Pensar e fazer diferenteA opção de gerar e manter «forças constituídas e ativadas em permanência» difere da anterior lógica de configurar respostas operacionais a partir de «elementos de força» que se encontravam dispersos por unidades independentes. Se pensarmos que até agora os elementos «manobra», «morteiros», «anticarro», «reconhecimento» e «mobilidade terrestre» se encontravam dispersos pelo Batalhão de Fuzileiros número dois (BF2), pela Companhia de Apoio de Fogos (CAF) e pela Companhia de Apoio de Transportes Táticos (CATT), funcionando e treinando segundo requisitos próprios, o treino de força resultava incipiente enquanto tal, e era apenas conduzido durante os grandes exercícios sob a égide do COMNAV. O CF assegurava que os elementos de força desenvolviam proficiências básicas, mas o emprego de uma força-tarefa que agregasse diferentes elementos estaria sempre dependente de um treino dedicado (específico para a missão). Na realidade não seria possível assegurar os elevados níveis de prontidão operacional com tal modelo de geração de forças. Aumentar a prontidão implica maior disponibilidade, maior exigência na manutenção dos padrões de prontidão, e maior estabilidade na constituição temporal das forças. Alterar a configuração das forças significa mudar a forma de gerar efeitos: há que repensar os conceitos de emprego, as modalidades de ação, o pensamento tático, e, em consequência, a forma como treinamos.
Na ótica das forças e dos efeitos, as FFZ estão especialmente vocacionadas para a projeção além horizonte a partir dos navios da esquadra, fazendo uso dos botes de assalto e de pequenos contentores para levar equipamento / armamento «pesado». Conduzem prioritariamente incursões anfíbias, limitadas no espaço e no tempo à autonomia que lhes é dada por aquilo que podem levar consigo (rações, água, munições, etc.). Pretendemos explorar modalidades de emprego próprias da especificidade operacional dos fuzileiros – onde naturalmente se incluem as operações em rios e águas interiores e a dispersão / concentração de força –, procurando gerar efeitos de grande letalidade mas reduzir a pegada (footprint) em terra. Afastamo-nos por isso de lógicas de ocupação do terreno, para nos concentrarmos em algo que é específico e credível para forças anfíbias no contexto das limitações que temos.
Já na perspetiva da organização, centralizar serviços e concentrar infraestruturas (como paióis, escotarias, etc.) significa retirar responsabilidades aos comandantes e transferi-las para a estrutura de funcionamento. Ao nível das unidades e das forças deixa de fazer sentido a figura de «quartel-mestre», mas houve que criar e implementar todo um novo conjunto de normas e de procedimentos para permitir atribuir e controlar o armamento e o equipamento. Deixando de dispor de material a cargo e de escotarias e paióis para guardar, puderam ser desativados os grupos de serviço nos Batalhões e criado um grupo de serviço único em cada um dos polos, Alfeite e Vale de Zebro (EF)[5]. Tal significa, por exemplo, adaptar procedimentos para monitorizar espaços de lazer e alojamentos fora das horas normais de serviço, a fim de garantir a disciplina e o respeito pelos horários de serviço/descanso.
A centralização de serviços possibilita ainda gerar mais-valias funcionais importantes que se podem traduzir em ganhos não só de eficiência mas também de eficácia. A centralização das secretarias e a implementação de um «Gabinete de Apoio ao Utente» permite aumentar o controlo e uniformizar procedimentos, mas reflete uma lógica totalmente nova de tratar os assuntos relativos ao pessoal que requer grande capacidade de adaptação dos comandantes. A centralização das oficinas auto e do planeamento das atividades de manutenção reflete-se num, mais que desejável, «achatamento» da organização e permite-nos ambicionar por melhorias significativas ao nível da manutenção programada, mas porque reduz os níveis de decisão e retira autonomia a alguns atores no processo, gera desconforto e resistências.
No plano dos RH existe hoje uma muito maior racionalidade no emprego dos militares que fazem parte do universo do CF, quer pela divisão de tarefas entre os BF1, BF2 e DAE, a que já se aludiu, quer por se assegurar um maior aproveitamento das perícias e competências individuais e coletivas, o que traz implicações na gestão das pessoas.
Dispondo as FFZ de quatro pelotões que de base são todos gerados e edificados como «pelotões de manobra», dois desses pelotões desenvolvem posteriormente, através de treino dedicado, valências suplementares em anticarro, morteiros e reconhecimento. Estando os FZV, militares fuzileiros habilitados a conduzir viaturas táticas, integrados nos pelotões, eles podem desempenhar funções em qualquer equipa, incluindo, por exemplo, as equipas de morteiros. Atenta a diversidade de sistemas e de configurações operacionais a adotar, e pensando que as Secções desses novos pelotões funcionam com menos uma praça, em que o sargento comandante de Secção se assume como responsável pela primeira equipa, o destacamento de um qualquer elemento torna virtualmente inoperante uma dessas formações, e, no extremo, pode mesmo redundar na perda de uma valência da própria força. Por isso, se o impacte do destacamento de um FZV no encargo operacional do CF era difícil de quantificar quando estas praças se encontravam colocadas na CATT, onde o seu emprego primário era o de condutor, hoje, dando o melhor uso ao conjunto alargado de competências de que dispõem, são sobretudo empenhados como fuzileiros, pelo que qualquer falha é facilmente refletida nos efeitos que são, ou não, gerados pela força a que pertencem.
A racionalização dos RH não se traduz assim e apenas na redução de efetivos: tem igual significado num aproveitamento mais polivalente das pessoas, que se reflete no facto de grande parte dos militares passar a ter um encargo operacional: ou direto, porque se encontra atribuído ao dispositivo de forças, ou em CE, para permitir gerar estruturas de estado-maior e de apoio não permanentes (como o Elemento de Apoio de Serviços em Combate (EASC), responsável por parte significativa das funções logísticas em teatro). A consequência é uma muito maior dependência da estabilidade dos quadros de lotação, o que seria de esperar quando se passa de perto de 2.000 efetivos para uma proposta que não chega aos 1.300. Trata-se, além disso, de um enorme esforço que exige muito das pessoas, não só na perspetiva da alteração das suas rotinas, mas principalmente na forma de pensar a organização e o seu funcionamento. Mais do que assumir funções cuja designação se afasta daquelas que tradicionalmente faziam parte da gíria do CF, e com que sempre se habituaram a viver, a maior dificuldade está no compreender e adaptar-se a formas diferentes de pensar e de agir.
Estando conscientes do enorme desafio que esta reestruturação representa, sabemos que somos capazes de a concretizar e de elevar o CF e os fuzileiros a novos patamares de excelência. Para isso temos contado com uma enorme prova de confiança do Almirante CEMA e com grande apoio do Vice-almirante Comandante Naval, sem os quais nada do que conseguimos até hoje teria sido possível. É assim importante que se reconheça que o CF não pode mudar sozinho, e que a transformação seja acompanhada pelos órgãos de gestão superior da Marinha, sem os quais qualquer alteração, por muito bem-intencionada que seja, fica votada ao insucesso.
Luís Carlos de Sousa Pereira
Contra-almirante
Comandante do Corpo de Fuzileiros