Não há dúvida que o Kh-22 (AS-4
Kitchen segundo a nomenclatura do NATO/ASCC) é um míssil impressionante. Surgiu nos anos 60 com o propósito de destruir navios da NATO, especialmente os grandes porta-aviões americanos que eram considerados, e bem, uma das maiores ameaças para os russos. Foi por causa desta arma que a US Navy desenvolveu o famoso sistema de radar SPY-1
Aegis. As características técnicas mais relevantes e óbvias já são bem conhecidas por isso não vale a pena estar a repetir.
No entanto, entendendo os pormenores do design e emprego do míssil também compreendemos melhor o porquê das limitações. Primeiro o perfil de voo; o mais comum envolve o lançamento do Kh-22 de grande altitude, a partir daí o míssil estabiliza a cerca de 10000-14000 metros (altitude de cruzeiro) a cerca de Mach 3 a 4.6. Este é um ponto fora do comum – porquê (e como) tão rápido? O míssil tem um motor-foguete de propulsão mas com duas câmaras de combustão de tamanhos diferentes; uma que extrai os 83kN de potência máxima (extremamente elevada) e outra mais pequena de 6kN. Associado a isto o Kh-22 é construído em ligas de titânio para resistir á imensa temperatura das velocidades de Mach 3+ (nesse sentido é semelhante á estrutura do famoso SR-71
Blackbird).
Nesta foto confirma-se as duas sáidas do motor foguete, que permitem ao Kh-22 variar a velocidade durante os diferentes regimes de voo.
Como o Kh-22 chega ao alvo? Duas fases, primeiro a fase inercial, onde o míssil usa um sistema de giroscópios que calculam o movimento do míssil em termos tridimensionais. Desde que o computador do míssil saiba o ponto de partida (introduzido no lançamento) o computador e o sistema inercial vão ajustando os valores até ao alvo. Mas estes sistemas só permitem ao míssil chegar á zona-área, não tem precisão suficiente para atingir um alvo pequeno (se for para levar uma ogiva nuclear a uma cidade chega perfeitamente…) porque com o decorrer do voo os erros e pequenos desvios vão acumulando lentamente. Então, a dado momento, o computador acciona a fase terminal, neste caso um radar activo. Este radar faz uma varredura, identifica o alvo (se estiver nas redondezas) e o míssil executa um mergulho. Simples? Nem por isso.
Agora os problemas. O dado que leio muitas vezes é que o míssil atinge o alvo a Mach 4.6. Não acho que seja verdade. Primeiro, esse valor de 4.6 é alcançado á altitude de 24000 metros, onde o ar é extremamente rarefeito. Segundo, quando o Kh-22 entra na fase terminal e mergulha para o alvo, o motor “corta” – por isso não continua a acelerar, pelo contrário, vai perder velocidade, especialmente quando chegar aos 3000 metros onde a resistência do ar é enorme. È assim para o Kh-22 como para todos os mísseis; a velocidade máxima depende (muito) da altitude. Comparem a velocidade máxima de um F-16 (ou SR-71) a grande e a baixa altitude… Mas isto não retira letalidade ao Kh-22, que irá manter-se supersónico até ao impacto, mas é apenas para sermos rigorosos.
Conforme este manual russo, o Kh-22 corta o motor quando mergulha para o alvo (ponto 6).
Mas a parte mais crítica será mesmo a fase terminal em termos de aquisição do alvo. O Kh-22, na versão mais comum, é equipado com um pequeno radar activo que executa uma série de varreduras perto da zona-alvo. O radar activo é o meio mais comum e eficaz para mísseis anti-navio, porque um grande navio no mar é um excelente alvo para o radar adquirir. Mas para atingir alvos no solo é muito mais complicado. Primeiro porque o radar é pequeno e a tecnologia russa dos anos 50/60 não tinha sofisticação em resolução. Não encontrei informação específica sobre esse radar; banda, modulação, PRF, etc. (se alguém tiver mais informação, adicione num post abaixo). Os alvos no solo a ser atingidos terão de ser especialmente reflectivos ao radar e isolados geograficamente; uma ponte de grandes dimensões, uma barragem, etc.
Outro problema; quando é que o radar se torna activo e adquire o alvo? Antes do mergulho, quando o míssil ainda voo estabilizado a 10000-14000 (ou 24000) metros? Ou durante o mergulho? Ambos representam problemas específicos, seja pela distância angular ou pela velocidade do mergulho. A mesma velocidade que é excelente para fugir ás defesas complica a função do radar/computador/controlos do míssil em adquirir rapidamente o alvo e manobrar na sua direcção. Quando analisamos as particularidades do Kh-22 percebemos porque atingiu um shopping center na Ucrânia em Junho (os telhados planos em chapa devem reflectir imenso as ondas de radar) ou o recente impacto num prédio residencial (novamente, o radar escolheu, provavelmente, o maior prédio na área).
Daí que usar mísseis destes em contexto urbano será sempre um crime de guerra.
As fontes que usei foram, essencialmente, edições Jane’s e alguns documentos do US DoD (livres, não é preciso denunciarem-me á CIA/NSA…) mas se tiverem mais fontes de informação primárias sobre o assunto, excelente.
Esta foto dá uma excelente ideia do tamanho do "bicho". Quase 6 toneladas no lançamento - incluindo 3 toneladas de combustível e oxidante para o motor-foguete mais a ogiva de 1 tonelada de alto-explosivo.