É responsabilidade dos políticos portugueses em geral e dos governantes em especial cuidar e administrar a 'res pública' com o máximo rigor e isenção.A sua remuneração e compensações pessoais e financeiras são importantes e justas, mas não devemos esquecer que prioritáriamente eles se devem propor como servidores da nação, por isso são voluntários para os cargos, sejam eles membros de Juntas de Freguesia, de Assembleias Municipais, deputados ou governantes...certamente se propôem a tais funções porque pensam poder ser um valor positivo ( idealmente valor acrescentado) na política portuguesa, no bem-estar presente e futuro dos seus conterrâneos.Não deverão portanto ser discriminados no exercício dos cargos, mas tampouco julgo defensável que sejam excepcionalmente beneficiados, até por razões óbvias...
Sem ser tão sarcástico quanto Miguel Cadilhe hà tempos atrás, penso como ele que realmente os governos hoje tem um poder bem mais limitado, devido a globalização em geral e ao euro, e onde eles podem ser ainda mais efectivos na sua governação será internamente (propondo e controlando o Orçamento e a administração pública em geral...) .O poder sobre a recuperação económica (mesmo 'virtuosa' como agora disse Sócrates a propósito do crescimento de 1% neste início de ano) escapa-lhes em grande parte...
Transcrevo um artigo de Vasco Pulido Valente, hoje(10/6/06) no Público e que parece elucidativo da (não)administração pública eficaz que temos.
Repare-se que não defendo despedimentos na Administração Pública, desde que se aceite eventual mobilidade, até porque estarão primeiramente em causa outras despesas fixas mais custosas e inúteis, mas algo deveria já ter sido feito para que situações deste tipo fossem alteradas drásticamente.E essa é, repito, uma responsabilidade directa do Governo e sobre a qual tem poder...assim queira.
O resto que se lixe
Vasco Pulido Valente
Segunda-feira o Correio da Manhã trazia esta manchete dramática: "Jovens delinquentes custam 16 milhões." De que se tratava? Lá dentro vinha a história: o Instituto de Reinserção Social "reinseria" em 12 centros 271 criminosos, tecnicamente inimputáveis. Para espanto do jornalista e do Correio da Manhã, o instituto tinha 590 funcionários. No Centro de S. José em Viseu, por exemplo, estavam 28 funcionários para oito crianças, no de Peniche 35 funcionários para 11 crianças e por aí fora. Cada delinquente custa ao contribuinte à volta de cinco mil euros por mês (se lhe dessem metade, talvez não fosse delinquente). O Governo, na pessoa de um tal sr. Conde Rodrigues, reconhece (como não reconheceria?) que o rácio funcionários/crianças talvez seja "muito elevada". Mas já garantiu que não haverá despedimentos e prometeu estudar a situação.
Isto não é um caso extraordinário. É o retrato fiel de toda a administração portuguesa, que existe primariamente para coleccionar funcionários, mesmo, ou em especial, inúteis, para instalar os ditos funcionários, se possível com espaço e "dignidade", e para aumentar de ano em ano o orçamento e se expandir sem espécie de limite. Segundo o ethos que rege o nosso querido Estado, o Instituto de Reinserção Social merece um lugar à parte. Afinal de contas, conseguiu transformar 271 delinquentes (quase nada) num pequeno império.
Em 1984 ou 85, fresco da política, publiquei um artigo a explicar como a partir de uma ideia simpática e agressivamente aceitável (no caso, a defesa da arquitectura popular) se podia com facilidade criar um instituto ou uma direcção-geral, com uma boa centena de indivíduos, carros para as chefias, fatalmente, e até, com um bocadinho de sorte, um prédio. Muitos ministros de vários governos me escreveram a concordar, galhofando com gosto. E, nessa altura, a era de Guterres não começara ainda.
O truque básico não exige inteligência ou manha. Quem se atreve por aí a declarar que é contra a reinserção social, a defesa da arquitectura popular ou, já agora, "o plano nacional de leitura": coisas lindas, necessárias, patrióticas? Quem se atreve a exibir uma insensibilidade e um egoísmo desses? José Miguel Júdice, a propósito do "plano nacional de leitura", chorava aqui ontem, lembrando os livros que o fizeram e, se me permitem um comentário pessoal, o fizeram com muita perfeição e brilho. Mas pensou ele no dinheiro que se irá gastar e no duvidoso benefício da empresa? Com certeza que não. Falou a pura alma do homem culto, e chega. O resto que se lixe. Há um José Miguel em cada português. E também há mil "institutos de reinserção" e um país falido e falhado.