Ah. Cá está. Isto é do livro de John P. Cann - "Contra Subversão em África" de que já falei aqui.
A Queda de Goa
Os acontecimentos relacionados com Goa, em 1961, endureceram novamente a posição de Portugal, dando a Salazar a oportunidade de, devido a um acontecimento penoso, unir a população para a guerra. Conquanto o território da Índia portuguesa fosse relativamente pequeno - 4 194 quilómetros quadrados - o ataque do governo indiano constituiu um deliberado acto de agressão contra outro Estado. Portugal possuía aí três enclaves, Goa, Damão e Diu. O novo governo indiano ameaçara tomar essas possessões no fim dos anos quarenta, pois considerava-as uma afronta. O primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, juntamente com os Estados Unidos, interveio energicamente, com o objectivo de moderar as ambições indianas. Posteriormente, o primeiro-ministro Nehru, encorajado pela revolta armada em Angola, colocou algumas exigências peremptórias aos portugueses (Nehru anunciou que a Índia “não estava disposta a tolerar a presença dos portugueses em Goa, ainda que os goeses os quisessem lá”). Quando se tornou evidente que Salazar não tencionava abandonar o território e recusaria negociar, a Índia juntou, nas fronteiras dos três territórios, 30 000 homens apoiados por carros de combate, aviões e navios de guerra. O Governador-Geral, Vassalo e Silva, poderia defender o seu território apenas com cerca de 3 000 homens mal equipados e sem cobertura ou defesa aérea, 900 polícias goeses e uma velha fragata. A 11 de Dezembro, Salazar tentou invocar a Aliança Anglo-Portuguesa, mas sem sucesso. Desde 1954 que a Grã-Bretenha recusava qualquer auxílio, declarando que a aliança de 600 anos tinha claras limitações, particularmente se um membro da Commonwealth se encontrasse envolvido. A Grã-Bretenha já não necessitava dos portos portugueses para transitar para as suas colónias, e Portugal já não precisava da protecção da cada vez mais reduzida Marinha Britânica. Novas estruturas aliadas, como a NATO, tinham substituído claramente a Aliança, tanto nas intenções como na prática.
Salazar deu instruções para que a resistência durasse pelo menos oito dias, para poder mobilizar apoio internacional. Se isso não fosse possível, então deveriam ser feitos “todos os sacrifícios” a fim de salvar a honra portuguesa. As forças indianas invadiram na manhã de 17 de Dezembro, e Vassalo e Silva rendeu-se perante uma luta sem sentido, a 19 de Dezembro, muito longe dos tais oito dias e do “sacrifício total”. Vassalo e Silva e outros oficiais envolvidos foram demitidos das forças armadas em 1963 no que pareceu um esforço para afastar a vergonha pela perda da Índia portuguesa e servir de exemplo aos outros oficiais em futuras situações semelhantes, como as guerras coloniais que se avizinhavam (em Angola já tinham começado). Na sua maioria, os militares ficaram ressentidos com o castigo injusto e com o facto de fazer dos soldados bodes expiatórios dos erros civis. As forças armadas realizaram as campanhas de África com a “ideia ameaçadora de que o governo estava preparado para as manipular e sacrificar em missões sem esperança e virtualmente levar a conselho de guerra todos os sobreviventes.” O General António de Spínola que foi o Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné (1968-1972), vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (1972-1974) e o primeiro Presidente após a revolução de 1974, descreveu a ansiedade que impregnava todos os militares portugueses na véspera das guerras de África: “O exemplo da Índia é um precedente bem vivo do porvir que receamos. Nunca se acreditou que sucedesse o que, afinal, era inevitável; no entanto, a tragédia deu-se, e logo foi desviada a atenção da Nação para o campo circunstancial da conduta militar, acusando-se as Forças Armadas de não se terem batido heroicamente quando, na realidade, qualquer que fosse a eficácia da defesa, o colapso seria sempre questão de dias.” O castigo para os comandantes na Índia deixava a mensagem explícita de que não haveria mudança de opinião por parte do governo relativamente à decisão de defender as colónias. O empenhamento de Salazar em preservar o seu regime era inabalável no seu propósito, e os acontecimentos de Goa serviram para pôr inequivocamente Portugal no caminho da guerra.