Apagão. Tapada do Outeiro recebe 8.200 euros por cada "arranque" da rede com gás naturalA investigação sobre as causas do apagão será conduzida por um painel de peritos de vários países. O relatório final terá de ser divulgado, no máximo, até 30 de setembro de 2026, com as razões do incidente e as recomendações baseadas nas conclusões do inquérito.

Já classificado pela Rede Europeia de Operadores de Redes de Transporte de Eletricidade (ENTSO-E) como um incidente de nível 3 - o mais grave da escala de classificação internacional - o apagão registado no dia 28 de abril em Portugal e Espanha será alvo de uma investigação a nível nacional e a nível europeu. Segundo a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), tratou-se de uma "interrupção generalizada no fornecimento de eletricidade na Península Ibérica", sendo que algumas áreas em França próximas da fronteira também foram afetadas, embora por um período muito curto.
Por se tratar de um "incidente de grande impacto e que envolveu diversos sistemas elétricos europeus", as regras de Bruxelas sobre operação de sistemas de transporte de eletricidade prevêem a formação de um painel de peritos de vários países para investigar o que realmente aconteceu.
Para já sabe-se que, na sequência do apagão, a REN fez a reposição integral da Rede Nacional de Transporte de eletricidade cerca das 23h20 a partir das centrais com capacidade de arranque autónomo ("blackstart") de Castelo de Bode (central hidroelétrica) e da Tapada do Outeiro (central de ciclo combinado a gás).
"Os contratos de prestação do serviço de "blackstart" com estas centrais foram celebrados, assumindo um custo pelo serviço de arranque autónomo de cerca de 240 mil euros por ano, no caso de Castelo de Bode e 8.200 euros por arranque, a que acresce o gás consumido a preço de custo, no caso da Tapada do Outeiro", refere a ERSE num documento publicado esta segunda-feira.
Depois do país ter estado 12 horas sem luz, o Governo anunciou que quer atribuir às centrais hidroelétricas do Baixo Sabor e do Alqueva a mesma função de "arranque autónomo" da rede elétrica nacional. Ao Negócios, fonte do ministério do Ambiente e da Energia revelou que esta decisão do Governo representará um custo extra de perto de 1,7 mil milhões de euros por ano (8,5 milhões em cinco anos de contrato, a partir de 2026): 1,1 milhões para a central do Alqueva (5,5 milhões, no total) e 578 mil euros para o Baixo Sabor (2,89 milhões).
Quanto às duas centrais que neste momento já fornecem à rede este serviço de "black start" - a central a gás natural da Tapada do Outeiro, em Gondomar (distrito do Porto), e a hidroelétrica de Castelo de Bode, nos concelhos de Tomar e Abrantes (distrito de Santarém) - estas custam anualmente 20,4 milhões de euros e 240 mil euros, respetivamente.
No caso da Tapada do Outeiro, o custo é substancialmente mais elevado (1,7 milhões de euros por mês), sendo que a esmagadora maioria deste valor não é para pagar a capacidade de "arranque autónomo", mas sim porque se trata de uma central térmica com garantia de potência, ou seja, que tem de estar sempre em prontidão para entrar em funcionamento e garantir o fornecimento de energia à rede.
A Central da Tapada do Outeiro concluiu o seu Contrato de Aquisição de Energia (CAE) em março de 2024 e desde essa data apenas opera se for necessário, mas sempre fora de mercado. Ou seja, a central é mantida operacional através de um contrato específico e só pode operar como último recurso, apenas em condições de necessidade absoluta de gestão da rede, sendo que nos ativos que devem ser mantidos operacionais incluem-se então os equipamentos para cumprir a função de "blackstart".
O Governo anunciou também que quer vai prolongar o serviço "blackstart" da central da Tapada do Outeiro até 2030. Em fevereiro a ministra já tinha decidido que a central a gás teria esta função por, pelo menos, mais um ano, até março de 2026, já que o contrato iria terminar no final de março de 2025. "Se há ilação que já podemos tirar é que a central da Tapada do Outeiro e a de Castelo de Bode são insuficientes para habilitar o sistema a um reinício numa situação de crise como vivemos. Insuficientes do ponto de vista da rapidez", disse Luís Montenegro.
Relatório final do apagão terá de ser entregue até 30 de setembro de 2026
Quanto às origens do apagão, ainda vai demorar um pouco até serem conhecidas, diz a ERSE. A partir de agora a investigação será conduzida por um grupo de peritos de acordo com a "Metodologia da Escala de Classificação de Incidentes" da ENTSO-E, que entretanto já contactou a Agência de Cooperação dos Reguladores de Energia (ACER) e os reguladores nacionais para nomearem os seus representantes no painel de peritos relativo ao incidente.
O painel de peritos integrará: um líder (a ENTSO-E nomeará um representante de um Operador da Rede de Transporte (ORT) não afetado pelo incidente como líder do painel de peritos, para garantir a neutralidade da investigação); representantes dos operadores afetados pelo incidente - REN e Red Eléctrica (REE) - e, se necessário, do CORESO - Centro de Coordenação Regional para o Sudoeste Europeu; alguém do Steering Group ICS (outros operadores não envolvidos diretamente); e ainda pessoas da ACER e das entidades reguladoras nacionais.
"O painel de peritos investigará as causas do incidente, elaborará uma análise exaustiva do ocorrido e formulará recomendações num relatório final que será publicado pela ENTSO-E. Antes disso, publicará um relatório com todos os detalhes técnicos sobre o incidente", explica a ERSE.
Quanto ao cronograma da investigação, após a recolha de dados, até 28 de outubro (seis meses após o apagão) o painel de peritos elaborará o referido relatório factual, sendo que o documento final terá de ser divulgado, no máximo, até 30 de setembro de 2026, explicando: as conclusões e as explicações das razões do incidente e as recomendações baseadas nas conclusões do inquérito.
Em Portugal, a entidade que define as regras, metodologias e responsabilidades na elaboração de planos de preparação para riscos no setor da eletricidade, face a cenários de crise de eletricidade regionais, incluindo a adequação e a segurança do sistema elétrico nacional, é a DGEG.
A ERSE, por seu lado, é responsável por aprovar o Regulamento da Qualidade de Serviço, que permite aferir o cumprimento das obrigações de continuidade de serviço por parte dos operadores das redes de transporte e de distribuição de eletricidade. Se estas não forem cumpridas há consequências ao nível da remuneração.
No âmbito deste regulamento, os operadores das redes elétricas estão obrigados a comunicar à ERSE (preliminarmente em três dias e de forma final em 20 dias) todos os incidentes que resultem na interrupção do fornecimento de energia elétrica com impacto superior a 50 MWh de energia não fornecida ou não distribuída, por se tratarem de "incidentes de grande impacto".
"O apagão de 28 de abril de 2025 é, indiscutivelmente, um incidente de grande impacto", garante o regulador.
Quem paga a energia que ficou por produzir e consumir a 28 de abril?
O regulador português alerta ainda para outras consequências do apagão, que ainda estão a ser resolvidas. Nomeadamente no que diz respeito à descontinuidade do funcionamento do mercado grossista ibérico, "nomeadamente a forma como se efetua a liquidação (pagamentos e recebimentos) da energia que foi transacionada para dia 28 de abril e não foi produzida e consumida".
Para isso, a ERSE - com a entidade reguladora espanhola (CNMC), a Agência Europeia para a Cooperação dos Reguladores de Energia (ACER), o operador de mercado diário (OMIE), a REN e a Red Eléctrica de Espanha - está já a atuar para definir os procedimentos a adotar para a liquidação dos mercados de energia e os respetivos acertos.
"É necessário articular as regras a aplicar nas transações entre países, por exemplo, entre Portugal e Espanha, assim como entre Espanha e França", diz o regulador. Por seu lado, o OMIE já informou os agentes de mercado da natureza provisória
das liquidações, até que se estabeleça uma metodologia admissível nas regras europeias para efetuar a liquidação final de valores.
"Espera-se que a metodologia a aplicar às liquidações finais se possa estabelecer a muito breve prazo, salvaguardando a reposição dos equilíbrios financeiros que o apagão de 28 de abril afetou", remata.
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