Os problemas com o armamento e com o material na Ucrânia tem sido muito debatido, ninguém fala do factor humano deste conflito... como se as vidas e os problemas dos milhares de homens envolvidos não contasse para nada...no entanto o factor "homem" é o mais importante, o mais critico.
Se do lado russo existem muitos refratários ao serviço militar ,(como aconteceu no Vietname ou na nossa guerra do Ultramar ou em qualquer guerra) facto que é largamente mencionado nos media, ... do lado ucraniano o problema é ainda mais grave. Mesmo entre as unidades de elite como os paraquedistas tem havido múltiplos incidentes entre os soldados e os comandantes ; segundo a lei ucraniana um soldado não se pode render ou abandonar o combate sem autorização superior o que não impede que unidades inteiras cessem os combates por falta de meios de o continuar.
O problema é tão grave que recentemente uma deputada ucraniana propôs no parlamento uma lei que autoriza um oficial a executar sumariamente um soldado que abandone o combate ; esta proposta de lei foi recusada mas revela o estado de espirito reinante.
O fornecimento de armas sofisticadas à Ucrânia, (armas estas que, para serem eficazes, exigem meses de treino) permite prolongar, em teoria, este conflito mas o elo mais fraco não reside, na minha opinião, no "factor material" mas sim no "factor humano". As unidades territoriais destinadas à defesa da aldeia ou da cidade de residência, são cada vez mais enviadas para a frente, funcionando como unidades de choque... quando não estão minimamente treinadas nem equipadas para esse tipo de missão.
A severidade das condições de vida no terreno, a falta de treino e de equipamento e o stress de guerra provocado pelo horror dos combates são o preambulo de uma desmotivação que tende a generalizar-se entre os combatentes ucranianos.
O recurso a mercenários não tem resolvido o problema da falta de combatentes motivados ! Mesmo os mais endurecidos desistem ao cabo de algumas semanas.
Com uma população de 40 M de habitantes, seria de esperar uma capacidade de mobilização de 4 000 000 (10% da população) de soldados de primeira linha, o que em teoria faz muita gente apta para combater ... mas estarão estes 4 000 000 dispostos a lutar e eventualmente a morrer, como afirma o discurso do regime ?
Comentei sobre isso lá atrás, mas no meio de videos inocuos da maquina de propaganda dos dois lados, qualquer discussão fica enterrada em palha e esterco.
O ponto mais fraco desta trapalhada é o factor humano ucraniano e vou tentar expor a forma como vejo isto.
Os russos cometeram um grave erro inicial, de exclusiva responsabilidade politica, que foi a ideia que avançando rapidamente e colocando pressão nos grandes centros urbanos e capital, o governo ucraniano cederia ou, pelo menos os sectores mais conscientes da estrutura civil e militar, iriam tomar o poder e ceder ao que os russos consideram um interesse vital.
Deu no que deu, mostrou toda uma série de fragilidades no conceito de BTG quando não se dota todo o organismo com os numeros necessários a uma missão desta envergadura. Claramente não é com menos de 200 mil efectivos que se toma de assalto um país do tamanho da Ucrania, para mais quando não se amaciou o IN logo de inicio, com ataques a casernas e quarteis e com uma campanha de amaciamento tipo a que fizemos na Sérvia ou no Iraque. Mesmo assim vejam os efectivos que tivemos de empenhar em ambos os casos para conseguir o controlo de território. Também reforçou a ideia que entrar por um país adentro, ir direito à capital, ocupar a mesma e declarar vitória, tipo o que os russos fizeram no Afeganistão e nós também no Afeganistão e depois no Iraque, é a receita para uma longa e penosa guerra de atrito até à derrota.
Os russos adaptaram as tacticas e mudaram para o patamar acima, deixando de ser o BTG e concentrando a nível de brigada. Também perceberam que guerra de manobra com tão poucos efectivos não é exequivel devido à incapacidade de proteger os flancos e colunas logisticas, assim como não lhes permite ter reservas o suficiente para explorar de forma eficaz os rompimentos.
Por isso optaram, obrigados é certo, por esta técnica de concentração de poder de fogo e de garantir que os flancos estão sempre cobertos por forças amigas com avanços limitados mas seguros. E está a ser uma autentica maquina de moer carne no que toca a dilacerar o potencial humano das FA ucranianas. essas estando praticamente imobilizadas desde o inicio do conflito, em que a sua capacidade de exercer manobras combinadas ou mesmo qualquer manobra que não seja de caracter tacticamente irrelevante, limitam-se a fixar-se em zonas urbanas e industriais e servir de receptores aos obuses e misseis russos e é aí que entra a minha ideia de ponto fraco.
Os ucranianos ficaram sem equipamento e com a fábricas e capacidades logisticas arrasadas, logo dependentes do fluxo de equipamento ocidental.
Os russos perceberam que o fluxo de material ocidental dura o tempo que nós, no Ocidente, estivermos dispostos, logo teoricamente quase infinito, mas que a reserva de carne para operar esse equipamento é bem finita e quantificável.
Garantindo que todo e qualquer um idiota/corajoso/lavado do cérebro o suficiente para pegar numa arma contra os russos, o irá fazer do lado oposto de uma linha bem demarcada onde vai servir de saco de adubo, vai garantir que a memoria colectiva desta guerra fica gravada pelo enorme numero de presuntos que custou serem tolos e é de bom tom que deixem "zelinho e sus muchachos" irem embora depois de isto terminado, para que gozem uma boa vida no Ocidente, cheios de regalias e mordomias e todos vejam o que acontece a quem segue esses gajos e o que acontece aos gajos.
Neste momento, como eu vejo as coisas, para os russos o objectivo é matar o mais possível de ucranianos que não se rendam. Matar e matar e rematar os gajos se possível. Os mortos não embarcam em guerrilhas, não causam protestos nem terão de ser sustentados pela Rússia quando ela acabar de atingir os objectivos a que se propõe ali (os grandes objectivos são outros e noutro patamar).
Ou seja, estão a fazer ali aquilo que deveriamos ter feito nas nossas guerras de "libertação e democratização". Quanto aos 4 milhões de potenciais presuntos, e logistica para isso? Vestir, alimentar, treinar e armar essa malta? Não existe, nem é exequivel agora.