O Sistema “AIP” dos Novos Submarinos da Armada
INTRODUÇÃOA energia, sob a forma de corrente eléctrica, produzida a bordo dos submarinos convencionais, destina-se a alimentar o motor eléctrico de propulsão e os outros utentes desta energia (conversores, auxiliares, equipamentos electrónicos, iluminação etc).
O seu armazenamento em baterias permite que o submarino navegue em imersão durante um determinado período de tempo dependente do consumo e da capacidade das baterias. Esgotada a energia armazenada, o submarino tem de carregar as baterias para o que terá de produzir energia.
Nos submarinos sem sistema “AIP” (Air Independent Propulsion) a energia é produzida por geradores accionados por motores diesel o que exige a aspiração de ar atmosférico para o seu funcionamento. Este condicionamento determina que o submarino tenha de permanecer imerso, mas muito perto da superfície de modo a poder aspirar através do mastro “snorkel” o ar indispensável ao funcionamento dos seus motores diesel. A parte emersa e esteira do “snorkel”, os gases de evacuação e o ruído irradiado na água pelo funcionamento dos motores diesel inerentes a esta situação, constituem indiscrições que podem originar a detecção de submarino, pelos seus opositores.
Para anular esta vulnerabilidade têm sido desenvolvidos esforços no sentido de dotar os submarinos convencionais de um sistema que possibilite gerar energia em imersão, sem depender do ar atmosférico (sistema AIP), aumentando assim a sua autonomia em imersão.
Dos vários sistemas desenvolvidos, apenas o motor Stirling utilizado pelos submarinos suecos e as células de combustível, recentemente em uso nos submarinos alemães, tiveram até agora aplicação prática.
As vantagens e desvantagens dos vários sistemas foram tema de discussão apaixonada e obrigatória em todos os congressos e exposições da especialidade.
As características das células de combustível impuseram este sistema como o mais adequado para aplicação nos submarinos. Destas destaca-se nomeadamente:
• Assinatura acústica e térmica favorável
- funcionamento silencioso
- inexistência de produtos de evacuação
- reduzida transferência térmica para a água
• Sem limitação de profundidade de operação
• Concepção modular
• Alto rendimento, especialmente a cargas parciais
• Poucos requisitos de manutenção
• Facilidade da sua automação e integração no sistema de controlo da plataforma.
O FUNCIONAMENTO DAS CÉLULAS DE COMBUSTÍVEL
Nas células de combustível a produção de energia é conseguida por conversão electroquímica em que o hidrogénio e o oxigénio reagem através de uma membrana, produzindo electricidade e água.
Célula de combustível. Módulo de 30-40 Kw sem envólucro.
Princípio de funcionamento da célula de combustível.
As células de combustível dos novos submarinos são do tipo PEM (Polymer Electrolyte Membrane), dispondo, como a designação indica, de um electrólito sólido que actua como uma membrana separadora de electrões e protões.
Assim, no lado anódico da membrana, o hidrogénio é decomposto nos seus electrões e protões. Os electrões constituem a energia produzida que passa para os circuitos de bordo, enquanto os protões atravessam a membrana.
No lado catódico da membrana, os electrões que regressam à célula, vindos dos circuitos de bordo, reagem com os protões que atravessaram a membrana, produzindo água, o único produto da conversão electroquímica.
De um modo mais simples pode dizer-se que a conversão electroquímica mais não é do que o inverso da electrólise pois nesta quando se aplica energia aos eléctrodos, produz-se hidrogénio no ânodo e oxigénio no cátodo.
O SISTEMA AIP NOS NOVOS SUBMARINOS
As células de combustível são associadas em módulos de modo a produzirem a potência necessária, constituindo conjuntos extraordinariamente densos. Esta característica é também favorável para aplicação em submarinos, dada a conhecida exiguidade do espaço.
Por razões de segurança os módulos são montados em invólucros cheios de azoto: a monitorização deste gás permite detectar a existência de qualquer fuga de hidrogénio.
Para além dos módulos referidos, o sistema AIP é constituído pelos reservatórios de armazenamento dos reagentes (H2 e O2), um tanque para a água produzida na reacção electroquímica, ligações ao sistema de controlo do submarino e vários auxiliares.
A capacidade dos reservatórios de armazenamento dos reagentes determina naturalmente a autonomia do sistema, estabelecida em função dos requisitos operacionais. Constituindo no entanto a parte mais volumosa do sistema, está limitada pelos constrangimentos de espaço.
O oxigénio é armazenado no estado líquido num tanque instalado no interior do submarino, de parede dupla, com isolamento a vácuo de modo a conservar o estado criogénico pelo maior período de tempo possível.
O hidrogénio é armazenado em reservatórios instalados no exterior do submarino e especialmente desenvolvidos para esta aplicação.
A segurança do armazenamento e a elevada densidade volumétrica foram conseguidas enchendo os reservatórios com uma liga metálica especial denominada hidretos metálicos. Consegue-se assim armazenar maior quantidade de hidrogénio do que o correspondente ao volume interno do reservatório; os hidretos actuam como uma esponja: reagem quimicamente diminuindo de volume à medida que o hidrogénio é armazenado, voltando às dimensões originais quando o hidrogénio for totalmente consumido.
Os requisitos de resistência ao choque bem como a segurança de todo o sistema foram, naturalmente, extensivamente testados e certificados.
Aumentando em cerca de três vezes a autonomia em imersão à velocidade de patrulha, até agora conseguida com recurso à energia armazenada nas baterias, o sistema AIP veio tornar o submarino indetectável durante semanas, reforçando de modo significativo a sua principal característica – a discrição.
Com o aumento significativo dos períodos em que o submarino permanece em imersão, sem contacto com a atmosfera, tornou-se necessário dotá-lo de um sistema de monitorização e regeneração do ar ambiente, adaptado às novas exigências: o ar ambiente tem de manter-se dentro dos padrões de respirabilidade durante semanas em vez de apenas durante uns dias.
As condições de habitabilidade tiveram naturalmente em conta esta nova realidade: uma cama para cada elemento da guarnição em vez do regime de “cama quente” dos submarinos classe “Albacora”, em que há apenas cama para dois terços da guarnição; possibilidade de tomar duche, visto que existe capacidade de produção de água doce por osmose inversa.
A utilização operacional de um submarino com AIP será necessariamente diferente, não só pela necessidade de optimizar as novas possibilidades que o sistema oferece, mas também pelos constrangimentos que as leis da física determinam relativamente ao armazenamento de um dos gases, – o oxigénio.
Efectivamente a conservação deste gás no estado líquido a temperatura criogénicas só é possível durante cerca de mês e meio. À medida que o tempo passa a temperatura vai subindo e o oxigénio vai passando ao estado gasoso, aumentando a pressão e perdendo-se através de válvulas de segurança. Isto significa que o submarino deverá abastecer para realizar determinadas operações e gastar todo o oxigénio armazenado, limitação que não existe com as instalações de produção de energia até agora utilizadas a bordo.
Através deste sistema a Marinha irá tomar contacto com uma nova forma de gerar energia, situando-se mais uma vez na vanguarda da introdução de novas tecnologias em Portugal. A industria automóvel vem dando também crescente importância às células de combustível que, provavelmente irão substituir no futuro os motores actuais. Na cidade do Porto alguns autocarros circulam já, a título experimental, com energia produzida por este processo.
Como acontece com todas as novas tecnologias, vai exigir apetrechamento específico e formação adequada, o que constitui um dos desafios a vencer para o integral aproveitamento das capacidades dos submarinos da V Esquadrilha.
L. Cardoso Caravana
CALM
Nota: Artigo saído na Revista da Armada de Novembro de 2004