Do Público:
"Acabou-se a troca de couves por armas", diz Santos Silva
Ministro da Defesa quer rever contrapartidas em atraso
21.12.2009 - 07:36 Por Lurdes Ferreira
A nova directiva comunitária para as compras de equipamentos e serviços de defesa e segurança vai alterar o modelo de contrapartidas das aquisições de equipamento militar e servirá também de referência, antes de transposta, à revisão dos contratos hoje em incumprimento, revelou o ministro da Defesa, Augusto Santos Silva, em declarações ao PÚBLICO.
A directiva foi publicada em Julho, deve ser transposta para o direito nacional em 2011 e confirma o sentido dado à revisão do contrato com os italianos da Agusta Westland, no ano passado, por causa dos atrasos com as contrapartidas dos helicópteros EH-101. O ministro ilustra a mudança em perspectiva com uma caricatura de um processo do qual o país tem saído perdedor: "Acabou-se a troca de couves por armas".
A nova lei europeia vai obrigar Portugal a concentrar as futuras contrapartidas no sector da defesa, excluindo outros sectores até abrangidos nestes processos. Ou seja, todas as grandes compras de equipamento militar que o Governo fizer após 2011 vão beneficiar empresas como a OGMA, os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, a EID e a Critical Software, entre outras.
Automóveis excluídos
Por áreas, a partir de 2011, a prioridade será dada à construção naval militar, aeronáutica, comunicações e informações. A indústria automóvel - abrangida pelo pacote de contrapartidas da compra dos submarinos alemães e com resultados controversos - deixa de entrar nestes processos.
Face ao futuro sistema europeu de compensações, o Governo português diz que os "projectos comerciais" indirectos com os sectores civis serão substituídos por "parcerias industriais" de crescente incorporação nacional e com transferência de tecnologia, ligadas aos equipamentos pretendidos. Tanto as contrapartidas pela compra dos veículos blindados como a renegociação do contrato dos helicópteros EH-101 seguem já esta perspectiva.
Ao nível da União Europeia, o objectivo é impulsionar a construção de uma base tecnológica e industrial de defesa competitiva, a partir dos países-membros. "A constituição progressiva de um mercado europeu de equipamentos de defesa é indispensável ao reforço da base industrial e tecnológica de defesa europeia e ao desenvolvimento das capacidades militares necessárias à aplicação da Política Europeia de Segurança e de Defesa", lê-se na directiva.
Para Portugal, trata-se de elevar a base desta sua indústria e chegar, a prazo, aos contratos de primeira linha. O Governo promete que o lançamento do programa de modernização dos C-130, os aviões de transporte estratégico, considerado prioritário à luz dos requisitos do céu único europeu, será o primeiro a alinhar oficialmente pelas novas regras e a tentar valorizar a capacidade industrial instalada no sector aeronáutico, através da OGMA. Santos Silva vê esta empresa como estruturante na formação do cluster aeronáutico nacional e onde entram duas novas unidades previstas para Évora. Os brasileiros da Embraer são os principais accionistas da OGMA e donos das duas fábricas a nascer no Alentejo.
Esta opção implica, por outro lado, captar mercados que alimentem a nova indústria. Santos Silva admite que foi há uma semana à Argélia à procura de uma parceria para a manutenção e modernização aeronáutica "com outro fôlego e valor acrescentado". Argel, cujos C-130 já chegaram a passar pela OGMA, vai também modernizar os seus aparelhos.
O sentido político principal das novas regras é "dar mais um passo para estender às áreas da defesa os princípios de liberdade de comércio e não discriminação do Mercado Único", embora não acabe com as contrapartidas. "A directiva continua a deixar a cada Estado-membro a liberdade para legislar sobre esta matéria desde que não viole o direito da concorrência. Não ficamos obrigados a desistir das contrapartidas, temos é mais uma oportunidade para reconfigurar o processo", diz.
O desafio estará em, por exemplo, construir a fileira aeronáutica em Portugal, respeitando a lei da contratação pública e a legislação comunitária, reconhece o ministro, aproveitando, ao mesmo tempo, o facto de os tratados europeus darem um tratamento de excepção ao sector da segurança e defesa. Sector que, diz, "tem especificidades que fazem com que não possa funcionar plenamente como área normal de aquisição e venda de bens".
Contrapartidas
Contrapartidas são compensações oferecidas pelo vendedor ao comprador. Nas compras militares, surgem para corrigir a assimetria económica causada por estas operações e são ponto de tensão entre países fornecedores, de um lado, e compradores, do outro.
Tradicionalmente, são promessas de novos negócios e exportações às empresas, directa ou indirectamente ligadas à defesa. O modelo, dominante em Portugal, não resultou. Outros países anteciparam o modelo de parceria industrial, utilizado no trabalho desenvolvido no último ano pela Direcção-Geral de Armamento e Equipamentos de Defesa.
http://www.publico.clix.pt/Pol%C3%ADtic ... so_1414813Comentário: quando se anda a transferir soberania para a burocracia europeia e não há a mínima intenção de defender os interesses nacionais, acontecem destas. Para nossa desgraça, continuamos bons alunos de Bruxelas.
É claro que o artigo no Público foge do cerne da questão e limita-se a reproduzir a propaganda da banha da cobra do governo, com baboseiras sobre a "fileira aeronáutica de Portugal".
A partir de agora, as contrapartidas de compras militares só podem incluir outros produtos militares. A indústria civil fica de fora. E como fará um país que, na prática, não tem indústria militar (rebentámos com a pouca que tínhamos) e que tradicionalmente compra equipamentos a países autosuficientes em matéria de defesa? Resposta: não faz; deixam de haver contrapartidas.
Um exemplo: imaginemos que compramos uma esquadrilha de Eurofighter. O que é que o Reino Unido, a Alemanha, a Itália ou a Espanha vão comprar em Portugal, no valor de milhares de milhões de Euros? NPOs, que eles também fazem? Material de comunicações e software, que eles também fazem? Os aviões montados nas OGMA, controladas pela Embraer, um concorrente da EADS? Nunca! Ficamos a zero.
Se com produtos civis (cargueiros construídos nos ENVC, por exemplo) as contrapartidas até agora têm funcionado mal, nunca poderão funcionar com produtos militares.
É óbvio que esta lei da UE é feita à medida dos grandes países como a Alemanha e França. Resta-nos comprar equipamento fora da UE, e aí sim ter condições para realmente negociar contrapartidas. Caso contrário, é só dinheiro a sair do país sem qualquer compensação para a nossa indústria.
Mais uma vez burlados, com a cumplicidade de quem nos governa.
JQT