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Sagres: Cadetes da Escola Naval navegam como os descobridores
*** Por Miguel Souto da Agência Lusa ***
Aveiro, 21 Mai(Lusa) - O navio-escola Sagres, o mais emblemático da Marinha Portuguesa e um dos maiores veleiros do Mundo, está de partida para mais uma viagem de instrução de cadetes da Escola Naval.
O objectivo é levar os cadetes a aplicar no mar os ensinamentos ministrados na Escola Naval, numa viagem que os levará às Bermudas, Nova Iorque, Bóston, Halifax e Belfast.
Partiu de Lisboa na tarde do dia 18 rumo a Aveiro, onde vai permanecer até ao dia 25, para participar nas comemorações do Dia da Marinha, que assinala a chegada de Vasco da Gama à Índia.
Amarras libertas, a Sagres foi deslizando pelo Tejo, direita ao mar. Largou do Alfeite e endireitou-se para se fazer à viagem.
A bordo soaram apitos de diferentes sonoridades, num chilrear colectivo e a calma deu lugar a correrias em todas as direcções.
Trata-se da "faina dos mastros", como nos foi explicado. Cada mastro tem a sua guarnição e as ordens são dadas por assobios numa toada de pergunta e resposta difícil de descodificar.
O frenesim instala-se a bordo. Homens trepam aos mastros, desafiando-se em agilidade e esforço para soltar as velas, e a Sagres desfralda-se em toda a sua beleza, a despedir-se do Tejo.
Só o Cristo-Rei é nítido numa Almada desfocada e Lisboa vai ficando uma aguarela.
O velame, as cordas, a cantilena das ondas a acariciar o casco, os estalidos secos de madeiras, a força humana...
Navega-se como há 500 anos e tudo ali nos remete para sonho e memória.
Damos por nós a rever batalhas navais de infância em que um qualquer alguidar lá de casa nos servia de navio-almirante. Vemo-nos a reler o imutável livro da primária que nos apresentou Vasco da Gama. Sentamo-nos outra vez nos bancos do liceu com os Lusíadas sublinhados do nosso poeta maior.
A terra começa a ser uma miragem e o sol esconde-se no horizonte. A Sagres volta a agitar-se em múltiplos assobios para recolher as velas.
São agora silhuetas que trepam e se penduram nas alturas, com o barco a baloiçar, num teatro de sombras, digno de se ver e de causar vertigem.
Tudo ali nos remete para memória, também colectiva. Quantas naus e caravelas, quantos conquistadores, missionários e marujos não navegaram assim?
Quantos descobridores não esqueceram rapidamente a terra, deixada em lágrimas e cuidados, ao ver aquela linha do horizonte, animados pelo querer ver mais além e com a excitação de experimentar novos mundos?
A Sagres vai navegando agora silenciosa pela noite fora, de mastros despidos, como espadas apontadas ao Céu e quase todos se recolhem às cobertas, mas a quietude é ilusória. O navio não dorme, tem os olhos entreabertos...
À proa, um vigia que vai perscrutando a imensidão. Insensíveis ao vento e ao frio, alguns homens permanecem à roda do leme. Estão "de quarto"!
É uma espécie de serviços mínimos para os quais a tripulação é escalada de quatro em quatro horas e que garante a boa navegação, enquanto os outros descansam, embalados pelo balançar ritmado do navio, como crianças adormecidas num berço.
Às 07:00 da manhã ouve-se o corneteiro tocar a alvorada e a Sagres volta a acordar.
Trata-se da higiene pessoal, arrumam-se os alojamentos, toma-se a primeira refeição porque, à boa maneira militar, às 08:30 há a formatura.
Passada a revista às tropas, é tempo de faxinas. Lava-se a ponte e o convés, desmontam-se os dourados para arear, retocam-se pinturas, cuida-se da manutenção.
A refeição é o momento de maior descontracção em que se brinca e conversa sobre todos os assuntos e mais algum.
Há quem se deite ao sol, abrigado do vento, como se estivesse na praia, mas a tarde não vai ser de turismo, porque o comandante Proença Mendes tem alguns exercícios preparados.
Primeiro é uma "avaria no leme" rapidamente reparada pelos seus homens que correspondem satisfatoriamente ao teste de prontidão. Depois é a simulação de queda de homem ao mar que mobiliza toda a tripulação.
É assinalada a posição do "náufrago" e em grande velocidade é descida uma embarcação semi-rígida que vai ao seu encontro e transmite para terra o seu estado. As comunicações são feitas através de sinais de bandeiras e via rádio.
Por fim, o barco regressa ao navio-mãe e é içado, tendo à espera a equipa que vai prestar os primeiros socorros.
Proença Mendes segue a operação com olhar examinador: "não admito o erro. Se saímos para o mar, todos temos de voltar", sentencia.
Umas milhas à frente já se vê Aveiro pela amurada. Aproximamo-nos para entrar a barra, contornando o banco de areia que o Vouga deposita. É içada a bandeira portuguesa, a mesma que há-de emocionar a comunidade portuguesa de Nova Iorque, quando em finais de Junho a Sagres lá chegar com ela hasteada.
Surge a lancha dos pilotos, para orientar a entrada, e o comandante vai recebê-los à escada de corda do portaló. Trocam cumprimentos e conversam sobre a manobra enquanto aguardam instruções de terra.
O povo anónimo, apesar de habituado a ver navios, acorre ao molhe sul, à meia-laranja ou ao forte, para receber a Sagres. Alguns têm até antepassados que embarcaram ainda em grandes veleiros na epopeia do bacalhau, pescado à linha em dóris. Talvez por isso estejam ali, pela tal memória individual e colectiva que a Sagres desperta e tão bem representa.