Caros companheiros
Ao rever alguns posts antigos, revi a fotografia do pai do companheiro Luso em que ele e alguns dos seus camaradas seguravam uma minas anti-carro, salvo erro TM-46. Inspirado nela decidi contar-lhes a estória das minhas primeiras minas.
Primeiro quero contar-lhes uma coisa que se calhar desconheciam. As minas em Moçambique, pelo menos na minha zona operacional, a ZOT (Zona Operacional de Tete), eram pagas. As minas anti-pessoal valiam 500$00 escudos para quem as descobriam e 1.000$00 escudos para quem as destruíam e as anti-carro valiam 1.000$00 para quem as descobriam e 2.000$00 para quem as destruíam. O dinheiro era paga rapidamente e em escudos moçambicanos. Normalmente o dinheiro que me calhava era utilizado para pagar um jantar a todos os militares que íam na coluna. As refeições eram baratas. Por 20$00 almoçava-se bem.
Como a estrada (picada) que atravessava a zona de acção (quadrícula) da minha companhia, era uma estrada internacional que fazia a ligação da Rodésia do Sul (actual Zimbabwe) ao Malawi, era frequente a estrada estar minada e haverem emboscadas pois era intenção da guerrilha (Frelimo) cortar a estrada internacional. Na minha zona de acção foram mais as minas que as emboscadas.
Fotografias de algumas viaturas minadas :
Em nenhum destes acontecimentos houve mortos, mas houve alguns feridos graves.
A dotação da minha companhia em Berliets era de 3 mas quando chegámos, a companhia que íamos render tinha acabado de minar uma (1ª fotografia) e nós minámos outra pouco depois (2ª e 3ª fotografias), ficando só com uma Berliet velhinha, de um só rodado trazeiro.
Ao longo da picada, até ao cruzamento com a picada que vinha de Caldas Xavier, onde estava a CCS do Batalhão, havia 3 pontos de referência. O 1º era Chacala, onde havia umas ruínas e onde chegámos a ter um destacamento, um pelotão de canhões adido à minha companhia (última fotografia), o 2º era o km 57 onde havia as ruínas do que foi em tempos um entreposto de uma empresa de construção de estradas (ainda existiam as ruínas de algumas casas e destroços de viaturas rodeados por um muro) e o 3º era a casa da mosca, que era uma ruína de uma casa onde dantes se fazia o despiste e desinfestação da mosca Tsé-Tsé, que provocava a chamada doença do sono. Claro que com a guerra deixou de se fazer a procura da mosca.
Agora que estão bem situados vamos aos factos.
Foi uma coluna em Dezembro. Tinha chovido de noite mas quando a coluna partiu estava um lindo dia de sol e de calor, pois como devem saber, a época das chuvas coincidia com a época de calor. Era a minha segunda coluna se não estou em erro. Assim que saímos do alcatrão à saída da Vila de Moatize, coloquei 4 picadores à cabeça da coluna e assim fomos progredindo a passo de caracol. Passámos Chacala e quando íamos em direcção ao km 57, um dos picadores gritou para mim para ir ver a estrada. Saltei da Berliet e cuidadosamente aproximei-me do local onde estava o picador que me tinha chamado. Olhei para o que ele me indicava e no meio da estrada, sobressaindo da terra molhada, estava uma grande rodela de terra seca. Imediatamente vi que se tratava de uma mina anticarro. Gritei para ninguém se mexer e olhámos à volta. Rapidamente vimos à nossa volta outras 4 rodelas de terra seca, mas mais pequenas que a primeira. Eram 4 minas antipessoal. Mandei recuar as viaturas até uma distância segura e retirei os picadores. Resolvi então ficar com a minha primeira mina. Estávamos proíbidos de levantar as minas mas decidi levantar aquela. Como por vezes estavam armadilhadas, algumas até com bombas de avião, resolvi levantá-la à distância. Na berma da estrada estavam restos de fios de telefone e de electricidade arrancados dos postes e cortei um bocado com cerca de 50 m. Atei uma ponta à pega da mina (se olharem para a fotografia do pai do Luso vão ver que a mina tem uma pega) e à distância de 50 m puxei pela outra ponta. A mina saíu do buraco e então desenrosquei a rosca que se encontra ao centro e retirei a espoleta e o detonador. Guardei a mina na Berliet e fui rebentar as minas antipessoal com 100 g de trotil cada uma. Quando regressei à companhia foi uma festa pois foram as primeiras minas que detectei e por ter corrido tudo bem. Dei graças por ter sido bom aluno no curso de minas e armadilhas (fui 8º em cerca de 200) e por ter tido a calma suficiente para resolver o problema sem pânico. Como resultado, sempre que apareciam minas na picada, pelo menos nos primeiros meses, pediam-me sempre instruções pelo rádio, porque só éramos 2 especialistas em minas e armadilhas, eu e um furriel. No fim da comissão já todos eram peritos. Depois destas muitas mais descobrimos e algumas rebentaram sem serem descobertas, mas estas ficaram para sempre gravadas na minha memória.
Espero não ter abusado da vossa paciência.
Um abraço