Para o Sr.Engenheiro Sócrates e seus camaradas:
"A Pátria não tem processo de inocência. Reflecte todos os actos dos seus filhos. Cada geração volta ao pé da mesma terra e é recebida maternalmente sem distinção, seja qual for o legado que acrescentar à herança ou a delapidação que produziu.
A Pátria recebe tudo sem benefício de inventário como o nosso corpo recebe um tumor maligno e as árvores morrem do raio. Não vale a pena procurar esquecê-la, embora seja evidente que a tentativa é reprovável. Vai durar mais que os filhos que a exaltam ou ferem, e escreverá no seu livro a biografia dos seus filhos sem nada omitir.
O balanço geral de cada época, o patriotismo espera ter mais razões de orgulho do que de mágoa, e encontrar um saldo positivo ao serviço do género humano. A gesta dos Descobrimentos, a unificação do globo, o desbravamento de África, a construção do Brasil, a angiografia, os primórdios da antroplogia, o método experimental são a Pátria. D.Afonso Henriques, D. Nuno Álvares Pereira, o Infante D. Henrique, Mouzinho de Albuquerque, D. João de Castro, Egas Moniz, são a Pátria. Também o são as brutalidades cometidas no Oriente, as entradas contra os índios, o trabalho forçado, a escravidão, os traidores de 1580, os heróis de 1640, e os desertores e os mortos da década de 60. Tudo lhe pertence e nos cabe. Para além de aprovar ou reprovar cada um dos elementos do inventário secular, a única alternativa é amá-la ou renegá-la.
Mas ninguém pode ser autorizado a tentar a sua destruição, e a colocar o partido, a ideologia, o serviço de imperialismos estranhos, a ambição pessoal, acima dela.A Pátria não é um estribo. A Pátria não é um acidente. A Pátria não é uma ocasião. A Pátria não é um estorvo. A Pátria não é um peso. A Pátria é um dever entre o berço e o caixão, as duas únicas formas que tem para nos receber."
In " O Novíssimo Princípe" de Adriano Moreira