Supermercados já têm em conta hábitos dos muçulmanos
Os muçulmanos a residirem em Portugal procuram manter os seus preceitos religiosos, nomeadamente no que respeita à alimentação, sendo já possível encontrar carne «halal», termo árabe que significa «permitida, autorizada», em supermercados, restaurantes e hotéis.
Além da carne de porco, que é «taxativamente proibida» - nas palavras do xeque David Munir, imã da Mesquita Central de Lisboa - também é considerada «ilícita» para consumo humano a carne de animais que não tenham sido degolados de acordo com o ritual islâmico.
Assim, para responder às necessidades de uma comunidade com cerca de 40 mil pessoas, existem já talhos islâmicos, importadores de comida 'halal' e estabelecimentos que a vendem ao público embalada ou a incluem na preparação de refeições.
Na opinião do xeque David Munir, «a carne 'halal' tem a vantagem de poder ser consumida por muçulmanos e por não muçulmanos», uma posição também defendida por Carla Vaz, de 28 anos, proprietária do café Lago das Garças, a poucos metros da Mesquita Central de Lisboa, e pela empresária Tasneen Sidik.
Carla Vaz, que se inteirou inclusivamente das características do abate, «no qual o animal deve ser virado em direcção a Meca, ser abatido por um religioso muçulmano e ter o sangue escorrido antes do golpe final», declarou à agência Lusa ter optado pela carne «halal» dada a proximidade da Mesquita.
«Muitos muçulmanos vinham ao café para almoçar ou lanchar e eu não tinha a comida adequada», contou, acrescentando que diversificou a ementa, disponibilizando agora «até tostas 'halal'».
O rigor na preparação das refeições leva-a, inclusivamente, a não usar, na preparação de pratos «halal», os utensílios empregues nos restantes produtos.
«Se estiver a atender um cliente e cortar um rissol ao meio, não posso utilizar em seguida a mesma faca na comida 'halal'», explicou, assegurando que cumpre esta regra com o mesmo escrúpulo com que mantém esta carne «sempre dentro da embalagem de origem».
Actualmente, é possível encontrar este tipo de carne «nos talhos, minimercados, supermercados (El Corte Inglês, Suportel- Supermercados da Portela, Supermercados Sá), hipermercados (Jumbo), para além dos Cash and Carry's [grossistas]», revelou Tasneen Karim Sidik, sócia gerente da empresa Bhadella, de Loures, à Lusa.
A Bhadella, que se estabeleceu em Portugal em 1999, especializou-se em produtos «halal» após ter detectado uma procura crescente desses artigos, «não só resultante do crescimento da comunidade islâmica (guineenses, bengalis, indianos, cabo-verdianos, angolanos, etc) mas também pela promoção dos produtos étnicos efectuada pelas várias cadeias distribuidoras», explicou a responsável, de 33 anos.
A distribuição dos produtos - que incluem merendas, fiambre e salsichas - tem lugar em Portugal continental e nas ilhas, sendo a procura assinalável por parte dos hotéis, «sobretudo aqueles que costumam acolher hóspedes muçulmanos», assinalou.
No caso dos restaurantes, «a oferta ainda é muito incipiente», considerou a gerente da Bhadella, que importa os seus produtos «halal» da Espanha e da Dinamarca, embora o abate de animais segundo os preceitos muçulmanos também já seja levado a cabo em Portugal.
«Há um religioso muçulmano que está presente nesses abates», contou Mohamed Amir, proprietário do Talho Muslim, em Odivelas, segundo o qual «os animais são mortos em matadouros de Sobral de Monte Agraço (aves), Alcanena (borregos) e Montijo».
De acordo com Tasneen Sidik, os produtos «halal» não visam apenas os muçulmanos, «podendo ser consumidos pela comunidade judaica e por chineses e brasileiros, que apreciam particularmente os condimentos desta comida, também aconselhada a diabéticos e a pessoas que sofrem de alergias».
Uma alternativa que, todavia, ainda não chega a todos, como explicou Faisal Aboobakar, 38 anos, residente em Setúbal, assinalando o facto de esta cidade não ter nenhum talho muçulmano, ao contrário de «Lisboa ou Almada».
Nascido em Moçambique, este professor de Educação Física que, aos 11 anos, rumou a Portugal, sente, ainda hoje, dificuldades no que concerne à alimentação.
«Para nós, muçulmanos, o consumo de carne de porco é 'haram', ou seja, é pecado», sublinhou à Lusa, contando como se deparou com o problema quando leccionou em Alcácer do Sal.
«Sempre que ia a um restaurante, avisava que não comia carne de porco mas, mesmo assim, aconteceu servirem-me um bife com uma fatia de fiambre em cima», recordou.
Face aos seus protestos, a resposta foi: «Mas o bife é de vaca». E o fiambre? «Tire para o lado» - responderam-lhe.
«Mas eu não ia comer o bife em que o fiambre de porco tinha tocado. Aliás, sucede o mesmo com a jardineira, em que por vezes colocam chouriço, dizendo que é apenas para dar gosto», explicou.
«A verdade é que não entendem a nossa cultura», conclui.
Também nas escolas nem sempre é fácil seguir uma alimentação tão rigorosa, «embora existam alternativas para quem deseja cumprir», considera o xeque David Munir.
O imã da Mesquita Central de Lisboa, que tem uma filha com 15 anos e outra com 19, a segunda já a frequentar a universidade, diz que «basta-lhes pedir antecipadamente na cantina o prato de dieta» e a questão fica resolvida.
E se tal não for possível por indisponibilidade da ementa, «há a opção de comer em casa ou levar comida de casa», uma prática possível também no caso dos infantários.
Assegurando não conhecer qualquer caso de «desrespeito propositado» das normas alimentares muçulmanas, David Munir afirmou ainda à Lusa que os estabelecimentos públicos de ensino manifestam, actualmente, uma «grande abertura» à diversidade religiosa e cultural, algo que a própria Mesquita promove.
«Temos visitas de estudo de escolas de todo o país e há professoras que vêm visitar-nos há 20 anos. Anualmente, recebemos cerca de 15 mil alunos e, muitas vezes, almoçamos juntos», contou.
A comunidade muçulmana portuguesa concentra-se em Lisboa e nas zonas limítrofes, embora também existam grupos assinaláveis no Porto, em Coimbra e no Algarve, havendo, além da Mesquita Central de Lisboa, mesquitas no Laranjeiro, em Sacavém, em Albufeira, em Portimão, em Armação de Pêra e no Funchal, entre outros locais, bem como outros lugares de culto em vários pontos do País.
Lusa