Cicatrizes nos pulmões, risco de enfarte e até problemas cerebrais. As sequelas que a Covid-19 deixa em quem recupera Quem recuperou da Covid-19 pode ficar com fibrose pulmonar que limita o dia-a-dia. São poucos os que sobrevivem quando o coração é mais atingido. Sequelas no cérebro podem ir da paralisia ao stress.
Os pacientes recuperados da Covid-19 que estiveram internados nos cuidados intensivos com um quadro clínico mais grave podem ficar com lesões permanentes nos pulmões, incluindo fibrose pulmonar, e no cérebro. No coração, apesar de ainda não haver dados sobre sequelas a nível cardíaco, quem desenvolve complicações deste tipo e já tem problemas coronários associados tem uma grande probabilidade de não sobreviver.
As consequências da Covid-19 para o sistema respiratório são as mais documentadas. Nos casos em que a infeção provocada pelo novo coronavírus se torna grave, o nosso sistema imunológico, ao tentar combater o vírus, destrói algumas regiões dos pulmões.
Uma imagem colorizada de quatro coronavírus vistos ao microscópio
Quando o doente começa a recuperar, os pulmões são reconstruidos pelo organismo, mas surgem zonas de cicatrização que podem comprometer a futura capacidade respiratória dos pacientes. No entanto, ressalva João Cardoso, diretor do serviço de pneumologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) e professor na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, em conversa com o Observador, nem todos os doentes de Covid-19 ficarão com sequelas.
“Entre as pessoas que são internadas, a probabilidade de ficarem com lesões significativas e persistentes que perturbe o dia-a-dia é baixa“, acrescenta. Mas “nas pessoas que estiverem ventiladas, a probabilidade de ficarem com essas lesões já é maior”, sublinha.
Casos graves têm dificuldade em oxigenar o sangueO pulmão é muito parecido com uma árvore — tem troncos, ramos e folhas. Os ramos e o tronco são a árvore traqueobrônquica, por onde o ar entra e sai para chegar à periferia dos pulmões. Nas pontas estão as “folhas”, que se designam por alvéolos. É dentro dessas bolsas elásticas que o sangue recebe o oxigénio para ser distribuído pelo organismo e fornecer energia ao corpo.
A maior parte dos vírus que atingem o trato respiratório infeta sobretudo a parte traqueobrônquica. Mas o novo coronavírus é diferente porque invade o organismo através de uns recetores (as enzimas ACE2) que estão essencialmente localizados na periferia do pulmão, onde ficam os alvéolos.
Nos pacientes com Covid-19 e com quadros clínicos mais ligeiros, o vírus não danifica significativamente essa zona dos pulmões. É o que acontece na maior parte dos casos de doença pelo novo coronavírus, quando o nosso sistema imunitário tem capacidade para combater a infeção, mesmo que precise de um “empurrão da medicação”.
Mas quando esse mecanismo de defesa falha e os doentes entram num estado mais grave, a infeção chega aos alvéolos dos pulmões, que se enchem de um líquido, dificultando a oxigenação do sangue. “Nesses casos, é comum que as radiografias mostrem umas condensações, isto é, umas manchas mais claras onde o pulmão não está cheio de ar”, descreve o médico pneumologista.
Essas condensações são diferentes das que se podem ver nos exames imagiológicos feitos em doentes com outras infeções respiratórias, como a gripe: “Quando há uma pneumonia grave de gripe, essas manchas esbranquiçadas aparecem mais nas zonas centrais e superiores da árvore taqueobrônquica“, ilustra João Cardoso. Nos doentes com Covid-19, no entanto, essas manchas surgem na periferia dos pulmões, onde ficam os alvéolos.
Exame imagiológico mostra as "condensações" provocadas pelos vírus nos pulmões de um doente em França.
O fenómeno, embora mais raro, não é completamente desconhecido dos médicos. O SARS-CoV-2, o vírus que está a causar esta pandemia, está relacionado com outro coronavírus, aquele que provocou a epidemia de síndrome respiratória aguda grave, o SARS, em 2002/2003.
Essa doença “causava uma lesão pulmonar grave muito semelhante à que observamos agora nos doentes graves de Covid-19”, recorda o pneumologista. Entre todas as doenças provocadas por coronavírus, a única que provoca infeções pulmonares mais graves que o SARS e que a Covid-19 é a síndrome respiratória do Médio Oriente (MERS), cuja taxa de letalidade em 2012 foi superior a 30%.
Pulmões cicatrizam, mas até andar pode ser difícilÀ época, como agora, quando os doentes em estado mais grave recuperavam, os exames imagiológicos mostravam os sinais da agressão que os pulmões tinham sofrido. “O sistema imunológico quer combater o vírus, mas se não está a ser capaz de o fazer, causa lesões estruturais no pulmão, que são como danos colaterais da batalha do nosso organismo contra o invasor“, compara João Cardoso. Resultado: os alvéolos, as nossas “folhas”, ficam destruídas.
A forma que o organismo tem de reconstruir as regiões destruídas dos pulmões é cicatrizando-as: “Essa cicatrização forma uma fibrose, um sinal de que aconteceu uma lesão. Esta recuperação pulmonar faz-se à custa de grandes zonas de fibrose pulmonar. Nas pessoas que estiveram nos cuidados intensivos, essas zonas podem ser extensas e significativas”, avisa o médico.
A intensidade dessa lesão — e os efeitos que terá na qualidade de vida do paciente — depende da severidade com que foi atingido pela Covid-19, esclarece: “Esta fibrose é mais frequente nos doentes que têm de ser ventilados em cuidados intensivos. Nem todos os doentes terão esta lesão. E, em alguns casos, ela pode ser tão ténue que não afeta o quotidiano do paciente”.
O problema é que, de acordo com Carlos Robalo Cordeiro, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e diretor do serviço de pneumologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, a fibrose pulmonar provoca um engrossamento do tecido pulmonar que impede que as trocas gasosas se façam correctamente. Isso causa “cansaço e falta de ar, que se vão instalando de forma progressiva, e uma tosse seca irritativa”, explica ao Observador.
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https://observador.pt/especiais/cicatrizes-nos-pulmoes-risco-de-enfarte-e-ate-problemas-cerebrais-as-sequelas-que-a-covid-19-deixa-em-quem-recupera/Artigo interessante sobre as sequelas de alguns doentes que precisaram de ser internados nos cuidados intensivos!