Fortalezas na selvaExpresso
Rui Cardoso
0:01 Quinta-feira, 26 de Jun de 2008
Durante os 13 anos do conflito as forças portuguesas fortificaram mais do que se supõe e até suportaram cercos. De 1961 até 1974 os combates em Angola, Moçambique e Guiné não se resumiram a emboscadas, ataques a colunas e golpes de mão no meio da selva. Esta ideia, tida como inquestionável pela maior parte das pessoas, fica aquém da realidade. A fortificação dos quartéis portugueses foi uma necessidade cada vez mais premente, à medida que os movimentos de libertação se tornavam mais activos e recebiam armamento mais sofisticado.
Vencida a insurreição de Fevereiro de 1961, no norte de Angola, as forças portuguesas ocuparam pontos estratégicos que haviam servido de base aos inssurectos, como foi o caso de Nambuangongo. Conforme explicou o coronel Carlos Matos Gomes, orador na sessão de dia 25 de Junho do Curso Livre de História Militar (promovido pelo Centro de História da Universidade de Lisboa), estas primeiras posições defensivas destinavam-se a afirmar o domínio sobre os territórios reconquistados. A ameaça a enfrentar eram ataques em massa de combatentes mal treinados e equipados com armas ligeiras. Por estas duas razões tinham algo de castelos medievais, com torres altas de vigilância, destinadas a detectar, ao longe, a aproximação do inimigo e dar cobertura aos vigias.
Contudo, a guerra, não só se estendeu à Guiné e a Moçambique, como, aos poucos, os movimentos guerrilheiros começaram a receber armamento cada vez mais sofisticado que, em 1973/74, equivalia ou ultrapassava o utilizado pelas forças portuguesas. Assim, à medida que os combatentes independentistas aprendiam a usar lança-foguetes, morteiros e peças de artilharia, os "castelos" sofreram a mesma evolução que as fortalezas medievais no século XVI e XVII: prescindiram das torres, perderam altura, engrossaram os muros e, sobretudo, enterraram-se.
Matos Gomes, que combateu no terreno como oficial de cavalaria e é autor de diversos livros sobre os conflitos em África, projectou diversas fotos mostrando a estrutura típica de um quartel português em finais dos anos 60: um perímetro aproximadamente circular, rodeado por arame farpado e desmatado à volta, com trincheiras e abrigos subterrâneos, espaldões e outras protecções para os morteiros e peças de artilharia.Um heliporto e, eventualmente, uma pista completavam a estrutura. Hoje a selva tomou conta da maior parte destas fortificações.
José Varandas, docente da Faculdade de Letras e um dos organizadores do curso quis saber a razão de, havendo desmatação à volta, existirem, quase sempre, árvores de grande porte dentro do perímetro defensivo. "Se fossem os americanos, teriam cortado tudo. Mas nós, com as nossas origens rurais, se calhar custava-nos deitar as árvores abaixo. Para além do que nos davam sombra e alguma protecção contra o fogo inimigo", explicou Matos Gomes.
Estas fortificações de terra, madeira e arame farpado, embora muitas vezes atacadas e, nalguns casos com sucesso, nunca foram alvo de cercos prolongados visando a sua conquista. "A guerra de guerrilha tem sempre uma componente política. E, mais que conquistar posições que não conseguiriam manter por muito tempo, os movimentos independentistas visavam sucessos psicológicos que trouxessem para o seu lado as populações, ou desmoralizassem as tropas regulares". Estas, como explicou o conferencista, tinham muitas vezes que fazer trabalhos de engenharia, saúde pública ou educação que deveriam ter cabido a uma administração civil que raramente funcionava.
Até finais de 1973 viveu-se um relativo equilíbrio estratégico. A artilharia da guerrilha, por vezes mais numerosa e de maior alcance que a dos defensores, só podia flagelar de noite, visto que de dia se exporia à intervenção dos aviões e helicópteros portugueses.Contudo, nos últimos meses da guerra, a chegada ao teatro de operações dos mísseis solo-ar Strella pôs fim à supremacia aérea das forças portuguesas, dificultando a sua intervenção no apoio às posições atacadas. Isso aconteceu na Guiné, forçando ao abandono de posições como Guileje, enquanto em Tete (Moçambique) a Frelimo conseguia derrubar alguns aviões do regime branco da Rodésia (actual Zimbabwe) que operavam nessa zona de fronteira em conjugação com as forças portuguesas.
Na Guiné, a situação chegou a inverter-se relativamente ao começo da guerra, com o exército português a destruir estradas e pontes no extremo sueste do país para dificultar a eventual progressão de veículos blindados que se sabia já fazerem parte do arsenal do PAIGC. Alguns quartéis, como Bedanda, chegaram a ser rodeados por valas e outros obstáculos anti-carro, na previsão de ataques de veículos de combate inimigos.
Se esse confronto nunca ocorreu, já os meios motorizados utilizados pelas forças portuguesas tiveram que ser adaptados à realidade de um novo tipo de combate. Os camiões Berliet foram carregados de sacos de areia e outras protecções para resistirem ao rebentamento das minas anti-carro.
Outros receberam torres blindadas, reaproveitadas dos mais diversos veículos. Matos Gomes mostrou uma foto de uma Berliet improvisadamente blindada, carregada de munições e abastecimentos e com uma tripulação de meia-dúzia de soldados, tendo à rectaguarda uma pipa de vinho. "Se calhar, as naus que iam para a Índia eram tão improvisadas como aquele camião mas não se portaram pior", concluíu Matos Gomes