Para quem tenha ficado com dúvidas relativamente à questão dos campos de treino para operacionais da Alqaeda, refiro-me naturalmente aos atentados terroristas contra alvos ocidentais. Incluo aqui o atentado em Bali na Indonésia, que não sendo num país ocidental, foi efectuado contra ocidentais numa região onde predomina essa cultura.
Os atentados no ocidente (e é por causa desses atentados que as operações no Afeganistão se desenvolvem) precisam de pessoas com uma formação e capacidade para se integrarem nos países que os acolhem, que precisa formação e treino.
Além disso, como aconteceu com muitos terroristas do 11 de Setembro, trata-se de gente com formação superior, que volta prositadamente à base para receber treino adicional.
É evidente, que é possível continuar a arranjar suicidas analfabetos numa aldeola qualquer, para os mandar explodir-se numa cidade a alguns quilometros de distância. Para isso não é necessária uma estrutura organizada de treino.
O investimento é muito reduzido. Bastam uns explosivos, um exemplar Corão, alguma comida e alguém que transporte o suicida até ao ponto em que ele carrega no gatilho.
Se ele desistir por falta de treino adequado, o custo não é significativo.
Já para organizar um atentado fora da área geográfica em que se encontram os terroristas, a estrutura e a organização logística têm que estar montadas e são muito mais sofisticadas.
É preciso escolher a dedo, quais os suicidas em que se vai apostar e nos quais se vai gastar dinheiro, sustentando-os durante meses, dando-lhe formação e acompanhamento na área religiosa, treinando sobre como se comportar no ocidente e sobre como adquirir explosivos e manufacturar os dispositivos de detonação. Acima de tudo o problema é garantir que os treinandos não desistem (o que constitui um prejuízo tremendo).
Essa é a diferença essencial - como qualquer pessoa que tenha estudado minimamente o fenómeno do terrorismo suicida sabe.
Os americanos - e os europeus - estão pouco interessados num mouro esfarrapado e analfabeto que se rebenta e mata dois ou três, numa mesquita no fim do mundo.
O objectivo é evitar que eles venham para a Europa e voltem a matar dezenas, centenas ou mesmo milhares de pessoas de uma só vez.
E para isso é necessário impedir a criação de estruturas de treino e apoio logístico.
Além disso, há o problema da sustentação de todo o sistema, e o seu financiamento. O dinheiro é conseguido ou através de beneméritos ou então através do trafico de droga. Presentemente esse é o outro problema. A estrutura que permite o financiamento do terror, poderá facilitar o reaparecimento de bases de treino, se não houver quem impeça o seu aparecimento.
Dissequemos lá esse Mal...
Santa inocência.
Entendo perfeitamente a sua correcção política.
Sabe-nos bem seguir a linha de pensamento da tal “potência dominante”.
Mas a autópsia revela outra realidade, menos “dominante”.
Escalpelizemos:
Segundo essa lógica da batata, então o Afeganistão “pacificado” (algo em si mesmo inatingível) iria, por si só, garantir a tranquilidade ao Ocidente. Se bem me recordo, esse foi o argumento para a “libertação” do Iraque...
O problema é que o Paquistão, por exemplo (autêntico problema) ficou “esquecido” e permaneceu fora da equação.
Por outro lado, alimenta-se um presidente-marreta corrupto em Kabul, de onde não sai pois tem a cabeça a prémio pelos empresários do ópio. Ao mesmo tempo que este governo fraco e artificial segue um modelo préfabricado exportado dos EUA para o servilismo precário.
Ao mesmo tempo, constata-se o recrudescimento dos IED/
"roadside bombs" e de… ataques (também suicidas) no mesmo Afeganistão e no Iraque desde 2006.
E, de facto, são esses maltrapilhos "suicidas analfabetos numa aldeola qualquer" que estão a ganhar pela pressão popular nas sociedades ocidentais. Esses pobres diabos estão na base da impopularidade crescente da guerra aos olhos do mundo civilizado. Já para não falar no moral das guarnições ocidentais locais...
O perigo reside exactamente na mão de obra abundante e barata. Não há crise neste sector. Porém, ainda conseguem tornar a coisa perigosamente mais eficaz. Não necessariamente rebentando com recrutas rurais, mas atingindo e imobilizando tropas e veículos adversários com custos ínfimos para os "insurgentes". Recorde-se, aliás, que não foi necessário aos
mujaheddins da década de 80 qualquer colete-bomba para derrotar os Russos no mesmo terreno.
The GuardianChegamos a 2010 como pior ano em mortalidade:
668 mortos nas forças aliadas (num total de 2.238 desde 2001) e o ano ainda não terminou.
Ou seja, a eliminição da mortalidade por bombistas suicidas no Ocidente foi “contra-balançada” pelo aumento de soldados mortos no Afeganistão. O que equivale a dizer que os ocidentais continuam a morrer, cada vez mais, só que na Ásia. E armados. É óbvio que se trata de um preço incomportável.
Se as acções terroristas necessitassem de uma estrutura de treino fixa (de um campo à moda antiga), seria o equivalente a um Centro de Formação e Emprego. Coisa que, obviamente, não funciona assim. Os malucos das máquinas voadoras do 11 de Setembro tiraram o brevet nos EUA e estudaram em faculdades alemãs. A questão é mais profunda: esconde-se por entre as franjas das segundas gerações, ou descendentes de emigrantes muçulmanos, residentes no Ocidente.
Acção Cirúrgica Serão as tropas no terreno e o desmantelamento dos campos de treino suficientes para impedir ataques terroristas? Sim, se o Mundo fosse simples e previsível.
Esqueceu-se dos ataques de Mumbai (Índia), por exemplo. Não se iluda. A iniciativa bombástica contra o Ocidente não desapareceu. O objectivo permanece o mesmo: desestabilização social, provocar impacto nas populações e constranger os governos, pressionando-os através do medo com perigos imprevisíveis por autores anónimos.
A questão das lancheiras e os manuais escolares providenciados nos cursos intensivos de terrorismo serem mais ou menos caras não me parece argumento viável. A lavagem de dinheiro e as novas tecnologias asseguram às novas gerações de “would-be” terroristas a agilidade necessária para viajarem e viverem no Ocidente. Simplesmente, os serviços de informações e a sua coordenação global têm impedido os estágios finais desses malandros.
Acontece que os manuais de informações subversivos e os disseminadores do fundamentalismo islâmico já se encontram na Europa há mais de uma década. Compreensível, pois o terrorismo é hoje global e, assim, uma das suas características é a desterritorialização numa rede dispersa. Isto é básico.
Acaso foi nas grutas de Tora Bora que os terroristas do 9/11 obtiveram o seu
brevet?
Ou as suas licenciaturas?
E os bombistas de Londres? Estudavam em que província afegã? Ou melhor, em que cidade inglesa?
E já agora, quem controla as províncias de Kandahar e Helmand?
Qual a liberdade de movimentos do pobre presidente Karzai?
Onde está a prometida estabilização do Afeganistão?
O que tem sido feito quanto aos extremistas islâmicos no Paquistão (para além de uns quantos ataques de
drones)?
A resistência / “insurgência” sempre existiu na região, contra os Russos no Afeganistão, contra os Indianos em Cachemira, etc., apoiados e baseados no Paquistão pelo próprio Estado e financiado por outros, à socapa (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos). Hoje em dia, a tonelada de papoilas por metro quadrado representa uma segurança valiosa para o financiamento dos Talibans, investido em lavagem ao cérebro produto dos seminários religiosos Paquistaneses.
Na verdade, o que se vê é o reforço da base ideológica dos Islamistas. Nisto foram especialmente ajudados com a estipulação de um prazo para o final da “guerra contra o terror”em 2014, algo inédito na História militar.
Enquanto isso, os principais sucessos são obtidos com aqueles aviõezinhos não tripulados tão eficazes, sobre os céus do Iémen, do Afeganistão e, claro, do Paquistão.
Diagnóstico do MalOnde se encontra hoje em dia a justificação para o pseudo-argumento de eliminação de “bases terroristas”?
A resposta prende-se com outra questão…
Porque razão os aliados querem dar à sola do Iraque?
Porque, na verdade, não há mais nada a fazer no terreno senão uma mega-operação policial, para a qual são necessários forças locais (tarde e a más horas)...que ainda estão a ser treinadas.
É sabido que a Alemanha, a França, a Espanha, a Turquia e a Itália limitaram a sua participação no terreno em número de homens e resumiram à sua participação às províncias menos violentas. Os obstáculos domésticos são imensos: impopularidade crescente, despesas adicionais e...falta de resultados.
Por seu lado, os EUA vêem-se a braços com a quase totalidade do peso da guerra.
9 anos, o conflito militar mais prolongado da história dos EUA, que conta já com 98.000 homens.
A conta: 1,121 trilião de dólares em operações militares, logística, rede de segurança das bases, “reconstrução” local, apoios diplomáticos, e serviços de saúde para os novos veteranos de guerra nas frentes combinadas Iraque / Afeganistão.
Mais concretamente, a Operação
Enduring Freedom ascende a 336 biliões de dólares, representando um acréscimo de 63% no orçamento do Departamento de Defesa, enquanto os novos efectivos mobilizados representam um aumento de 70%. segundo um rcente relatório do Congresso para análise do financiamento militar do Departamento de Defesa (Setembro de 2010):
The Cost of Iraq, Afghanistan, and Other
Global War on Terror Operations Since 9/11 (
http://www.fas.org/sgp/crs/natsec/RL33110.pdf), elaborado quando ainda se pensava candidamente no início retirada do Afeganistão em Junho de 2011.
No mesmo relatório é apontada a corrupção generalizada como um dos principais factores neutralizadores desta injecção de dinheiro (p. 12), além de limitações à aplicação de novos financiamentos para operações militares, considerados pouco apropriados de acordo com as novas regras adoptadas sob Obama que restringem a despesa a estritas contingências operacionais (p. 52). O mesmo é dizer, a conta ficou demasiado alta e não há pão para malucos.
Enquanto isso, o Presidente marreta Karzai e o General Petraeus vão trocando mimos: enquanto o primeiro quer as empresas de segurança privada (os tais mercenários de que tanto gosta, papatango) longe do seu país e o abandono dos indiscriminados ataques surpresa contra as residências de alegados/suspeitos “insurgentes”, além da retirada gradual dos contingentes regulares estrangeiros, já o segundo reafirma a necessidade e prosseguimento dos mesmos. Nada de novo.
Aliás, Petraeus foi claro: não há solução militar possível no Afeganistão.
E, mesmo que bombardeassem a região de volta à Idade da Pedra, ainda haveria muita mesquita e muita caverna onde esconder-se. Aliás, onde estão Bin Laden e Mullah Omar...?