Timor-Leste:PR Xanana vê sem surpresa anulação de encontro presidente indonésio
Díli, 28 Jan (Lusa) - O cancelamento do encontro previsto para sexta-feira, em Jacarta, entre os presidentes de Timor-Leste e da Indonésia não surpreendeu o presidente timorense, afirmou hoje Xanana Gusmão à Agência Lusa.
"Não fiquei desapontado", respondeu Xanana Gusmão.
O presidente timorense falava à chegada a Díli após uma deslocação a Nova Iorque, onde entregou ao secretário-geral da ONU cópia do relatório que descreve, entre outras, as violações dos direitos humanos e os crimes contra a Humanidade, perpetrados pela Indonésia durante os 24 aos de ocupação de Timor-Leste.
Questionado se o cancelamento do encontro, pela presidência indonésia se deveu a pressões de "sectores mais retrógrados" ligados ao antigo regime de Jacarta, Xanana Gusmão optou por responder que não era analista político.
"Pode considerar-se assim, mas eu não sou analista político.
Mas pode considerar-se assim, nesse quadro", repetiu.
Xanana Gusmão tinha previsto um encontro para sexta-feira, em Jacarta, com o seu homólogo Susilo Bambang Yudhoyono, com quem tinha combinado há cerca de um mês a entrega do documento.
O relatório, elaborado pela Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), passa em revista as violações dos direitos humanos e os crimes contra a Humanidade perpetrados em Timor-Leste entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Outubro de 1999.
Ao longo de 2.500 páginas, o documento reporta em pormenor as atrocidades indonésias, entretanto desmentidas pelas autoridades de Jacarta, que nega que 183 mil pessoas tenham sido mortas durante os 24 anos de ocupação.
Xanana Gusmão acrescentou, entretanto, que na próxima semana vai iniciar a distribuição de cópias do documento, intitulado "Chega!", às embaixadas dos países referenciados no relatório, entre os quais Portugal.
Em seguida, será a vez das organizações de defesa dos direitos humanos receberem igualmente cópia do documento, destacou.
A divulgação ao público, de forma mais alargada, terá de aguardar condições financeiras mais favoráveis para ser concretizada.
De acordo com o relatório, a cujo Sumário Executivo a Agência Lusa teve acesso, pelo menos 183 mil pessoas terão sido mortas durante os 24 anos da ocupação indonésia de Timor-Leste.
O relatório, que na versão portuguesa tem cerca de 2.500 páginas, salienta que 70 por cento das mortes ocorreram às mãos das forças de segurança indonésias e de milícias timorenses treinadas e armadas por Jacarta.
A grande quantidade de pormenores sangrentos das violações aos direitos humanos, que segundo a CAVR envolveu as forças de segurança indonésias e as milícias timorenses e, nalguns casos, a própria FRETILIN, está na base da decisão dos líderes políticos timorenses em salvaguardar as conclusões e proceder de forma calculada à sua divulgação, o que deverá acontecer até Junho próximo.
Escrito a partir de 18 meses de trabalho no terreno, onde foram realizadas mais de 1.500 acções de reconciliação comunitária, com vítimas e violadores frente a frente, e identificadas mais de 8.000 vítimas, o relatório foi intitulado "Chega!", expressão que representa um alerta às consciências para que o que se passou nunca mais se repita.
O rol de violações descrito varia entre execuções colectivas a deslocamentos forçados da população civil, passando por estupros, actos de tortura e abusos de crianças.
O documento assinala vários crimes, designadamente o massacre de 160 guerrilheiros da FRETILIN e familiares, perpetrado em Setembro de 1981 nas encostas do Monte Aitana, entre os distritos de Manatuto e Viqueque, a sudeste de Díli.
Esta acção foi definida pela CAVR como fazendo parte da chamada Operação Kikis, uma iniciativa levada a cabo pelos indonésios ao longo de dois meses naquela região.
Sobre os acontecimentos de 1999, designadamente em Agosto desse ano, quando se realizou a consulta popular patrocinada pelas Nações Unidas e em que a população timorense optou pela independência, o relatório considera que as acções de destruição encetadas por Jacarta corresponderam a uma estratégia precisa, gizada pelo comando militar indonésio, ao mais alto nível, não resultando de acções descontroladas ou actos individuais de militares indonésios.
"Membros da administração civil de Timor-Leste e funcionários governamentais, incluindo ministros, estavam a par da estratégia levada a cabo no terreno, e não tomaram nenhuma medida para a impedir de ser executada", destaca o documento.
Em cada caso de violação dos direitos humanos apenas são identificadas as unidades militares.
A identificação dos responsáveis individuais, cujo número não é revelado, está codificada e a lista secreta está em poder de Xanana Gusmão.
O relatório destaca que entre 1977 e 1979, pelo menos 84.200 pessoas morreram de fome e doença, em resultado das transferências forçadas de populações para campos fortemente controlados pelos militares indonésios.
Peça da história recente de Timor-Leste, o relatório é agora também motivo de disputa política, com as organizações de direitos humanos e a hierarquia católica timorense a pressionarem no sentido da divulgação, enquanto os órgãos de soberania de Timor-Leste insistem no controlo da sua difusão.
EL.
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