Coronavírus. China à beira de grave crise económica
Milhões de pessoas de quarentena e fechadas em casa praticamente em todo o país, atividade económica reduzida ao mínimo, fronteiras nacionais e internacionais encerradas. O impacto da epidemia de coronavírus na economia chinesa, a segunda maior do planeta, ainda está por avaliar, mas deverá ser profundo e atingir outras economias em todo o mundo.
As medidas de quarentena estenderam-se esta quarta-feira a várias províncias além de Hubei, epicentro do surto, atingindo até regiões industriais no nordeste, junto à fronteira com a Sibéria.
Mesmo se, de acordo com a OMS, 80 por cento dos casos de infeção pelo coronavírus se concentram na província de Hubei, os receios da sua propagação estão a levar responsáveis regionais e nacionais chineses a impor medidas draconianas que praticamente mantêm a população fechada em casa.
As licenças para os festejos do fim de ano chinês foram prolongadas até ao fim de semana, e a maior parte das empresas e fábricas deverão permanecer encerradas pelo menos até 9 de fevereiro.
A estagnação estende-se ao setor de transportes de mercadorias, o que afeta igualmente exportações e importações.
Face a eventuais perdas de milhares de milhões de dólares, várias empresas começaram a avaliar as respostas possíveis, incluindo a nível legal ou no accionamento de seguros.
"Momento de agir"
O impacto sente-se igualmente em multinacionais e no comércio de diversos bens, do crude aos aviões.
O construtor europeu Airbus anunciou que a sua linha de montagem do A320 em Tianjin, perto de Pequim, irá manter-se encerrada até nova ordem e o fabricante de artigos desportivos, Adidas, encerrou as suas lojas na China, apesar de considerar ser cedo para avaliações desta decisão no balanço da multinacional.
Também o grupo tecnológico e industrial alemão Siemens recusou avançar o impacto que a epidemia pode vir a ter na empresa.
"Nos últimos dias, o novo coronavírus ameaça transformar-se numa pandemia. Não é o momento para especular sobre o impacto da sua propagação na saúde pública e na economia nacional e global. É o momento para agir", afirmou em conferência de imprensa o presidente executivo da empresa, Joe Kaeser, ao apresentar o balanço do primeiro trimestre do seu atual exercício.
Outros, como a ministra ministra portuguesa da Agricultura, Maria do Céu Albuquerque, destacam o cenário de oportunidade que a epidemia abre.
"Acho que até pode ter consequências bastante positivas", afirmou aos jornalistas à margem de uma visita às empresas portuguesas que participam na Fruit Logistica, em Berlim.
"Não tenho dados que me permitam fazer uma avaliação", reconheceu, para acrescentar que, "atendendo a que é um mercado emergente, em crescimento explosivo, temos de preparar-nos para corresponder à nossa ambição, que é reforçar as nossas vendas e equilibrarmos a nossa balança comercial".
Incerteza
Para já, os mercados reagiram de forma positiva às medidas adotadas por Pequim para conter a epidemia e as bolsas têm negociado em alta, sobretudo a de Nova Iorque, animada pela redução do défice comercial norte-americano.
Esta quarta-feira, a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, estimou que a propagação do novo coronavírus de Wuhan traz uma "nova dose de incerteza" ao crescimento económico, numa altura em que a guerra das tarifas entre a China e os Estados Unidos estava a caminho da resolução.
São declarações que assinalam uma mudança no tom moderadamente otimista que o BCE utilizou em janeiro sobre as perspetivas económicas da zona euro, após a sua última reunião de política monetária.
O presidente da Reserva Federal, Jerome Powell, declarou há uma semana que o banco central norte-americano "está a seguir de perto" a epidemia ligada ao novo vírus, que teve origem na China e já se propagou a mais de 20 países.
"Haverá certamente implicações, pelo menos a curto prazo na produção chinesa", declarou Powell.
Setor energético apreensivo
A braços com a epidemia, Pequim tem igualmente de fazer contas à vida a nível económico.
A paralisação da produção chinesa e das deslocações já estão a levar à quebra do setor energético, uma vez que a procura por combustíveis para deslocações desceu a pique e o bom tempo que se tem feito sentir não justifica o aquecimento das casas.
Sem encomendas, Shandong, cidade que acolhe refinarias independentes responsáveis por um quinto das importações de crude chinesas, está praticamente parada, afirmaram à Agência Reuters três fontes, sob condição de anonimato.
Antes do Ano Novo lunar "conseguimos vender cargas que deverão chegar em abril, mas esta semana parou tudo", referiu um operador baseado em Singapura.
As vendas de curto-prazo à China, de petróleo e de gás liquefeito, estão praticamente paralisadas.
Vários fornecedores admitem ações legais para minimizarem as perdas. Estão também relutantes em aceitar novas encomendas, no caso dos clientes chineses declararem falência ou caso de força maior, para evitar honrar os compromissos.
Impacto em seguradoras e empresas de logística
Uma agência chinesa de comércio internacional ofereceu-se já na semana passada para passar certificados de força maior a empresas em dificuldades devido à epidemia. Até agora, foram poucas as que os pediram, mas o número poderá crescer à medida que o tempo passa e o país se mantém paralisado.
De acordo com um intermediário de crude, os certificados destinam-se a proteger os exportadores chineses e não os importadores.
"É necessário provar que, graças ao vírus, as logísticas das cargas sofreram atrasos ou foram canceladas", afirmou à Reuters sob anonimato. Os vendedores de retalho terão alguma dificuldade em provar isto, sublinhou.
As empresas exportadoras chinesas poderão igualmente preferir sofrer o impacto das perdas de encomendas em vez de arriscar perder clientes para outros locais do mundo.
A hipótese de usarem os certificados de força maior já está contudo a ser admitida por importadores chineses de gás natural. Um dos fornecedores da Corporação Nacional Chinesa de Petróleo (CNOOC), revelou que a sua firma já foi notificada de um possível caso de força maior.
A notificação terá de ser ainda ratificada por governos locais, na eventualidade de encerramento total dos terminais de entrega de crude.
Turismo parado
Outras áreas de enorme impacto económico estão igualmente a sofrer os efeitos da epidemia, incluindo o turismo e os eventos desportivos. Ambos impõem a circulação de milhões de pessoas.
Milhares de turistas chineses estão retidos em países do mundo inteiro, após o cancelamento de voos para a China. Transportadoras aéreas e aeroportos poderão ver-se a braços com pedidos de indemnização em catadupa, por parte de passageiros e de empresas.
Agências de viagens em todo a parte estão igualmente a ter de cancelar pacotes turísticos e visitas à China, num impacto ainda por avaliar.
Ao largo do Japão, por exemplo, cerca de 3700 pessoas estão retidas a bordo de um navio de cruzeiros, depois de passageiros chineses que desembarcaram em Hong Kong terem infetado 10 pessoas no navio.
Para ilustrar a dimensão da perda turística, o número de visitantes a Macau durante a chamada "semana dourada" do Ano Novo Lunar, de 24 a 31 de janeiro, desceu quase 80 por cento, em relação a igual período de 2019.
Macau. Perdas de quase dois mil milhões de euros
A região ordenou além disso, esta terça-feira, o encerramento dos casinos por duas semanas, após a confirmação do décimo caso de coronavírus.
Macau é a capital mundial do jogo e os casinos são o motor da economia macaense. Uma paragem de duas semanas, a primeira jamais registada por tanto tempo, "vai causar muitos danos económicos", reconheceu o chefe de Governo de Macau, garantindo contudo que "Macau consegue assumir esse risco".
"Algumas estimativas já vindas a público apontam para descidas de cerca de 50 por cento das receitas brutas de exploração do jogo no primeiro trimestre de 2020", afirmou por seu lado à Lusa o advogado português especialista na área do jogo, Carlos Eduardo Coelho.
Já o economista Albano Martins prevê perdas orçadas em 1,7 mil milhões de euros do PIB macaense.
"Tendo em conta o comportamento da economia em 2019, as minhas projeções apontam para perdas de 15 mil milhões de patacas (1,7 mil milhões de euros) do PIB", afirmou o economista de Macau à agência Lusa.
O encerramento dos casinos e de diversos outros locais de encontro e a paralisação de meios de transporte, a par de apelos para a populaçao se amnter em casa, provocaram uma corrida às lojas de produtos alimentares e domésticos, apesar do Governo de Macau garantir que os stocks armazenados eram suficientes para as necessidades das próximas duas semanas.
J.O. em risco?
Também no setor do desporto as consequências da epidemia já se fazem sentir.
Desde os campeonatos de atletismo em pista coberta, previstos para se realizarem em Nanjing entre os dias 13 e 15 de março, até às corridas de Formula E (elétrica) marcadas para Sanya dentro de um mês, são inúmeros os eventos desportivos já cancelados ou adiados na China.
Torneios de qualificação para os J.O. de Tóquio, nas disciplinas de basquetebol, de badminton e de boxe, foram adiados, deslocados ou remarcados. O Torneio de Golfe LPGA foi adiado um ano.
Os próprios Jogos Olímpicos, marcados para Tóquio entre 24 de julho e nove de agosto, e o Grande Prémio de Fórmula 1 de Xangai, o quarto da temporada e previsto para dia nove de abril, estão em risco.
Além do impacto da perda dos negócios permitidos geralmente neste tipo de eventos, também os custos da sua suspensão ou cancelamento terão de ser avaliados, com Pequim ou Governos regionais a arriscar o pagamento de milhões de euros em multas e compensações às diferentes federações e atletas.
C/Lusa