Excerto d Artigo de opinião: Jorge Silva Paulo, Capitão de Mar e Guerra reformado e Doutor em Políticas Públicas.
28.10.2021.
Não Aprenderam Nada: Gouveia e Melo, outro Menino-de-Oiro.
Em seis meses, os media em uníssono fizeram do vice-almirante Gouveia e Melo (GM) um menino-de-oiro.
Em primeiro lugar, GM não vacinou os portugueses, nem sequer é responsável pela elevada taxa de vacinação dos portugueses. GM foi coordenador – isto é, nem sequer foi chefe – da task force, que reuniu técnicos de vários ministérios. GM não aprovou as vacinas, não decidiu a compra das vacinas, não comprou as vacinas, não elaborou o plano de vacinação e não aplicou as vacinas. GM teve um cargo administrativo e coordenou um grupo de pessoas que executou o plano de vacinas. GM teve um encargo logístico, de distribuição das vacinas onde elas foram aplicadas. O planeamento coube ao Kaizen Institute.
Segundo, apesar de ser coordenador da task force, foram atribuídos recursos a GM, incluindo militares, na sua dependência hierárquica e de que não se sabe ao certo o que fizeram (para lá de seguirem o que sobre ele se dizia nas redes sociais e nos media tradicionais)....
Terceiro, apesar de ser só um coordenador administrativo, GM teve uma presença constante nos media, tantas vezes mais destacada do que os responsáveis políticos. Aliás, é de realçar que os media estavam sempre à espera de GM onde este ia. Não custa perceber como, dadas as ligações de GM aos media, desde que foi porta-voz da Armada. Não surpreende, pois, que a foto final divulgada seja só de militares, todos vinculados a uma reserva, isto é, à “lei da rolha”. Desta forma, só se sabe o que GM quer que se saiba.
Quarto, a promoção mediática de GM assentou especialmente em entrevistas. Poucos notaram o óbvio: se GM não gosta de falar dele, não fale e não se exiba – se dá entrevistas, pode dizer que não gosta, mas não é sincero. Também disse que não se considera um “salvador da pátria”, mas a sua afirmação de que “Este país eram anos para endireitar” mostra que não foi sincero. Estas dissonâncias foram ignoradas pelos media nas entrevistas e perfis....
Quinto, em 2015, GM inventou uma violação de segredo de Estado, e acusou dela um cidadão, sem qualquer fundamento como revelou a conclusão de “inexistência de crime” no inquérito do Ministério Público. Tinha certezas na acusação, mas chamado a tribunal a justificar-se, invocou que eram só suspeitas. E assim ficou patente a honradez, a seriedade e a coragem de GM.
Sexto, o dito cidadão foi ainda acusado, por duas vezes por GM, de difamação da Armada e dos seus oficiais. GM em tribunal e num inquérito declarou que “o CEMA se viu obrigado, por questões institucionais e éticas” a processar quem prejudicasse a imagem da Armada (os inquéritos foram arquivados); e GM, seu chefe de gabinete, secundou-o como principal testemunha. Ficou assim patente a ausência de limites morais de GM, para agradar a quem o pode beneficiar; e ainda a sua intolerância face a vozes dissonantes, algo que orienta os militares mais modernos, enquanto ele estiver no ativo.
Sétimo, em 2016, um vice-almirante titular de órgão superior da Armada foi exonerado, por uma alegada “conspiração de almirantes”, afirmada por um jornalista cujas ligações a GM eram faladas; o jornalista afirmou em tribunal que as suas fontes eram ao mais alto nível da Armada. O referido vice-almirante, depois de recorrer aos tribunais, viu anulada a sua exoneração...... De facto, GM foi um dos dois únicos que beneficiaram da exoneração daquele vice-almirante. De novo, ficaram patentes a honradez e os métodos ínvios de GM.
Oitavo, ainda em 2016, o gabinete do comandante da Armada, chefiado por GM, emitiu uma nota à imprensa na qual insinuava que havia um vice-almirante corrupto. O oficial visado processou GM e o comandante da Armada por calúnia e difamação; foram acusados pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Tão seguros estavam da sua inocência, que os acusados evitaram o julgamento a todo o custo, e fizeram um acordo em que se retrataram. GM e os seus apoiantes, em especial os jornalistas, invocam que GM não foi condenado; o que não dizem é que não foi ilibado, e esta dúvida fica para sempre, pois só um tribunal pode ilibar da acusação. De novo, GM faz ou sugere acusações falsas, a que tenta escapar em tribunal... Vêm à ideia as denúncias mediáticas que fez de alegadas irregularidades na vacinação, mas cujo arquivamento não tem impacto mediático nem afetam GM..
Nono, no bizarro episódio relativo à exoneração do almirante Mendes Calado como comandante da Armada, foi ensurdecedor o silêncio de GM. Face ao tratamento indigno e inaceitável que o Governo deu ao almirante Calado, o que se espera de qualquer militar com elevados padrões morais é uma expressão pública de solidariedade; e do indigitado para lhe suceder, é de esperar que rejeite o cargo por indignidade no processo. Mas com câmaras e microfones sempre abertos para GM, e até promoção nos espaços mediáticos cor-de-rosa (diz que não gosta de falar de si próprio…), GM optou pelo silêncio neste ponto. E o que alguns escolhem comentar é a fuga de informação, como se algo neste processo devesse ser escondido dos portugueses. Já se sabe que GM sabia o que se estava a passar. Ficou claro que a sua ambição de poder, se sobrepõe às virtudes e aos deveres militares de lealdade e de respeito.
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Talvez alguém tenha concebido este esquema para que se revelasse a fibra dos envolvidos: o almirante Calado mostrou nobreza e sangue-frio, e assim mostrou estar acima da desconsideração de que foi alvo. GM mostrou o que tantos sabemos há décadas, mas que uma campanha mediática tenta branquear: para GM, os seus fins justificam os meios.
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Importa ainda notar que além do disparatado e inaceitável processo de exoneração do almirante Calado e do silêncio de GM, está longe de ser óbvio que GM é a melhor escolha para comandar a Armada. Todos os vice-almirantes no ativo têm vantagem sobre GM nos pontos fundamentais: a nenhum se podem apontar falhas morais, ou nas virtudes militares; têm uma experiência profissional militar-naval diversificada e muito mais rica, essencial para altos funcionários do Estado; conhecem e dominam a legislação relevante; privilegiam a conduta de rigor e discrição, em vez do exibicionismo ou do uso dos media para fins pessoais; não foram acusados em processos criminais, e ainda menos está em dúvida se seriam ilibados em tais processos.
Com GM a comandar a Armada, os órgãos de soberania eleitos mostram que a competência profissional-militar é secundária face à promoção mediática. É uma forma eficaz de destruir as FA, e é chocante ver tantos militares encantados com ela.
Fim d excerto d Artigo de opinião de
Jorge Silva Paulo, Capitão de Mar e Guerra reformado
e Doutor em Políticas Públicas.