Irão, a pagar os custos da sua ambição regionalAlexandre Reis RodriguesNão há praticamente nenhum ponto comum entre as manifestações que surgiram no Irão em 2009 (conhecidas pela designação de “Green Movement”) e a atual onda de manifestações que grassam por todo o país.
As primeiras, de natureza essencialmente política, começaram e mantiveram-se concentradas na capital, sobretudo como reação a umas eleições presidenciais que os reformistas consideravam fraudulentas. As que estão em curso iniciaram-se na segunda mais
importante cidade do país – Mashhad, um importante centro religioso, quer pelos locais sagrados que alberga, quer pela existência de uma fação que se opõe à visão de liderança religiosa do país – e daí foram alastrando, principalmente, mas não em exclusivo, como expressão de um descontentamento generalizado com a situação económica. Até agora, não atingiram num único local nem a dimensão nem a intensidade que tiveram as de 2009, mas espalharam-se rapidamente por todas as províncias, 80 cidades.
Enquanto as de 2009 tiveram uma natureza essencialmente urbana e ligada a elites políticas, as atuais surgem ligadas ao interior como protesto generalizado contra o falhado aproveitamento da oportunidade criada pela assinatura do acordo nuclear de
julho de 2015, que abriu os cofres do país à entrada de muitos milhares de milhões de dólares de investimento externo. Só depois das queixas contra o desemprego, inflação e aumento desmesurado do custo de alguns bens essenciais é que começou a ser pedida a mudança de regime, a ser denunciada a opressão do governo e incapacidade de combater a corrupção e a ser apontado o dedo aos poderes quase sem limites dos religiosos.
Em 2009, surgiram apelos internos a pedir a ajuda dos EUA, mas a administração Obama optou por não interferir. Presentemente, não se regista qualquer pedido de apoio externo, mas a administração Trump faz questão de se demarcar da posiçãode Obama e aproveitar a situação para pressionar o regime, prometendo solidariedade para com os que se manifestam e continuando a insistir na ideia do abandono do acordo nuclear, o que pode acontecer a 12 de janeiro, a data marcada para o Presidente se pronunciar de novo.
É mais uma decisão controversa da administração Trump. Dá ao regime iraniano um argumento para alegar que as manifestações estão a ser orquestradas do exterior. Esta interpretação é útil ao regime, quer para uso externo no âmbito das Nações Unidas, quer no plano interno para colocar as culpas da instabilidade em agentes provocadores a soldo dos EUA e assim agravar mais a já má imagem dos EUA em largos setores da população.
O único ponto comum entre as duas situações será o esperado desfecho. A atual, como aconteceu com a anterior, não dará origem a qualquer alteração relevante do regime nem ameaçará a posição do todo poderoso Líder Supremo Ali Khamenei, que está no poder desde 1989. Não se trata de nenhuma revolução nem de nenhuma movimentação política organizada. É apenas uma explosão de descontentamento que não é grande problema para um regime como o iraniano, que já está a retomar o controlo. Afeta, no entanto, mais uma vez, a sua legitimidade e credibilidade mas os que têm lido a instabilidade como sinal de uma possível queda do regime vão ficar desapontados.
Embora seja uma situação claramente grave, não é tanto, pelo menos por enquanto, como a de 2009, em que morreram 73 iranianos e foram presos cerca de 4.000 (22 mortos e cerca de 1000 prisioneiros, na atual). Tem sido enfrentada apenas com as
forças policiais normais sem recorrer aos voluntários paramilitares das forças “Basij” - criadas em 1979 por Khomenei para ficarem diretamente dependentes do Líder Supremo – que tiveram um papel-chave em 2009. Tudo poderá alterar-se se o descontentamento vier a mobilizar a classe média iraniana, mas esta hesita, presume-se por não ter claro o que poderá vir a seguir e ter bem presente os custos da mudança de regime de 1978/1979 que afastou Reza Pahlavi.
A nível externo, é uma crise de grande importância regional com diversas ramificações potenciais, embora, de momento, seja prematuro tentar caracterizá- las. A instabilidade existente e a possibilidade de mais sanções e saída do acordo nuclear terão dois impactos diretos que algumas correntes de opinião avaliam como sendo do interesse do Ocidente e, em geral, das democracias liberais. Vão aumentar a pressão sobre o regime, por um lado desencorajando potenciais investidores externos de que o Irão tanto precisa para melhorar a qualidade de vida da população. Por outro lado, obrigarão Teerão a restringir as intervenções externas em que o Irão se baseia para procura de uma liderança regional.
Porém, outras correntes de opinião, nos EUA e na Europa, defendem que fomentar o crescimento económico seria a melhor forma de ajudar os moderados liderados pelo Presidente Rouhani. De certo modo, foi a ideia que inspirou a celebração do acordo nuclear, permitindo a Rouhani prometer que o levantamento das sanções iria relançar a economia e trazer prosperidade. Trouxe várias melhorias, nomeadamente uma queda da inflação de 40% para os atuais 10%, mas não trouxe uma melhoria relevante do nível de vida. Cabe aqui perguntar se as culpas por este desfecho se devem atribuir ao Governo ou ao sistema político que governa o Irão.
Parece óbvio que a crise em curso precisa de ser analisada no contexto da confrontação latente entre os reformadores liberais liderados pelo Presidente e a linha dura dos religiosos sob a direção de Khamenei, num arranjo políticos que afasta o país da linha das democracias, muito embora, consiga, apesar de tudo, conservar algumas características democráticas. Khamenei não está a salvo de acusações sérias de uma falta de transparência que beneficia o setor da administração do Estado que controla diretamente,
e de insistência numa estratégia de afirmação regional que está a consumir recursos que seriam necessários para o relançamento da economia.
Sob estas circunstâncias, a opção de ajudar Rouhani a dar uma resposta aos descontentes com a situação económica para lhe dar vantagem política interna sobre a “linha dura”, por exemplo levantando sanções, pode muito bem não ser o melhor caminho. Como se viu acima, não há qualquer garantia de que os respetivos benefícios vão na direção certa da melhoria da qualidade de vida da população. Podem apenas continuar a alimentar as ambições regionais do Irão.
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