Viva!
Andamos todos para aqui a "mandar postas de pescada", uns como detractores do ditador, outros como incondicionais apoiantes da figura que foi A. Oliveira Salazar.
Sendo filho de um perseguido "político". Coloquei político entre aspas, porque na verdade o meu pai nunca foi um político. Explicar o que se passou, par além de moroso e fastidioso, acorda memórias antigas que prefiro ver escondidas. Mas como ia dizendo, como filho de alguém que foi perseguido e teve inclusive de abandonar o país para não ser encarcerado num qualquer “Aljube”, fui crescendo a ouvir dizer que Salazar era um ditador, um tirano, etc.
Por outro lado, estão lá em casa doze livros que segundo me lembro são exactamente iguais. 4 do meu pai, 4 da minha mãe e os últimos 4 pertenceram ao meu irmão. Já há muito que não lhe passo os olhos por cima. Mas tenho que confessar, que acompanhado pelo meu pai, os li todos (4). Fiquei com a consciência que todos eram iguais, embora os 8 mais antigos tivessem algumas diferenças, já que mediavam 20 anos entre eles. Da sua leitura sobravam três coisas: - Deus, Pátria e Família..... e Salazar. Era notório o culto do chefe, do líder da nação. Umas vezes implicitamente, outras explicitamente, estava lá bem vincado o culto (doutrinação) do chefe - Salazar.
Foram 40 anos de doutrinação, que certamente aprofundaram raízes nas mentes de milhões de portugueses. Devendo ter ainda em conta que não havia possibilidade de existência de contraditório, já que a censura ditada pela ditadura o impedia. Ao povo apenas chegava a imagem de um homem votado à nação. Um homem casto, sério e honestíssimo, a par com a sua condição de homem pobre.
Enquanto estadista, foi um ditador. Enquanto economista, teve uma fase inicial (até ao fim da II Guerra Mundial) de grande valor técnico. Equilibrou as contas públicas, modernizou o país, construindo infra-estruturas, reorganizando o estado (forças armadas, polícias, justiça, ensino, etc). Depois entrou naquilo a que chamo sovinismo e tudo parou. Há quem diga que nos anos sessenta tivemos novamente uma fase de grande crescimento económico (também hoje a China e a Índia o têm). Talvez tenha sido (não sei, reconheço que não estou devidamente informado), mas foi também nesta altura (década de 60) que 1,5 milhões de portugueses saíram do país (3% da população), procurando na emigração a salvação para a fome e a miséria. Como politico, considero que falhou redondamente ao não ser capaz de encontrar uma solução para o problema colonial.
Por tudo isto, não o acho digno de “receber” o prémio de “melhor português”.
Já falamos do político, do economista, mas afinal como era o António? Que tipo de personalidade tinha?
“Uma vida ao serviço da nação. Foi assim que António de Oliveira Salazar quis ficar conhecido para a História. Um homem sério, ex-seminarista, casto, antiquado, pouco dado a devaneios amorosos. Tudo a bem da nação. Mas a paixão bateu bem cedo à porta deste homem. Conhecido por troca-tintas, Salazar tocou no coração de várias mulheres, deixando-as, sem esperança, a suspirar de amor. Felismina de Oliveira, o seu primeiro amor. Júlia Perestrelo, a jovem a quem dava explicações. Maria Laura, o amor pecaminoso. Maria Emília, a bailarina e astróloga que o ajudava a tomar decisões consoante os astros. Maria, a Governanta de Portugal, e as suas sobrinhas, que rapidamente ganham um lugar no seu coração e ficam conhecidas como as pupilas de Salazar. Mercedes Feijó, a amante do Hotel Borges; ou Christine Garnier, a jornalista que o levou, num acto pouco usual, a abrir os cordões à bolsa para enviar garrafas do melhor vinho para França. Apesar dos rumores e mesmo de algumas notícias de jornal, António de Oliveira Salazar nunca casou. Preferiu levar uma vida de D. Juan. Um destruidor de corações que nunca conseguiu fazer nenhuma mulher feliz.”
(Felícia Cabrita)
Partindo do princípio que se trata de um trabalho sério, este texto da Felícia Cabrita dá-nos já uma imagem bem mais mundana, deste homem, por muitos endeusado. Mas falta-nos ainda muito mais informação. O tempo e o secretismo em que se envolvia, não nos permitirá, talvez nunca, saber afinal quem era este homem, já que todos os textos que li, onde aparecia citado, denotavam ser um homem retraído, tímido, dotado de uma ironia subtil que lhe era característica, a par de um humor mordaz que lhe era igualmente característico. Conhecer profundamente este homem, de forma objectiva, sem paixões, seria certamente muito mais interessante que este leva e traz de opiniões.
“Mais tarde, quando o engenheiro Cunha Leal publicava livros de Memórias em que Salazar não era poupado, mandou-lhe um exemplar com delicada dedicatória autógrafa e uma carta a pedir-lhe a intervenção para que a censura não impedisse a venda do livro. Na carta, Cunha Leal manifestava o desejo de que Salazar lesse o livro. O Presidente respondeu agradecendo a amabilidade da oferta e prometendo intervir junto da censura; quanto a ler o livro, lá isso não prometia...”
“Num dos famosos artigos que publicou nas «Novidades» entre fins de 1927 e princípios de 1928, queixava-se do seu estado de saúde:
Estou com uma constipação formidável. Sinto um enorme peso na cabeça - por dentro, está visto; choram-me os olhos e não vejo claro. É-me impossível estudar ou compreender o que leio; bronco, pesado, estou incapaz de aprofundar um problema, de apanhar a força duma razão, de perceber a nuance de uma ideia, de manter a sintaxe dentro de regrados limites; em suma, estou em óptimas condições para escrever nos jornais...”
“Noutro dos artigos da mesma série conta:
Ao arrumar uns velhos papéis, encontro uma carta de há anos em que um amigo me pede que consinta na eliminação duma frase por mim escrita em tese destinada a um Congresso qualquer. Havia quem a julgasse pouco patriótica ou pelo menos pessimista, desalentadora para tantos que queriam trabalhar com entusiasmo e com fé. Mandei que se cortassem as palavras do reparo. Diziam: «a redução das despesas públicas é um problema politicamente insolúvel». A frase desapareceu, mas a verdade... a verdade ficou.”
“Um dia, o Ferro apareceu a Salazar muito embaraçado:
- Temos um problema com a Guilhermina Suggia. Ela pede um cachet de quarenta contos pela sua participação. Que é quanto lhe pagam em Londres e não quer baixar o preço dos seus recitais...
Salazar ponderou:
- Realmente, quarenta contos por tocar durante meia hora, é puxado...
E de repente, fitando o Secretário da Informação:
- Olhe lá, o senhor sabe tocar rabeca?
Ferro, surpreendido, gaguejou:
- Não, não sei.
- Eu também não. Não há outro remédio: temos de pagar os quarenta contos à senhora.
Diga-se de passagem que os quarenta contos foram depois dados pela artista a casas de caridade. Simplesmente, não rebaixava o seu cachet.”
“A democracia é o pior dos regimes políticos ... exceptuando todos os outros.”- (Winston Churchill)
“Há regimes que são maus, outros menos maus e um que, pela sua própria natureza, procura a justiça tendo como base o respeito pela vontade do povo e que, por isso, se designa de democracia. A diferença entre este regime e todos os outros é que só este garante o exercício dos direitos humanos, o respeito pela dignidade humana e a prática da justiça e da liberdade. Mas não é um sistema perfeito porque simplesmente regimes perfeitos não existem.”
Por fim, lanço aqui outra questão: Os “apoiantes” de Salazar, aqueles que votaram nele, estariam hoje disposto a viver num país onde a ditadura e a censura fosse uma realidade?