Discutir o nuclear
Francisco Ferreira da Silva
A energia nuclear tem sido vista como algo impróprio, cuja implantação em Portugal nem sequer admite discussão. Os fantasmas de Three Miles Island e, sobretudo, de Chernobyl ainda hoje assustam muita gente e lançam uma cortina de dúvidas sobre a segurança das centrais nucleares.
Mas a crise económica e, principalmente, o aumento exponencial do preço do petróleo e do gás natural há um ano levaram as pessoas a pensar que é necessário reflectir sobre todas as formas de energia que permitam diminuir a dependência energética do país, superior a 80%, em relação aos combustíveis fósseis.
As energias renováveis têm vindo a desenvolver-se. Portugal está na linha da frente em matéria de eólicas e até possui a maior central de energia solar da Europa, em Moura, no Alentejo. Além disso, o Governo apostou num plano de construção de novas barragens. Ainda assim, é reconhecido que o problema energético nacional não ficará resolvido, sobretudo se os preços do petróleo e do gás natural voltarem a subir nos mercados internacionais e dado que o País está a braços com um défice tarifário de dois mil milhões de euros. Um panorama que se agravará se os carros eléctricos vingarem e começarem a ser uma alternativa viável aos actuais veículos a gasolina, gasóleo ou gás.
Por isso, o debate sobre a energia nuclear está a renascer na Europa e, agora, também em Portugal. Países que tinham imposto moratórias sobre este tipo de energia, como a Itália ou a Suécia, estão a ponderar construir novas centrais nucleares e o Reino Unido divulgou há dias uma lista de onze locais onde poderão ser construídos novos reactores. Com o passar do tempo, a discussão sobre a energia nuclear perdeu os contornos marcadamente políticos que tinha e passou a estar mais centrada nos argumentos técnicos, científicos e, naturalmente, económicos.
A energia nuclear é responsável pela produção de cerca de 15% da electricidade mundial, valor que sobe para 31% na Europa. Muitos países têm novos reactores em construção, projecto ou estudo e o problema da sua utilização para a produção de armas nucleares está hoje praticamente posto de parte, salvo nos casos específicos do Irão ou da Coreia do Norte. Aliás, o presidente da Sociedade Portuguesa de Física, Augusto Barroso, afirma que não é necessário ter uma central nuclear para construir uma bomba atómica, basta ter dinheiro e vontade. Assim, as questões que agora se levantam dizem respeito, maioritariamente, ao custo, segurança, tratamento e armazenamento dos resíduos nucleares.
Vale, ou não, a pena construir uma ou mais centrais nucleares em Portugal? Esse investimento será compensador? Haverá locais onde possam ser construídas, tendo em vista a elevada sismicidade do País? Teremos técnicos capazes e em número suficiente para operar equipamentos desse tipo? A transparência, o confronto de ideias e a informação não fazem mal e nunca serão demais. Por isso, a conferência de ontem do Diário Económico e o jantar-debate da Ordem dos Engenheiros devem servir como catalisadores para um debate mais aprofundado sobre o sim ou não, esclarecido, à energia nuclear em Portugal. Num país com tantos problemas, será mesmo irresponsável fugir à discussão deste tema.
Diário Económico