretanto Portugal a diminuir a sua participação nos programas opcionais da ESA.

Olhando para o gráfico, reparamos que Mariano Gago foi o ministro responsável por esta área durante oito do total de 10 anos a que o gráfico se refere.

Hoje perdemos o homem que, com a sua visão, deixou um legado inestimável para Portugal, para a ciência e, em particular, para o Espaço em português. Devemos muito a Mariano Gago, o primeiro político português dos últimos 40 anos a apostar verdadeiramente na Ciência e no Espaço.

Paz à sua alma.
7. Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros.

 
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