Tiago Dores
05 mar. 2025, 00:15
Zelensky e o fim do mundo em fato de treino
A visita de Zelensky à Casa Branca lembrou-me o tema “All Aboard, the Nighttrain”. Havia um acordo pronto a ser assinado e, foi-se a ver, estavam “All Aboard, Menos o Gajo de Fato de Treino".
Imensa coisa foi dita após o já histórico momento entre Trump, JD Vance e Zelensky na Sala Oval, evento que teria sido mais apropriadamente agendado para o octógono do UFC. De tantas e tão boas reacções, seleccionei a que me pareceu denunciar um nível de perspicácia mais semelhante ao de usar uma tesoura para cortar o buraco de uma meia, que foi esta:
Trump é um lacaio de Putin
Tentarei começar pelo mais óbvio, embora, ao elaborar o ranking de obviedade, se tenha tornado óbvio que este pontos óbvios estão obviamente mais colados que as elites burocráticas americana e europeia à perpetuação de conflitos armados. Adiante.
Se Trump é um lacaio de Putin, porquê esta perda de tempo a fingir querer uma solução de paz para a guerra na Ucrânia? Porquê dar-se ao trabalho da “encenar” (como vários sugeriram ter acontecido) esta zanga na Sala Oval para ter desculpa para descartar Zelensky do processo negocial? Ou, de repente, Trump é cheio de subtilezas e nuances passivo-agressivas?
Assim não sendo, como acredito todos concordamos, por que não pediu Trump ao Elon Musk para, com aquela ruindade dele, mesmo à nazi, desligar para lá os servidores, ou as válvulas, ou as turbinas, ou lá o que é, do Starlink, sistema sem o qual a defesa ucraniana é impossível? Afinal, Trump é asqueroso, certo?
Então e sendo um asqueroso serviçal de Putin, por que razão Trump não envia armamento para apoiar as tropas russas? Aliás, se Putin manda em Trump, nem devia ser opcional para os Estados Unidos fornecer equipamento militar à Rússia, suponho. Isso já devia estar a acontecer, correcto? E por que não aconteceu logo no primeiro mandato de Trump? É que não só não aconteceu, como Trump ainda forneceu armamento à Ucrânia. Porque fisgas e cobertores já Barack Obama tinha fornecido em quantidades generosas, para os militares ucranianos pregarem grandes sustos às tropas russas: “Onde está o Andriy? Não está cá! Está, está!” E, num ápice, já não está cá outra vez, o Andriy, agora em definitivo.
O que também é definitivo é sabermos, há anos, que Trump não passa da bitch do Putin. Circunstância na qual urge perguntar: como pôde a Europa permitir que seja Trump a liderar este processo negocial entre Ucrânia e Rússia? Onde anda o nosso secretário/motorista/comentador de flash interviews pós-cimeiras europeias, António Costa, para não ter sido ele o responsável por, no mínimo, servir águas, cafés e bolinhos miniatura nestas reuniões negociais? O Costa pendurava o casaco nas costas da cadeira e lá ia ele: “Tea, coffee, mini-nata?”
E, já agora, como se prestaram Zelensky e os diplomatas ucranianos a fazer parte deste processo negocial em que, não só Costa não teve a chance de exibir a sua certificação Pre A1 Starters do Cambridge, como não há, supostamente, qualquer intermediário neutro, mas apenas e só inimigos? Como se arrisca Zelensky a visitar os Estados Unidos da América, e a própria Casa Branca!, residência oficial do número dois do governo de Putin?! Para mais fazendo lembrar o tema “All Aboard, the Nighttrain” – ou, como ficou famoso, “All Aboard, de Fato de Treino” -, não tanto pelos ecos de anos 90 e fim de Guerra Fria, mas mais por haver um acordo pronto a ser assinado e, foi-se a ver, estavam “All Aboard, Menos o Gajo de Fato de Treino”. Mesmo na ventas de Trump, o nauseante!
Nauseante que, por via de uma vitória eleitoral esmagadora, deixou os democratas a virar a boneca e tornou-se presidente do país que produz mais de 25% da riqueza mundial. A Rússia, com mais do dobro da população da Itália, produz menos riqueza que os transalpinos. Mas é Putin que tem Trump pela trela, como é óbvio. Putin, aquele que governa um país com 9 habitantes por quilómetro quadrado, dos quais 12 apresentam uma taxa de alcoolemia média superior à densidade populacional da nação. O mesmo Putin que tem de ir regularmente prestar vassalagem à China para garantir que não é depois de amanhã que o país com o maior exército do mundo lhe entra pelos mais de 4 mil quilómetros de fronteira em comum adentro, fazendo da Rússia uma nova Angola.
Deixando a Putin a única glória de ter Trump com rédea curta. E a nós europeus a urgência de, depois de 80 anos de bem-bom às custas do contribuinte norte-americano, aprender a andar de bicicleta sem rodinhas. Para já, parece estar a correr bem. Ainda há meia dúzia de dias tirámos as rodinhas e já os voluntariosos e brilhantes lideres europeus estão cheios de vontade de avançar para a Ucrânia numa espécie de subida ao Col du Galibier (o quê, punchlines com a Volta a França não funcionam? Eh pá, têm de dar ao pedal).