Caro JNSA
Vou tentar responder a algumas das perguntas que formulou, baseado na minha experiência pessoal.
1ª Quanto a esta questão devo dizer-lhe, que tirando a G-3, só disparei a Kalash. A preferida para mim (destas duas) era a Kalash. Era (é) uma arma robusta, com boa cadência tiro e leve, o que é muito importante quando se passam alguns dias no mato (normalmente 4), carregados com as munições, rações de combate e outro material. No outro tópico vou contar a minha chegada a Moçambique. Além da G-3, na instrução, quer em Mafra, quer em Vendas Novas (era atirador de artilharia), só disparei pistolas metralhadoras FBP e Uzzi e a pistola Walter. Por sinal, no dia da Uzzi íamos morrendo todos com uma rajada acidental (parece que era hábito).
2ª Quanto às metralhadoras, sempre utilizei a HK-21 porque era a que normalmente estava disponível.
3ª Nunca vi em Moçambique, pelo menos na minha zona, nenhuma viatura blindada, nem sequer uma auto-metralhadora, nem sequer ouvi falar do seu uso. Portanto não havia nenhum preferido.
4ª Pela resposta anterior depreende-se que não havia pedido de viaturas blindadas. Nós queriamos eram Berliets e mesmo estas não haviam.
5ª Quanto às armas pessoais, estávmos bem servidos com a G-3. Faltavam no entanto outras armas complementares e por vezes quando haviam, não havia munições em quantidade para elas. Nós, de armas operacinais, além das G-3 tinhamos 1 Breda, 1 MG-42, 2/3 HK-21, 2 morteiros 60 e 1 lança-granadas foguete (com 2 munições). A estória das munições contadas e justificadas é verdadeira. Todos os disparos tinham que ser justificados. Para podermos fazer tiro de reconhecimento (que era proíbido) tinhamos que poupar as munições de tiro de treino, para as podermos gastar sem justificação. O que por vezes também fazia falta era melhor apoio aéreo. Normalmente o apoio só era pedido quando havia um ataque muito grave e quando os Fiat ou os heli-canhão chegavam, já os guerrilheiros estavam a milhas de distância. No entanto, houve casos de ataques a colunas, que só foram contidos com o apoio dos Fiat.
6ª As forças de polícia militar tinham um importante factor de união, isto é, sempre que apareciam, acabavam as rivalidades e eram todos contra eles. Fora destas actividades, tive bastantes contactos com uma companhia da PM, da Beira, que fazia a escolta às cargas críticas para Cabora Baça. As cargas críticas eram por exemplo as turbinas, etc. estas cargas vinham de combóio desde a Beira até Moatize, onde eu estava, e depois seguiam por estrada até Cabora Baça. Quem escoltava as cargas era uma companhia da PM, sediada na Beira, e tanto quanto me lembro, fazia um bom trabalho. Como pernoitavam no meu quartel, enquanto estavam em Moatize, vía-os frequentemente e fiz alguns bons amigos. Um dos alferes agora é médico em Serpa.
7ª Tive contacto com Fuzos, Páras e Comandos. Devo dizer que fiquei sempre com muito boa impressão dos Pára-Quedistas, salvo erro, do BCP 31 da Beira. Eram impecáveis no trato e muito competentes. Houve uma altura em que eles ficaram estacionados durante muito tempo na picada Moatize-Zobué e nós faziamos os possíveis para pernoitarmos no acampamento deles, pois sabíamos que íamos ser bem recebidos, com comida quente, bebidas e uma bela lerpa. Eram os nossos preferidos.
Eu pessoalmente, tive contactos com os Fuzos do destacamento de Tete, porque a partir de certa altura, passámos a ter um destacamento no aldeamento do Sungo, na margem do Zambeze, e na época das chuvas era impossível reabastecer o destacamento por terra, só o podíamos fazer de heli ou por lancha da marinha, descendo o Zambeze. Devo dizer que as duas descidas que fiz, foram as viagens mais incríveis que fiz em toda a minha vida. Só graças ao alto profissionalismos dos tripulantes da lancha (era uma lancha de desembarque das mais pequenas, talvez uma LDM) era possível navegar no rio. Havia zonas em que o fundo da lancha batia no chão, noutras tinha que ser puchada à mão com cordas, das margens. Incrível.
Quanto aos comandos, os contactos que tivemos foi com só com companhias de Moçambique, de Monte Buez, e eram um bando de desordeiros, indisciplinados que chegaram inclusivamente a urinar e defecar na piscina, em frente a toda a gente. Operacionalmente não fizeram nada. Eles e os pára eram o 8 e o 80. Na altura dizia-se que os comandos da metrópole eram completamente diferentes, mas isso eu não posso testemunhar pois não tive contactos com eles.
Cumptos