Entrevista do Ministro da Defesa Nacional ao EXPRESSO de 4 de Junho de 2005
LUÍS AMADO: "Não há umas Forças Armadas modernas sem uma profunda reforma e ajustamento do Exército às novas condições"
DOIS meses depois de assumir o cargo, o novo ministro da Defesa Nacional já tem ideias claras sobre algumas coisas. Está a reavaliar a aquisição dos equipamentos e quer mudar o regime de contrapartidas e acelerar a reforma do Exército. "Se queremos FA modernas, temos de as mudar". Já.
EXPRESSO - Há um enorme défice orçamental e a palavra de ordem do Estado é cortar despesas. Vai haver cortes na Defesa?
LUÍS AMADO - Vai haver um esforço equilibrado de todos os sectores do Estado, relativamente ao ajustamento que é necessário fazer em matéria orçamental para os próximos anos. A Forças Armadas e a defesa nacional, naturalmente, contribuirão para esse esforço no âmbito dos processos de reforma e de redução de despesa que estão desde já anunciados e em preparação.
EXP. - Havia em curso uma série de processos de aquisição de equipamentos. Vai manter os programas que herdou ou vai fazer alterações?
L.A. - Grande parte dos programas está em curso e tem uma natureza contratual assumida já pelo Estado, pelo que serão cumpridos no quadro do orçamento da Lei de Programação Militar (LPM) que está em vigor. Em relação aos outros, haverá uma reavaliação, que terá em consideração as limitações orçamentais com que o país se confronta. A Lei de Programação Militar será revista com a condicionante financeira, por um lado, dos encargos decorrentes dos programas que estão em desenvolvimento e que terão de ser identificados na repercussão que têm ao longo do ciclo da lei. Essa contabilização é indispensável para podermos avaliar as disponibilidades financeiras para podermos desenvolver novos programas.
EXP. - Porque adiou a revisão da LPM?
L.A. - A revisão não foi adiada. Ela devia ter sido feita até Dezembro de 2004, depois o anterior Governo não desencadeou formalmente o processo quando estava em gestão e, por conseguinte, coube a este Governo fazê-lo. Esta semana mesmo apresentámos aos chefes dos ramos a directiva para a revisão da LPM. O compasso de espera destes meses era absolutamente indispensável para podermos definir orientações relativamente à revisão da lei, que tivessem sustentação do ponto de vista das opções financeiras que o país está em condições de assumir relativamente à Defesa nacional e às FA.
EXP. - Mas os grandes contratos de equipamento vão manter-se?
L.A. - O contrato dos submarinos está em execução, portanto, o Estado assumirá esse compromisso, como foi sublinhado. A segunda esquadra de F16 é um contrato realizado. Agora, é absolutamente indispensável, independentemente de qualquer consideração pontual sobre este ou aquele programa, capacidade, ou arma, no contexto de grande restrição orçamental que o país conhece, reavaliar caso a caso os programas de equipamentos e, na medida do possível, fazer um esforço, que todos os ramos deverão fazer, de racionalização dos recursos e dos meios, de forma a responder ao que é hoje um imperativo nacional exigido a todos os sectores do Estado.
EXP. - E a futura LPM já deverá contemplar a ponderação dos programas?
L.A. - Distingui no processo de revisão dois níveis de apreciação: uma de carácter político-militar que me cabe a mim, enquanto ministro da Defesa Nacional, enunciar. Feito esse enunciado de orientações, princípios e condicionamentos que eu estabeleço do ponto de vista político, compete naturalmente aos ramos e à coordenação do Chefe de Estado-Maior General das FA fazer o ajustamento a esse quadro das opções do ponto de vista técnico-militar. Eu próprio não farei nenhuma opção por este ou aquele equipamento, porque essa não deve ser a minha intervenção no processo. Naturalmente, os ramos pedem sempre os equipamentos que sentem necessidade de identificar para fazerem face às capacidades estabelecidas pelo sistema de forças. No processo de preparação que estava em desenvolvimento, encontrei pedidos dos ramos equivalentes ao dobro do que é o "plafond" da própria lei que está em vigor, é natural que os ramos peçam tudo. Mas a arbitragem entre os ramos, do ponto de vista da avaliação que deve ser feita em termos das opções, deve caber ao CEMGFA. Gostaria que o processo de revisão da LPM passasse nesta fase por um seu papel mais activo, na arbitragem das opções entre os diferentes ramos, ou que uma primeira linha de equilíbrio entre os diferentes ramos em matéria de reequipamento fosse resultado dessa avaliação feita ao nível técnico-militar pelo CEMGFA. É uma mudança de metodologia no processo de revisão da Lei gostaria de evidenciar.
EXP. - Quando foi à comissão parlamentar surgiu a notícia de que haveria um "buraco" na Defesa de 500 milhões de euros; soube-se também que o orçamento não contemplava verba para pagar os dois helicópteros EH-101 que deveriam vir em Maio. Como encontrou a Defesa?
L.A. - Há problemas orçamentais, embora eu não tenha referido esse valor. Há problemas na área das pensões - quer o fundo de pensões quer o dos ex-combatentes não estão devidamente orçamentados - e há problemas pontuais de suborçamentação, designadamente na área da saúde militar. E no âmbito da gestão flexível do orçamento do Ministério, teremos de encontrar, a curto prazo, solução para os helicópteros. Há questões orçamentais de natureza estrutural, como a das pensões, pelo facto do seu financiamento estar dependente de uma consignação de receitas de alienação de património das FA que não foi bem equacionado nem bem gerido ao longo destes anos.
EXP. - Vai prosseguir com a alienação de património?
L.A. - É um dos sectores que exige uma resposta imediata. Tem sido muito deficientemente gerido ao longo dos últimos anos, sobretudo se tivermos em consideração que se foram consignando receitas virtuais decorrentes de alienação de património para compromissos que entretanto estão a correr. Veja-se o fundo dos ex-combatentes, que não está constituído precisamente porque o processo de alienação não o permitiu. Os pagamentos que foram feitos em 2004 foram assumidos pela Caixa Geral de Aposentações e pelo Fundo de Garantia da Segurança Social, mas sem que o fundo. - e cá está também, relativamente a 2005, uma dotação prevista de 35 milhões de euros necessários para responder aos compromissos desse fundo que não estão também orçamentados. A gestão do vastíssimo património das FA é sentida em todo o país, e atesta-o o facto de eu já ter tido a possibilidade de receber pedidos de audiência e contactos de presidentes de câmaras e governos regionais, por causa de elementos do património que estão degradados ou desocupados. É um dos aspectos de reforma, de racionalização da administração, que se impõe neste momento.
EXP. - Voltando ao tema dos equipamentos, em que pé está a situação em relação ao concurso para a compra de viaturas blindadas de rodas para o Exército, cuja contrapartida era a sua coprodução pela empresa constituída por alguns trabalhadores da Bombardier?
L.A. - O procedimento está em curso, aguardamos o visto do Tribunal de Contas. Mas estamos a fazer uma reavaliação dos programas de contrapartidas em relação a todos os casos. É um dos sectores que exige resposta imediata, dado que o regime de contrapartidas que tem sido desenvolvido é, do meu ponto de vista, um embuste.
EXP. - Porquê?
L.A. - Se o regime das contrapartidas resultante do arrojado investimento que se faz em equipamento para a modernização das FA tiver como justificação a possibilidade de termos acesso a programas e projectos que modernizem a nossa economia, a lógica da sua negociação tem de completamente diferente da que foi conduzida no passado. Defendo que o investimento que se faça na modernização de equipamentos pode e deve servir para desenvolver sectores de inovação e de transformação tecnológica do país, designadamente, dos sectores industriais mais dinâmicos, e mais carentes também, para poderem ganhar quota de mercado em termos internacionais. Para isso, o processo de negociação tem de ser desenvolvido a partir de um menu de projectos e programas que nós consideramos como fundamentais para o desenvolvimento deste ou daquele sector industrial, e não um "menu à la carte" absolutamente incoerente e desligado de qualquer racionalidade económica e industrial, e de uma lógica de conjunto. Das duas uma: ou nós abdicamos das contrapartidas e, portanto, entramos em sistemas de armas, em processos cooperativos que nos permitam ganhar também quota de acesso da nossa indústria a esses programas - é uma opção e, portanto, abandonamos as contrapartidas e entramos em programas cooperativos, designadamente no quadro europeu. Ou então, se defendemos um regime de contrapartidas, que o façamos na lógica também do interesse de modernização de alguns sectores da nossa indústria, dando-lhes a capacidade para aceder a um grau de inovação e tecnologia a que, de outra forma, não teriam possibilidade de aceder. Então, o processo tem de ser inverso: "adquiro este equipamento se me garantirem isto, e não ao contrário, nós compramos esse equipamento, o que é que vocês têm para nos dar em troca do ponto de vista industrial?"
EXP. - E defende a aplicação de uma ou outra solução, consoante o equipamento em causa? Por exemplo, uma das primeiras medidas do ministro Portas foi retirar Portugal da cooperação no âmbito da produção do avião A400M, da Airbus, onde partilhávamos tecnologia. Vai retomar esse lugar português na Airbus?
L.A. - É uma possibilidade, mas não há decisão. Defendo dois modelos em alternativa para a negociação dos equipamentos. Nesta perspectiva, entendo promover, ainda antes do Verão, um encontro entre os ministérios da Economia, a Empordef e da Defesa Nacional para discutir profundamente as opções com que vamos ser confrontados, desde já no processo de revisão da LPM e na definição das opções que vamos ter de tomar em relação a novos equipamentos. Em relação à substituição do C130, não há na LPM a perspectiva da sua substituição. Faz mais sentido manter os C130, que são neste momento aviões que têm ainda um tempo de duração perfeitamente aceitável e, eventualmente, retomar a nossa posição no consórcio do A400M, uma vez que é um projecto que se perspectiva a partir de 2020. Até lá teremos aviões em condições, com um "upgrade ao cockpit", de forma a permitir que, no final desse ciclo, possamos ter um avião estratégico, já decorrente de um programa com essa natureza. Mas haverá uma concertação muito séria a fazer nos próximos meses, entre os diferentes sectores industriais que têm sido beneficiados pelos programas de contrapartidas, as instituições do Ministério da Economia, que devem ser mais envolvidas nestas decisões, e o sector da indústria de armamento, começando pela Empordef, que deve também ser mais envolvido em todo o processo de negociação das contrapartidas. O modelo em vigor é inaceitável, até porque não dá garantias de que a execução dos projectos e dos programas seja efectivamente realizada. A Comissão de Contrapartidas não tinha nenhuma capacidade de acompanhamento da execução dos programas e, portanto, até nesse aspecto é duma fragilidade absolutamente chocante. Estamos a falar de programas que envolvem, já hoje, verbas na casa dos 2300 milhões de euros. É uma verba colossal que, se bem gerida e bem negociada, pode ter um peso relevante em alguns sectores da economia.
EXP. - Na ponderação dos equipamentos, também entra em linha de conta com as missões das FA?
L.A. - Valorizamos muito as missões específicas das FA.
EXP. - E a quais dá prioridade?
L.A. - As que se relacionam com a assumpção dos compromissos internacionais e o apoio à política externa. Num processo de acentuada reforma e transformação no quadro da segurança cooperativa em que estamos envolvidos, no âmbito da NATO e da União Europeia, temos de valorizar ao máximo a nossa participação. E preparar mais as FA para esse tipo de missões.
EXP. - Isso significa dar-lhes mais capacidade expedicionária?
L.A. - Sim, mais capacidade expedicionária. E mais capacidade conjunta, mais complementaridade, capacidade de modulação e interoperabilidade entre as forças. É indispensável, no momento em que o território nacional não tem nenhuma ameaça directa (embora naturalmente sujeito ao quadro de novas ameaças que hoje se identificam e que redefinem as fronteiras entre a segurança interna e a segurança externa em Portugal e em toda a Europa) que, no quadro das nossas alianças, tenhamos capacidade de afirmar a nossa personalidade política e identidade política enquanto Estado soberano. Portanto, participar nas novas fronteiras em que se resolve a segurança do país no quadro da segurança regional e participar activamente nas missões em que estamos comprometidos. Para isso, precisamos de passar de uma visão, em certos sectores, ainda muito estática e muito territorial das FA, para uma outra com configuração dinâmica, flexível, de reacção rápida e projecção de força, de interoperabilidade e de acção conjunta.
EXP. - Isso refere-se, concretamente, à reforma no Exército...
L.A. - A transformação do Exército está pronta, em projecto. Na próxima semana terei uma reunião de trabalho com o Chefe do Estado-maior do Exército só sobre a reforma e o processo de transformação. Até ao início da próxima sessão legislativa, estaremos em condições de desencadear a reforma. Ela permite fechar o ciclo de ajustamento que foi feito. O Conceito Estratégico de Defesa Nacional, o Conceito Estratégico Militar, a redefinição das missões das FA e o sistema de forças na sua componente operacional estão feitos. Falta fazer essa reforma para podermos ter o sistema de forças nacional, na sua componente territorial, perfeitamente definido e, portanto, ter o dispositivo praticamente estabilizado em função do que são os novos princípios e os novos critérios.
EXP. - Terá de tomar decisões dolorosas?
L.A. - É natural. Mas terá de se compreender que a natureza das FA se alterou radicalmente. Se queremos continuar a justificar a existência de umas FA modernas, capazes de se envolver no conjunto, complexo e muito exigente, das missões com que vão ser confrontadas, têm de se adaptar a uma nova conceptualização e uma nova doutrina da Defesa nacional. E isso passa por uma profunda reforma e ajustamento do Exército às novas condições.
EXP. - E que outras missões das FA valoriza especialmente?
L.A. - As missões de interesse público, designadamente as que se relacionam com as novas ameaças. Há uma linha de fronteira entre segurança interna e defesa nacional que urge redefinir. Em concertação com a Administração Interna, temos de identificar com muito rigor e transparência quais são as formas de interacção e de cooperação activa entre o sector da Defesa Nacional e das FA e das forças de segurança. É uma área nova, que ainda não está enquadrada do ponto de vista legislativo.
EXP. - Isso implica mexer na estrutura da GNR e da Defesa?
L.A. - Exige, em primeiro lugar, definir muito bem quais são as balizas em que esta articulação se deve fazer: em situações específicas de crise, como as que se configuram recentemente e que estavam fora dos conceitos e da doutrina que regulava essa fronteira.
EXP. - Já iniciou esse diálogo com o seu colega no Governo?
L.A. - Iniciámos esse diálogo no sentido de encontrarmos as melhores opções. A nossa preocupação é encontrar respostas adequadas para os problemas do país. Estamos a trabalhar em estreita articulação nesse sentido.
EXP. - A profissionalização também vai ser afectada pelos cortes?
L.A. - Terá se fazer algum ajustamento em termos de recursos
EXP. - Vai alterar os rácios nos ramos?
L.A. - Vamos ver. AS FA no seu conjunto têm de fazer um esforço de ajustamento, que passará muito pela organização, pela revisão do seu dispositivo, economizando muitos recursos por essa via. Mas o próprio modelo de organização tem de ser objecto de um esforço de modernização, de forma a evitar duplicações, dispersão e sobreposição de serviços e recursos, garantindo economias relevantes para a própria modernização das FA no seu conjunto. Não faz sentido ter enveredado por um modelo de profissionalização em que se pede a adesão aos jovens, e mandá-los para casernas com 100 camas, sem um mínimo de condições de dignidade. Mas alguns investimentos que são necessários fazer para garantir a sustentação do processo devem ser feitos também à custa de poupanças que os próprios ramos saibam fazer.
EXP. - No curto prazo?
L.A. - A muito curto prazo. Por exemplo, quando integramos três institutos num só, o objectivo é intrínseco à modernização das FA. Não faz sentido que, exigindo-se cada vez mais operações conjuntas e interoperabilidade entre os ramos, os quadros de doutrinas estejam espartilhados por três divisões corporativas diferentes. Por isso, em Outubro haverá um instituto que integra os Altos Estudos da Força Aérea, da Marinha e do Exército, o que, só por si, já representa uma economia. Não é um objectivo central da reforma, mas ajuda.
EXP. - E para quando a unificação das academias?
L.A. - O processo de estudo já se iniciou e deverá desenvolver-se após o Instituto único de Altos Estudos das FA, com o respeito pela autonomia na preparação de militares com doutrinas diferentes na Marinha, Força Aérea e Exército. Haverá a necessidade de preservar alguma autonomia nesse domínio, embora se deva fazer um esforço para integrar mais as estruturas e aproveitar as sinergias possíveis entre os ramos, de forma a garantir maior unidade académica no produto que é o produto do ensino superior militar. O que está a ser pensado ao nível do ensino pode também reflectir-se ao nível da saúde militar e em outros sectores que devem ser mais integrados...
EXP. - A saúde já tem mais a ver com uma lógica de racionalização e de poupança?
L.A. - De racionalização e poupança, já que é um sector em que há uma factura permanente ao longo dos últimos anos. Não faz sentido que os ramos se constituam praticamente como FA autónomas, com todas as valências dentro de si, quando já temos um Estado-maior General das Forças Armadas e um ministério da Defesa Nacional! O processo de integração tem de se continuar, desenvolvendo princípios de progressiva unidade política, ultrapassando um arquétipo que está na natureza das instituições e que ainda é dos antigos ministérios dos ramos.
Luísa Meireles
"É preciso saber ler o futuro"
A COOPERAÇÃO técnico-militar, um florão nas relações de Portugal com os PALOP, é um dos sectores sobre os quais Luís Amado fala com maior entusiasmo, não tivesse trabalhado de perto nos assuntos da Cooperação.
EXP. - Cooperação com África. Vai haver alterações?
L.A. - O sector da cooperação técnico militar vai ser objecto de uma reforma significativa. É um ciclo de dez anos que se fecha e essa avaliação tem de ser feita. O programa teve grande impacto, nas FA e na acção externa do Estado, em relação sobretudo com os países africanos de expressão portuguesa e no quadro da CPLP. Mas tem de abrir-se um novo ciclo, tendo em conta as alterações no âmbito da NATO e da UE e o papel que Portugal não vai deixar de ter nestas duas organizações. O que se está a passar no continente africano, onde tem incidido a nossa cooperação técnico-militar é extraordinariamente relevante, pelo que devemos antecipar algumas direcções que se traduzam depois na reorientação, em concreto, na nossa acção de cooperação com cada um dos PALOP. Temos de fazer da nossa experiência da NATO e na UE uma capacitação própria para podermos ajudar os nossos interlocutores dos países africanos com quem temos programas de cooperação bilateral para a acção multilateral regional. A nossa experiência de cooperação deve traduzir-se mais na preparação das FA desses países para a sua progressiva integração em quadros de segurança cooperativos regionais.
EXP. - Em Angola, os oficiais portugueses estão a treinar congoleses...
L.A. - E é preciso dar mais ênfase a isso. Portanto, não colocar tanto a dialéctica da cooperação multilateral na área técnico-militar centrada na CPLP enquanto tal, mas estimular quadros de segurança multilaterais na esfera das regiões em que cada um desses países se insere. Portugal tem essa experiência, tem conceitos e doutrina de cooperação de segurança com os seus aliados e tem de traduzir isso num programa específico da cooperação técnico-militar com cada um dos países, abrindo um novo vector de cooperação. Veja-se a dinâmica da União Africana nos últimos anos: ninguém acreditava que ela pudesse ter tão rapidamente uma voz tão activa no quadro da regulação de conflitos no continente! Hoje, verificamos que no processo de transformação da NATO está a ser dada uma importância relativa ao continente africano; na Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), também está identificado o pilar de relação com o continente africano. É preciso saber ler o futuro. O que se passou em relação à crise do Darfour é muito revelador: o presidente da União Africana, Alpha Oumar Konaré, foi pedir apoio ao mesmo tempo à NATO e à UE para fazerem o mesmo: apoiar a União Africana e os africanos a sustentar um processo de estabilização de toda aquela imensa região...
EXP. - O que criou alguns problemas de articulação entre a União Europeia e a NATO...
L.A. - Criou problemas mas tem um lado virtuoso: pela primeira vez os europeus, no quadro da UE e da NATO, equacionaram de que forma se vão repartir as valências numa situação em concreto em que ambas as estruturas estão envolvidas. Portanto, tem um enorme alcance do ponto de vista da reorganização do sistema transatlântico na estabilização de conflitos para os próximos anos na sua área de interesse. E Portugal pode ser um pivot mais activo neste processo de clarificação de funções e de competências entre duas organizações de que faz parte, designadamente de intervir num continente relativamente ao qual poucos exércitos e poucas FA têm a experiência e o conhecimento que Portugal tem. É nesta perspectiva que a cooperação técnico-militar tem de ser valorizada, abrindo uma nova geração de programas, dando-lhe novas capacitações em termos de meios e recursos.
EXP. - E os seus homólogos da CPLP estão de acordo?
L.A. - Começando por Cabo Verde. É o exemplo de que nós até já estamos a fazer esse trabalho, se observarmos o processo de aproximação à NATO e o interesse desta...
EXP. - É um processo com futuro?
L.A. - Claro. No âmbito do seu processo de transformação, a NATO vai desenvolver um vector de securização em todo este eixo até ao Golfo da Guiné, pelo que esta será uma área de preocupação estratégica. Basta ter em consideração a importância deste corredor do ponto de vista dos recursos energéticos para a Europa e para os Estados Unidos, para verificar como a NATO tem de dar atenção em termos estratégicos, a este corredor. Cabo Verde interpretou exemplarmente essa situação e o primeiro exercício da NATO naquela região será feito já em 2006. Mas se pensarmos, por exemplo na Guiné-Bissau, temos a noção de como a estabilização daquele país depende da estabilização político-militar, e de como a estabilização da instituição militar dependerá de um forte envolvimento da organização militar regional que, aliás, já em 1998 teve uma participação activa no processo de regulação da crise política aberta com o golpe de Estado. É impossível hoje pensar em regular conflitos em qualquer região de África sem forças africanas. É natural que os países de expressão portuguesa tenham de ter um papel mais activo como forma de estabilizar as suas próprias situações.
EXP. - E relativamente à Guiné, encara uma intervenção militar num quadro CPLP e de agravamento da situação?
L.A. - As crises em África terâo de ser reguladas, homens no terreno, por africanos. O nosso papel e dos europeus, seja no quadro da NATO, da PESD, num quadro bilateral ou multilateral da CPLP, tem que ser ao nível do apoio logístico, técnico, mas nunca nas acções militares.
Todos os programas serão reavaliados
O novo ministro da Defesa afirma que todos os programas de equipamento estão a ser reavaliados, nomeadamente devido aos constrangimentos financeiros do Estado.
EXP. - Qual é a situação em relação ao concurso das armas ligeiras?
L.A. - A breve prazo, ser-me-á apresentada a proposta decorrente da avaliação que está a ser feita pela comissão de acompanhamento.
EXP. - Mas o concurso foi objecto de polémica, incluindo judicial...
L.A. - Tem sido objecto de controvérsia, sobre a qual ainda não me pronunciei, e só o farei quando tiver todos os elementos resultantes da avaliação desta fase do concurso. A minha preocupação tem sido a de não interromper procedimentos que são extremamente onerosos do ponto de vista público. Ouço falar há mais de 20 anos na substituição da arma ligeira. Eventualmente, se se justificar, por razões que se me afigurem pertinentes, interromper esse concurso, fá-lo-ei.
EXP. - Tem alguma ideia definida quanto aos prometidos helicópteros para o Exército?
L.A. - Como lhe digo, terá de ser objecto de uma ponderação no quadro da revisão da LPM. Até ao fim do ano, essa opção terá de ser assumida.
EXP. - Optou pela empresa espanhola Casa para a substituição dos Aviocar?
L.A. - Ainda não há decisão final. Houve a audiência prévia, um relatório apresentado no âmbito da audiência prévia pelo concorrente segundo classificado, a Alenia, e a Comissão de Avaliação já tem pronto, creio, o relatório de análise da resposta da Alenia. A muito breve prazo será tomada uma decisão na base do que forem as indicações que tiver dessa análise.
EXP. - E quanto ao reequipamento dos cinco aviões de vigilância marítima que foram comprados à Holanda para substituir os P3-Orion?
L.A. - Os aviões estão comprados. Mas precisam de ter um "upgrade", que é muito caro. Esse programa também será, naturalmente, objecto de avaliação no processo de revisão da LPM e de ponderação, e de equilíbrio entre o que forem as opções dos diferentes ramos.
EXP. - Mas se não fizer o "upgrade", de pouco servirão os aviões...
L.A. - Claro. Mas, se houver necessidade de fazer ajustamentos, designadamente decorrentes de cortes orçamentais relevantes, naturalmente que algumas opções terão de ser tomadas em relação a alguns dos equipamentos.
EXP. - Portanto, neste momento não está em condições, ou não quer dizer, que tipo de equipamentos são para si secundários?
L.A. - Não, porque fixámos uma directiva para a LPM com alguns princípios, critérios e condicionamentos. É com base neles que as opções em matéria de capacidades e novos programas terão de ser feitas e repensadas também ao nível técnico-militar pelos chefes militares, em função dos "plafonds" que forem estabelecidos e em função do necessário equilíbrio entre os programas de reequipamento dos diferentes ramos. Eu não sou um especialista militar e não me vou pronunciar sobre a valorização duma arma, equipamento, ou capacidade. O que me compete é dizer: politicamente nós temos estes constrangimentos e definimos estes critérios e definimos estas prioridades para as FA no período da legislatura. Em função desta grelha de enquadramento das decisões a tomar no plano político, quais são as decisões técnico-militares que os chefes dos ramos e o Chefe do Estado-maior General das Forças Armadas me apresentam? Se me apresentarem uma solução já definitiva, tanto melhor. Não sou eu que me vou imiscuir nesse debate. Mas se não houver concordância nessa sede, eu arbitrarei as diferentes opções que me forem colocadas. É essa a minha responsabilidade.