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Tema: Eleições legislativas em Portugal
Resumo: As eleições legislativas em Portugal abrem um novo ciclo político, tanto interno como em termos de relações externas. Pese a ausência da política externa, de uma forma geral, na campanha eleitoral, o facto é que o país terá que enfrentar grandes desafios na frente externa, agora com uma legitimidade interna acrescida.
Análise: O resultado das eleições de 20 de Fevereiro marca uma viragem significativa no panorama político português. Pela primeira vez o Partido Socialista consegue a maioria absoluta dos lugares na Assembleia da República, existindo simultaneamente um reforço significativa das formações políticas mais à esquerda no espectro político, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda. Quanto à direita, destaca-se a grande descida dos dois partidos que compunham a coligação que governava o país desde 2002, o Partido Social Democrata e o Partido Popular.
A política externa foi a grande ausente do debate eleitoral em Portugal. Com a excepção de algumas referências – mesmo assim breves – ao Pacto de Estabilidade, sobretudo tendo em conta que a situação económica dos últimos três anos foi sempre apresentada pelo Governo precisamente como consequência da necessidade de sanear as contas públicas para cumprir as metas do Pacto, a actuação externa de Portugal não foi uma «frente de batalha» entre as forças políticas. Esta ausência deve-se essencialmente a dois grandes motivos: por um lado, a própria situação política interna do país, uma vez que estas foram eleições antecipadas, fruto da crise provocada pela saída de Durão Barroso para a presidência da Comissão Europeia, a subsequente tomada de posse de Pedro Santana Lopes como primeiro-ministro e a posterior decisão do Presidente da República, Jorge Sampaio, de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições. Em segundo lugar, o facto de existir, um consenso entre os dois principais partidos – o Partido Socialista e o Partido Social Democrata – relativamente à União Europeia, se bem que com nuances, em relação ao jogo europeu.
Encontram-se em todos os partidos políticos vozes discordantes em relação às linhas da política externa portuguesa, nomeadamente quando se trata de questões relacionadas com o aprofundamento da integração europeia, mas a oposição mais activa está concentrada em partidos colocados mais nos extremos do espectro político, tanto à direita como à esquerda. De qualquer forma, o referido aumento da representação parlamentar dos dois partidos mais à esquerda não tem uma relação directa com as suas posições em relação à União Europeia, pelo que não deverá condicionar a actuação do Governo. Assim sendo, o que esperar dos próximos quatro anos, com um governo liderado pelo Partido Socialista, apoiado numa confortável maioria parlamentar?
Essencialmente, espera-se um regresso de Portugal ao centro dos debates europeus, por duas razões. Em primeiro lugar, porque o triplo desafio que constitui a negociação das perspectivas financeiras para 2007-2013, a revisão do Pacto de Estabilidade e a Estratégia de Lisboa é, por si só, extremamente exigente e requer toda a atenção por parte das autoridades portuguesas. A estratégia passa por relacionar os três dossiers, fazendo com que a definição das perspectivas financeiras e a revisão do Pacto de Estabilidade sejam feitas em função dos objectivos da Estratégia de Lisboa. Trata-se não só de um debate vital para o próprio futuro europeu– afinal, concretizar os objectivos expressos na Estratégia de Lisboa, de fazer da Europa o espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo, baseado no conhecimento e capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos e com maior coesão social – mas também para o desenvolvimento económico de Portugal. Aliás, a inovação e a criação de emprego foram dois dos aspectos centrais da campanha eleitoral do Partido Socialista, o vencedor das eleições do passado dia 20 de Janeiro. Será, assim, de esperar, um empenhamento redobrado de Portugal no cumprimento das metas traçadas pela Estratégia de Lisboa, que servirá também os interesses de aumento do emprego e de crescimento da economia portuguesa, igualmente vital para o processo de saneamento das contas públicas e para a redução do défice orçamental.
Em segundo lugar, espera-se que o governo do Partido Socialista regresse a uma política activa e determinada no seio dos 25. A posição de Portugal na União Europeia pode, de uma forma muito esquemática, resumir-se em três grandes etapas. Desde a adesão até 1995 (o primeiro governo socialista de António Guterres) foi a chamada fase do «bom aluno», uma fase em que Portugal se mantinha muito reticente em relação à Europa política, pouco participativo na cena internacional e (demasiado) concentrado apenas na dimensão económica da integração europeia. De 1995 a 2002, foi o tempo da maturidade e da participação plena de Portugal em todos os domínios da integração europeia, incluindo a política externa e de defesa, com a participação nas missões na Bósnia e no Kosovo.
De 2002 a 2005, a política externa portuguesa ficou marcada sobretudo pela posição em relação à guerra no Iraque, que marcou, de facto, algum afastamento em relação às posições assumidas pela maioria dos Estados membros e, ainda mais importante, pela esmagadora maioria dos cidadãos europeus, incluindo os portugueses. O Partido Socialista opôs-se ao apoio dado pelo governo de Durão Barroso à posição de George W. Bush e ao subsequente envio de forças da Guarda Nacional Republicana (GNR) para Nassiria, se bem que realçando sempre a necessidade de cumprir os compromissos assumidos pelo Estado português. O ultimo destacamento da GNR regressou ao país no início de Fevereiro e José Sócrates, o futuro primeiro-ministro, declarou então publicamente que não enviaria militares portugueses para o Iraque, sustentando a necessidade de integrar futuras missões portuguesas no quadro da União Europeia: «Portugal pode e deve integrar-se na estratégia europeia e deve estar apenas em tudo o que seja definido pela Europa no que diz respeito ao apoio político à reconstrução, mas não deve ter qualquer presença militar no Iraque». Espera-se, assim, do novo governo português uma atitude muito mais empenhada na União Europeia, sobretudo em comparação com a actuação do governo liderado por Pedro Santana Lopes. Na verdade, a presença do Partido Popular na coligação governamental já impunha por si só uma atitude mais reticente em relação à Europa, mas essa atitude acabou por ser reforçada com a saída de Durão Barroso, pois não se pode considerar que a União Europeia fosse, de algum modo, uma prioridade política do primeiro-ministro Pedro Santana Lopes.
Paralelamente, os dirigentes do Partido Socialista têm também referido a necessidade de reforçar o papel do multilateralismo nas relações internacionais. O programa eleitoral do Partido Socialista refere que «a matriz das relações por que nos batemos deve ser a que assenta na Carta das Nações Unidas, no reforço do papel do Conselho de Segurança e da credibilidade das demais instituições do sistema das Nações Unidas, bem como na cooperação aberta entre várias organizações regionais, tenham elas incidência na área económica, comercial e financeira ou na área da diplomacia, da segurança, do controlo de armamentos e na sua redução gradual, mútua, equilibrada e verificável». Ao mesmo tempo, sendo certo que não se conhecem pormenorizadamente as ideias do novo primeiro-ministro em relação à Europa, a verdade é que entre os seus colaboradores mais próximos se encontram dirigentes socialistas com um passado de profundo envolvimento e participação em todas as questões europeias, nomeadamente o antigo Comissário António Vitorino, ou mesmo o próprio António Guterres, agora presidente da Internacional Sociaista.
Espera-se, assim, do novo governo que prossiga uma política muito mais activa em relação à União Europeia, procurando participar plenamente em todas as dimensões da integração. Aliás, o próprio programa eleitoral do PS sustenta precisamente que «participar no núcleo duro do processo de construção europeia exige também que Portugal esteja preparado para integrar todas as dinâmicas de aprofundamento que o novo Tratado perspectiva, designadamente nas políticas externa, de segurança e defesa, e de construção do espaço de liberdade, segurança e justiça».
Em paralelo com este «regresso à Europa», espera-se igualmente um empenhamento na reconstrução das relações transatlânticas, na linha do euro-atlantismo há muito preconizado por Portugal. Não se trata aqui de reavivar um velho debate português que opunha a aliança com os Estados Unidos ao aprofundamento da integração europeia – a dicotomia Atlântico versus Europa está já ultrapassada – mas sim de reconstruir a relação entre os dois lados do Atlântico, um passo indispensável para a estabilidade e a segurança internacionais, tentando, no fundo, multilateralizar a acção de Washington.
Em termos mais imediatos, o novo governo terá que se concentrar no processo de ratificação do Tratado Constitucional. A via escolhida já estava definida – a realização de um referendo, sendo a primeira vez que os cidadãos portugueses serão chamados a pronunciar-se directamente sobre a participação do país na União – mas é necessário agora reiniciar todo o processo. Em Novembro de 2004, o Tribunal Constitucional chumbou a pergunta que tinha sido proposta – Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa? – por considerar que era pouco clara, quando a clareza é precisamente um dos requisitos previstos na Lei Fundamental do país. De acordo com o programa eleitoral do Partido Socialista, o referendo deverá ser antecedido de uma revisão constitucional que permita que a pergunta a colocar aos portugueses seja mais clara e precisa. A actual Constituição não permite que se referende directamente a aprovação de um tratado internacional, mas apenas que se coloque em apreciação as opções fundamentais desse mesmo tratado, o que impossibilita que seja colocada uma pergunta tão simples como aquela a que responderam os espanhóis, também a 20 de Fevereiro. Aqui, levanta-se outra questão, pois a revisão constitucional extraordinária exige a aprovação por quatro quintos dos deputados – ou seja, exige necessariamente um acordo entre o Partido Socialista e o maior partido da oposição, o Partido Social Democrata. A tudo isto acresce o calendário eleitoral português, com eleições autárquicas no final de 2005 e presidenciais em 2006, que deixa pouca abertura para a marcação de novas consultas eleitorais. Finalmente, é igualmente preciso entrar em linha de conta com a enorme pressão existente para que se realize novamente um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. Este é um ponto importante para os dois partidos mais à esquerda, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda, e o próprio primeiro-ministro indigitado, José Sócrates, já confirmou publicamente a sua realização, sem avançar ainda um calendário. Daí que, apesar das intenções declaradas, ainda haja de facto lugar para, por força das circunstâncias, se optar por uma ratificação parlamentar.
Já em relação a Espanha, a primeira nota é igualmente a sua ausência da campanha. Em actos eleitorais anteriores, a utilização do fantasma espanhol, nomeadamente a ameaça da chamada «invasão económica» sempre foi um elemento presente. A ausência do argumento é ainda mais significativa quando ele sempre surgiu com mais vigor em época de crise económica, como a que actualmente se vive. Para além da razão já invocada relativa à especificidade deste acto eleitoral, a verdade é que parece ser cada vez menos provável que este argumento consiga recolher votos, por um lado, e muito menos que a mudança política em Portugal tenha como consequência uma alteração radical do relacionamento com o país vizinho. Mesmo que ainda persistam algumas desconfianças latentes em Portugal, a verdade é que a normalização das relações com Espanha, fruto sobretudo da convivência conjunta de quase vinte anos nas instituições europeias, é hoje um dado adquirido. O que se espera, sobretudo, é que seja possível aos dois países trabalhar em conjunto nos grandes dossiers negociais que a União vai enfrentar, onde os interesses em comum são certamente muito mais importantes do quaisquer eventuais divergências. Estes foram os temas em agenda no encontro que José Sócrates teve com o Presidente do Governo espanhol, José Luiz Rodriguez Zapatero, tendo o agora primeiro-minstro indigitado sublinhado a coincidência de pontos de vista em relação às questões europeias.
Aliás, Sócrates e Zapatero assinaram um artigo conjunto, publico no semanário Expresso (22 de Janeiro de 2005), intitulado «Para uma Europa do século XXI», onde defendem a importância da Constituição Europeia. O mesmo se aplica à necessidade de trabalhar em conjunto para desenvolver as relações entre a União Europeia e outras regiões do mundo, nomeadamente o Mediterrâneo e a América Latina. Trata-se, afinal, de conseguir garantir o necessário equilíbrio entre o Leste e o Sul, tanto em termos internos como no que se refere ao relacionamento externo da União. Como afirmou Miguel Moratinos, a União tem que continuar a desenvolver as suas relações com os «velhos» vizinhos e não se pode limitar aos «novos».
Conclusões: O novo governo português, saído das eleições de 20 de Fevereiro, terá como principal tarefa recolocar Portugal no centro da Europa, não só para conseguir a defesa de interesses específicos do país, como também para poder participar activamente no actual momento europeu, num período marcado por negociações extremamente importantes, em relação às quais será muito importante conseguir a convergência de pontos de vista com Espanha. Conta para tal, com uma legitimidade interna muito forte, que lhe advém do resultado eleitoral que alcançou. O essencial será garantir que o país regresse ao centro do debate europeu, em todos os domínios políticos.