10.5.04
Público
Sábado, 8 de Maio de 2004
[346] Defesa: Passo Positivo Não Resolve Insuficiências[/b]
Por Loureiro dos Santos
Não seria correcto ignorar uma importante e positiva medida tomada na área da Defesa, quando tenho criticado o modo como o seu responsável político a tem orientado. Embora esta medida não venha alterar significativamente a situação negativa que nela se vive, nem remediar os muitos erros que têm sido cometidos, a verdade é que os incentivos à cativação de voluntários para as Forças Armadas (FA), especialmente para o Exército, constituem um passo extraordinariamente positivo. Com relevo para a norma, segundo a qual o cumprimento de dois anos de serviço militar como contratado nas FA passa a ser condição de acesso a profissional da GNR.
Para a dimensão actual dos sistemas de forças de que Portugal precisa, este incentivo, por si só (não envolvendo aumento de meios financeiros, portanto com a certeza de poder ser concretizado), garantirá bastantes voluntários em relação às necessidades, pelo menos enquanto o seu nível não aumentar, mesmo que não venha a resolver completamente o problema.
Proposta ao ministro da Defesa, em 1992, pelo Chefe do Estado Maior do Exército de então, mas sem êxito, esta medida viria a ser reiterada por todos os seus sucessores. Sempre que tenho escrito sobre a matéria dos recursos humanos para as FA (com sistema totalmente profissional ou sistema militar misto), não tenho deixado de a ela me referir. Finalmente, foi aceite e vai ser posta em prática, o que, certamente, se deve à vontade do actual ministro, o que não deve deixar de ser salientado. Deixou de repousar apenas nos apoios que a fé lhe proporciona, e accionou medidas concretas, o que tem mérito. Assim como o têm os chefes militares que argumentaram com suficiente inteligência e lograram convencer o ministro. É uma medida com múltiplas vantagens: para o Exército, para a GNR, e o que é mais importante, para o país.
Pena é que, ao mesmo tempo que isto é determinado, se limite o número de praças do Exército ao tecto de 12 mil, certamente por razões orçamentais. Não quero sequer pensar que este patamar, claramente insuficiente para as necessidades estratégicas actuais do nosso país, tenha sido definido apenas para que fosse possível dele ficar perto ou até alcançá-lo, permitindo ao ministro retirar dividendos políticos.
É certo que o governo ainda não decidiu o Sistema de Forças Nacional, na sequência de um arrastado (e aparentemente inútil) planeamento estratégico, iniciado há longo tempo. Mas o Conceito Estratégico Militar (CEM), já aprovado, foi proposto pelos Chefes Militares e é, com toda a certeza, um documento com substância, pelo que não julgo que esteja subordinado ao número de 12 mil, escolhido em função de critérios (orçamentais ou outros), que nada têm a ver com os interesses nacionais vitais de Portugal.
Se considerarmos como referência os elementos da Directiva do actual Chefe do Estado Maior do Exército tornados públicos, com toda a probabilidade incluídos no CEM, em termos de forças necessárias, verificaremos que o Exército deveria ter como objectivos essenciais a capacidade para projectar uma brigada para um teatro de operações (TO) e aí sustentá-la, ou, simultaneamente, destacar três agrupamentos tipo batalhão para três TO distintos. Segundo os estudos efectuados até à data da Directiva, a satisfação destes objectivos sem limitações traduzir-se-ia num nível global de efectivos no Ramo, a que corresponderiam cerca de 16 mil praças. Abaixo de 14 mil, seriam cumpridos com muitas deficiências, e com menos de 12 mil, o modelo pretendido deixaria de ter condições para funcionar. O aprofundamento em curso dos estudos conduzirá certamente a resultados mais precisos, cujo limite inferior, abaixo do qual o modelo de forças considerado ficará prejudicado, terá muitas probabilidades de ser superior ao indicado na Directiva, situando-se acima dos 12 mil.
O que, aliás, seria confirmado pelos elementos que vieram a lume na comunicação social ("Correio da Manhã" de 6 de Fevereiro último), se eles fossem verdadeiros, pelos quais se conclui que o Exército não seria capaz, presentemente, de conseguir o que o CEM prevê e que, a meu ver, constitui o mínimo de que Portugal necessita para alcançar uma afirmação correspondente aos seus interesses. De acordo com o que aí vem escrito, na prática, o Exército passaria a dispor de duas, em vez de três brigadas, o que colocaria em causa as capacidades pretendidas.
Numa situação dessas, poderia não haver condições para, a partir de 2007, participarmos na cooperação estruturada da União Europeia, que vai consubstanciar o seu "pelotão da frente", contrariamente ao que seria extremamente conveniente e tem sido insistentemente declarado pelos responsáveis políticos, nomeadamente pelo primeiro-ministro. Nem, provavelmente, aumentar, como nos interessaria, o patamar actual da nossa contribuição para a Força de Reacção NATO (NRF).
É claro que estas insuficiências não resultam somente de haver ou não os voluntários suficientes. Também poderão ter origem na inexistência dos adequados equipamentos. No fundo, tudo se deve a não serem canalizados para as Forças Armadas os meios financeiros que lhes são indispensáveis para cumprir as suas missões.
Quanto aos efectivos, haja ou não voluntários, os instrumentos legais em vigor permitem resolver o problema, dado que, na ausência de inscrições suficientes para preencher as necessidades, é possível a convocação de conscritos (com os correspondentes custos políticos). Terá de existir vontade política para o fazer e, naturalmente, terá de haver verbas suficientes para os sustentar. Já que voluntários e conscritos nesta situação custam bastante mais do que militares do SMO. E o nível de efectivos em praças deveria ser aumentado, no mínimo, para mais de 14 mil.
Relativamente aos equipamentos, para sermos capazes de satisfazer os pressupostos estratégicos atrás indicados, conviria reforçar o financiamento das FA, ou então, alterar algumas das prioridades adoptadas até agora. Aquelas que fosse possível efectuar, uma vez que já existem compromissos que deverão ser cumpridos. A revisão deste ano da LPM é uma excelente oportunidade para o Governo o fazer, mostrando o mérito de corrigir aquilo que o deve ser.
Em termos de Exército, no mínimo, deveriam existir condições para que, em 2007, dispusesse das novas espingardas automáticas, assim como das viaturas blindadas de uma brigada, desejavelmente de duas, (o que seria alargado aos fuzileiros), além de meios aéreos próprios e outro material de apoio de combate e de serviços. Em termos gerais das FA, seria de todo o interesse considerar a aquisição de certos equipamentos ainda não previstos, nos dois próximos anos, como mísseis antiaéreos, radares (três) para o controlo do espaço aéreo dos Açores, bem como a aceleração da aquisição dos patrulhões oceânicos, navios anti-poluição, navio polivalente logístico, meios aéreos de vigilância e "upgrading" de uma esquadra de F16, por forma a ser possível a sua operacionalidade, gradativamente, nos próximos 4/5 anos.
É neste período que - tudo indica - se reconfigurarão os equilíbrios estratégicos na Europa e no mundo. No seu decurso, será vital para a afirmação externa de Portugal e, consequentemente, para a defesa dos interesses nacionais, o resultado das acções que empreendermos quanto à capacidade militar portuguesa. Entre todas elas, contarão especialmente a nossa participação na cooperação estruturada de defesa na União Europeia e o reforço do nosso papel na NATO, em comparação com aquilo que, em ambas as organizações, fizerem os nossos parceiros que a elas aderiram recentemente.
Também é agora que é necessário fazer um esforço redobrado e consistente nas parcerias e cooperação militar com os PALOP, quando os mais importantes se encontram em fase de estabilização, de preparação para o desenvolvimento e de consolidação de posições nos respectivos contextos regionais e até mundiais.
Se não desempenharmos um papel activo e dinâmico nestes três tabuleiros, correremos o risco de sermos relegados para o grupo dos países exíguos e dispensáveis. Depois, poderá ser tarde para recuperar as posições entretanto perdidas.
Coragem política, seriedade, realismo e inteligência estratégica são atitudes que é urgente adoptar.