Hellraiser: entre as últimas pessoas que ouvi dizerem que estão com saudades de Salazar estão militantes do PCP. E já não é a primeira vez: há anos atrás estava numa tasca em Loulé à conversa com uns comunistas da velha guarda, enquanto ardia a Serra do Caldeirão, com um incêndio que tinha começado em Ourique. Diziam uns deles: «No tempo do Salazar também fazia muito calor e não havia incêndios assim.»
Sem dúvida que isto é um voto de protesto mas Salazar merece a vitória. Não acho que tenha sido o melhor governante (para mim foi o Marquês de Pombal), mas é aquele a quem Portugal mais deve pela positiva. Vejamos:
1. É um caso único de um ditador (civil) que é convidado para o ser (pelos militares), e de uma transição totalmente pacífica de uma ditadura militar para uma civil.
2. Tirou o país da bancarrota financeira e colocou protegeu a economia através de entraves às importações, de maneira promover o crescimento dos sectores produtivos nacionais. Conseguiu uma coisa que ninguém tinha conseguido desde o Marquês de Pombal: balança comercial e de pagamentos favorável a Portugal (hoje em dia isto é ficção científica). Mais, e um dos maiores feitos de Salazar e de que ninguém fala: Portugal e a URSS foram as únicas economias em todo o mundo que não entraram em crise com a Grande Depressão de 1929. Enquanto por toda a Europa havia fome, Portugal prosperava.
3. Outra coisa de que ninguém fala: Salazar pôs um ponto final a quase um século de domínio indirecto da Inglaterra sobre Portugal. Houve alturas em que fomos praticamente um protectorado britânico e ainda na I República o embaixador inglês mandava mais que os ministros. A economia estava dominada pela Inglaterra. Eram o nosso credor e por via disso pagavam-se ficando com empresas estratégicas: correios, telefones, Marconi (rede de cabos submarinos), Carris. Salazar nacionalizou pacificamente essas empresas e colocou-as em mãos nacionais.
4. Fez frente às ambições espanholas de anexar Portugal; nos anos 30, a República Espanhola proclamou-se República Socialista Ibérica. Mais tarde, em 1939, quando rebentou a guerra e nós não tínhamos aliados, foram os franquistas que ameaçaram aproveitar a ocasião para invadir Portugal. Salazar mobilizou o Exército, dispôs tropas para fazerem uma invasão preventiva da Galiza e a Espanha percebeu com quem se estava a meter.
5. Quando rebentou a Guerra Civil em Espanha, parecia inevitável que Portugal fosse invadido. Não fomos.
6. Quando começou a II Guerra Mundial, também parecia inevitável que não conseguíssemos manter-nos neutrais e fossemos invadidos. A Inglaterra, a Espanha, a Alemanha e os Estados Unidos planearam invadir-nos. A África do Sul planeou invadir Moçambique, mas foi dissuadida. Macau foi cercada pelos japoneses, mas só Timor foi invadido, primeiro pela Austrália e depois pelo Japão, cujas tropas se renderam às portuguesas em 1945. Foi um milagre e a idade de ouro da nossa política externa. De caminho, Salazar também convenceu Franco a manter-se neutral; aqui quem deve a Salazar são os espanhóis. Saímos da guerra ilesos, com o Império intacto, e ricos.
7. Muito menos e mais tarde do que devia ter feito, é certo, mas foi com Salazar que se desenvolveu a nossa África, mais do que qualquer outra potência à excepção da Inglaterra e da Bélgica. E assim também se criaram condições para que centenas de milhares de portugueses emigrassem para lá e tivessem um futuro incomparávelmente melhor do que cá.
8. Houve uma política de habitação social coerente e ordenada, como em mais nenhuma altura em Portugal. Lisboa cresceu 5 vezes. E com habitação social de qualidade, que hoje é irreconhecível (por exemplo, o Bairro de Alvalade, à excepção de S. Miguel, das Avenidas de Roma, João XXI e alto da Almirante Reis, é um bairro de habitação social. Ninguém diria pois não?).
9. Havia disciplina financeira e rigor na maneira como o dinheiro do Estado era gasto. Nem os ministros tinham direito a carro de estado (hoje não há vereador nem assessor de vereador que não use carro da câmara). Em 1966, a então ponte Salazar ficou pronta seis meses antes do prazo e 10% abaixo do orçamentado. Hoje (veja-se as contas do Centro Cultural de Belém, da Expo 98, do Metro do Porto [4x acima do orçamento], da Casa da Música [6x], do Túnel do Terreiro do Paço), conseguir isto é pura ficção científica. O Escudo era uma das moedas mais fortes do mundo, a par do Dólar e mais que a Libra. A inflação era mínima, os impostos eram baixos (em 1974 correspondiam a 20% do PIB; hoje são 50%). A economia cresceu a uma média de 7-8% ao ano entre 1961 e 1973, o maior crescimento na Europa a seguir a Espanha.
10. Apesar do isolamento internacional, fomos convidados a sermos membros fundadores da OTAN, aderimos à ONU nos anos 50, e à EFTA em 1960 (numa negociação formidável em que conseguímos entrar em condições muito favoráveis; o contrário do que se fez com a CEE). Podíamos não ser populares mas Portugal era um país respeitado internacionalmente, não é como hoje em que o PR é recebido por um secretário de estado, como agora na visita oficial à Índia.
É claro que Salazar também fez muita coisa negativa, o que é bem conhecido. Mas é preciso ver também o que fez de positivo para se fazer uma análise justa. E na minha análise Portugal deve muito a Salazar. Basta dizer que se tivéssemos tido um Afonso Costa ou qualquer outro típico político da I República durante a II Guerra Mundial, este povinho tinha sofrido a bom sofrer. As pessoas não dão bem valor ao facto de Salazar nos ter salvo da Guerra, mas perguntem a um francês, um alemão, um holandês, um polaco (morreram dois terços da população) ou mesmo um grego (e a Grécia estava numa situação muito semelhante a Portugal; periférica, neutra e mesmo assim foi invadida e sofreu bastante com a ocupação alemã, que foi particularmente dura) e vão perceber a sorte que tivémos e o quanto devemos a Salazar.
Muitos não estaríam hoje vivos para dizerem mal dele.
JQT