La Lys - Alemães eram mais que as moscas

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Lancero

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« Responder #15 em: Abril 15, 2007, 05:38:48 pm »
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HÁ 89 ANOS EM LA LYS...        
Escrito por Júlio Magno    
10-Abr-2007  
HÁ 89 ANOS EM LA LYS... UM PUNHADO DE PORTUGUESES  BATIA-SE GALHARDAMENTE EM FRANÇA...

A DERRADEIRA RESISTÊNCIA PORTUGUESA

na Batalha La-Lys

A JORNADA DE 10 DE ABRIL DE 1918


Sector Português - La Couture - Churc Road Derradeira resitencia portuguesa na batalha de La-Lyz.
 

… O ten.-coronel Samuel MacDonald, D. S. O., foi ferido ontem na frente do Batalhão, quando dispunha na testa, as suas praças no terreno. O capitão Magno apresenta à assinatura do 2.° comandante, um documento escrito debaixo das balas inimigas, e de molde a não susceptibilizar o poderio britânico:

* Em 9 de A bril de 1918. Meu tenente-coronel: Julgo conveniente mostrar que me pedistes uma metralhadora em nome da aliança, e vos respondi que as minhas forças ficavam com ela, ao vosso lado (se o permitísseis). Necessito igualmente que seja comunicada a minha situação ao meu batalhão. Agradeço-vos a assinatura, (a) Magno, capitão do 13 português, — (a) A. D. MacDonald, capt. for Lieut-Colonel Cerndy, D. S. O..

Ao princípio da tarde o fogo passou a ser mais renhido. A frente alemã foi reforçada por formações, Vindas das bandas de La Couture, as quais se divisam perfeitamente. Estoiram granadas de gases asfixiantes que obrigam a afivelar as máscaras.

Os Escoceses não desistem dos contra-ataques... E os Alemães não cessam de os dizimar. Caminham direitos à morte com o estoicismo dos gladiadores antigos. Avançando com a maior serenidade, parecem proferir a mesma saudação de outrora, ao soberano:

Ave, Caesar, morituri te salutant!... “César, os que vão morrer saudam-te!…”

Alinhados na vanguarda, protegemos com a maior dedicação. estas arrancadas de renúncia e sacrifício. Contempla-se a bravura destes soldados, de moral elevadíssima. .. Recebem as ordens mais difíceis e cumprem-nas sem pestanejar... Partem direitos e indemnes... Assaltam sob as rajadas da metralha... Logo regressam estendidos em macas, estropiados ou mortos!... Nenhuns Portugueses assistiram, como nós, ao tombar de tantas e tão formosas existências, comprovando serem dignos descendentes de quem, na batalha de Waterloo, Napoleão disse : — Ate é pena aniquilá-los!...

«O quadrado da extrema direita — descreve Vitor Hugo —formado pelo 74 de Highlanders, ficou quase trucidado aos primeiros choques. Enquanto, em redor, tudo era extermínio, um escocês assentado num tambor, tocava gaita de foles ...»

Os Alemães não se mostram desleais. Descarregam, como doidos, sobre quantos se descobrem e se colocam debaixo das suas miras. Apenas os esquifes passam e repassam, constantemente, conduzidos por maqueiros, com a Cruz Vermelha bem visível. As perdas dos Portugueses vão sendo insignificantes, comparativamente, com as baixas sensíveis dos nossos Aliados. Além de se exporem menos, é mais difícil de referenciar, a nossa posição à direita.

Lá adiante, a cerca de seis quilómetros, aquilo que foi a 1ª. Linha portuguesa e a chamada Linha das Aldeias já não existe desde o início da tarde, do dia 9... Tudo se converteu num sepulcro extenso... Corpos desfeitos na lama, almas nimbadas de esplendor, alaram ao sopro ardente das metralhadoras e dos canhões de um exército imperial. Quem não se rendeu, foi esmagado. Eis os maiores heróis. Com o sangue dos mortos é que se escrevem as mais belas páginas da história, que dão honra aos povos e os vivos gozam. Cadáveres de alemães, em número superior, confundem-se com aqueles, num quadro de horrores nunca imaginados até então. Bandos de corvos, como águias prussianas, vão assinalando na frente de batalha, a sua marcha imparável e vitoriosa!...

Em La Couture, a pouco mais de um tiro de espingarda, pelo que se soube, mais tarde, também já lá ninguém reina, a não ser as cardas do tudesco. Desde o fim da manhã, deste dia 10, após a remoção dos prisioneiros para os campos da Alemanha, só duas formações de tropas portuguesas continuam a sofrer o rodado do carro triunfal alemão.

Uma, constituída por elementos de duas companhias do 15 que, em vez de ocupar os postos da Village Une, se extraviaram na direcção S. e foram encontrar os Ingleses, em Loisne, retirando com estes para Le Hamel, no sector britânico.

A outra, formada também por elementos extraviados da 5.a e de outras companhias do 13, e um pelotão da 3.a do 15, que combate por iniciativa do capitão Magno, desde o canal da Lawe até Lês Lobes, nas «-vizinhanças de La Couture-».

Ambas acabam por retirar com baixas elevadas, cujas percentagens são sensivelmente, as mesmas. Enquanto em Le Hamel «a redução dos efectivos foi devida mais à fome e fraqueza do que propriamente ao combate, que se limitou ao bombardeamento e tiroteio de um e outro lado do canal», em LES LOBES, embora sujeitos à experiência dura da fome e do esgotamento, o desgaste humano foi traduzido em mais mortos, determinado pelos combates terríveis, desenrolados nesta área do sector português !

Este dia segundo, dissemos, é mais cruento.

Por não poderem entrar na mesma linha dos Portugueses, mais de uma vez, alguns britânicos que se instalaram poucos metros à retaguarda, são sacrificados. As tropas escocesas que se estendem até Vieille Chapelle, por momentos, parecem ficar de clareiras escancaradas, perante o assalto impetuoso dos Bávaros inimigos.

«Devido à resistência da 51.ª Divisão na Linha da Lawe, ao S. de Vieille Capelle» (onde o capitão Magno e as suas praças se enquadram em primeira linha), «e ainda ao heroísmo das tropas da 55.ª Divisão na frente Loisne-Festubert, os alemães não puderam romper logo a linha da Lawe para cair sobre Béthune, como era seu plano».

Apesar do laconismo, a notícia define a grandeza e violência dos combates nesta área da Lawe, os quais não têm paralelo com quaisquer acções luso-britânicas desenroladas na Flandres.

Já o sol desmaia no horizonte...

O capitão Magno arrasta-se até a estrada Lestrem — — Locon — Béthune. Não longe das tabuletas que assinalam para Zelobes, Vieille Chapelle e «To Lacouture» aí se localiza o Comando. Entre os oficiais vemos o heróico ten.-coronel Cerndy, D. S. O.. Perante a situação que se considera muito grave, o semblante é apreensivo. Os Alemães perto de Merville... Os Alemães perto de Amiens...

O capitão do 13 português expõe ao Comando escocês as vicissitudes das suas praças. Vai para dois dias que enfrentam o inimigo, abraçadas pela humidade da lama e pelo frio do ar, sem o calor de qualquer alimento. Não era solução requerida ajudá-lo a comer a ração de campanha, que iam servir-lhe, e só por cavalheirismo oferecia. A verdadeira preocupação aludia aos seus homens, que permaneciam roídos de fome, entorpecidos de fadiga, estoirados de emoções pela calamitosa barragem de ontem e, agora, sob o chumbo escaldante da Infantaria alemã. Os Escoceses passavam pelo mesmo transe, é certo. Mas a rígida disciplina mantinha-os nos seus lugares, silenciosos, e animados no seu estoicismo.

MacDonald não pôde informar das intenções germânicas. Em face das incertezas, por um lado, e por outro, distantes do corpo divisionário, a inquietação dos nossos soldados começou a esboçar enfado com o seu voluntário, quão excepcional sacrifício, sobremaneira, perante o conhecimento da retirada da 2." Divisão... Assentou-se, pois, a nossa evacuação, para a manhã seguinte. Tanto mais que MacDonald manifestara a estes paladinos de um dever moral, que não podiam continuar ali, indefinidamente, para dar satisfação à ordem dimanada do I Exército, sobre a dispensa geral das tropas portuguesas, uma vez que a 2.a Divisão perdera contacto com a frente de batalha.

David Magno traz a promessa muito duvidosa de um rancho quente, que ainda iriam cozer, para acalentar os estômagos e os corpos enregelados. Tentava-se aquilo que o rum de um estaminet vizinho não conseguira entre os nossos. Fossem os bandulhos de ferro... Que os cunhetes de pólvora não faltavam, como andavam escapos a água e o próprio pão.

Neste somenos desceu a noite. À hora que já não era possível conceber sortida para a evacuação prevista, o capitão Magno despediu dois sargentos e duas ordenanças em demanda, dessa mistela de aveia, tão apetecida...

— Ou allez-vous ?... — bradou um oficial escocês regressado da cantina, com o fundamento de que era perigoso cruzar atrás, as patrulhas britânicas da estrada...

- Ce sont mes soldais, captain,..

— Pardon...—E logo o aludido oficial se prontificou a acompanhá-los, para evitar o equívoco de algum fuzilamento.

Seriam dez horas quando tornaram à nossa linha. O suspirado manjar sideral — no que as psiques famintas metamorfosearam aquela promessa do Comando escocês, -foi sorvido pela malta, sem chegar a nada, nem ao capitão que, por dever de ofício, ficara para o fim.

Toda a noite o troar dos morteiros e o ruído das metralhadoras atormentaram. Sobremaneira, quando na madrugada, passamos a suportar o duelo do bombardeamento britânico e alemão, cujo relampejar purpúreo, ilumina, sinistramente, o pequeno acampamento luso-escocês. Um manto de cacimba penetra até os ossos. Neste gelado relento, os corpos aconchegam-se mais e mais, como se fossem cadáveres alapados em necrotério. Para muitos foi a noite de oratória... A noite última, a noite eterna!

 
Fonte
"Portugal civilizou a Ásia, a África e a América. Falta civilizar a Europa"

Respeito
 

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Lancero

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« Responder #16 em: Abril 15, 2007, 05:42:13 pm »
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A NOITE ETERNA! ... EM LA LYZ        
Escrito por Júlio Magno    
11-Abr-2007  
... até o militar Alemão não deixou de inscrever, nos braços de cada cruz de madeira, o epitáfio celebrado: « - Hier Ruth In Gott, Ein Tapferer Portugiesischer-» — Aqui Jaz em Deus, Um Heróico Português...

A DERRADEIRA RESISTÊNCIA PORTUGUESA

na Batalha La-Lys

A JORNADA DE 11 DE ABRIL DE 1918



Ambleteuse, 05/07/1918 - 1ª.Cruz de Guerra da Batalha de La-Lyz - General Tamagnini de Abreu condecora David Magno o paladino da resitência de 9,10 e 11 de Abril e protagonista da acção militar de Les Lobes
 

... ao romper da alva os Alemães lançam-se na conquista de novos objectivos. O VI Exército de Von Quast acaba de ser reforçado pelo IV de Von Arnin. Há tropas em abundância, por certo desconhecedoras das nossas posições de 9 e 10.

De sibilo uma estranha negrura surge adiante do canal… E uma grande vozearia percorre a nossa linha de lés-a-lés.

Serão Alemães?... Serão Ingleses que regressam de algum raid a La Couture?... Ninguém sabe responder. Os soldados estão alerta... Apuram os sentidos... Palpam os cartuchos... E olham os cunhetes da pólvora num relance.

Será possível que o inimigo nos suponha distantes e ouse avançar, assim, a peito descoberto, em linha tão extensa e tão unida?! .. Porventura, serão tropas frescas, congregadas durante a noite, pretendendo desenvolver na estrada, para início de nova ofensiva?!... Todos procuram devassar a bruma, onde aquela sombra se movimenta, à luz indecisa, desta terceira manhã, da grande batalha de Armentières.

Pela mente destes homens, apenas perpassa a alternativa— destruir ou ser destruído. Os maiores anelos da existência, aquilo quanto é grato ao sentimento — lares distantes, pais, noivas, esposas ou filhos...—tudo se esquece, como por encanto. Os momentos não chegam para calcular a salvação, pelo aniquilamento total do adversário. Face a face ao inimigo poderoso que vem aí, os minutos correm céleres...

À confusão do bombardeamento desagregador da manhã do dia 9, que surpreendeu o 15, dentro da pequena aldeia de La Couture, e o colocou fora das possibilidades do Comando, contrastava, agora, a serenidade portuguesa em frente do inimigo, com os seus graduados à testa, sem que estes tenham necessidade de um gesto, ou de uma voz enérgica, para decidir ou obrigar a lutar.

Na ânsia de viver, um só medo domina todos — que a fera humana adivinhe que outra fera está aqui, como caçador furtivo, à espera de ver, o tigre cair no laço.

Simploriamente, os soldados vão exclamando:

— Eia!... São mais de mil!...

- Silêncio... Alças reduzidas... Canos apontados bem ao peito... — recomenda o capitão que se aproxima do metralhador, como o piloto se acerca do leme nas horas de tormenta...

Guarnições à amurada que está prestes a abordagem! Campos infinitos de esmeralda semelham um oceano com arbustos e árvores decepadas, a boiar... Os soldados do 13, de Vila Real, herdeiros das tradições do Regimento de Peniche, que se distinguiu, sob o comando do major Kennet Snodgrass, no assalto e tomada da praça de S.Sebastian, e os soldados do 15, de Tomar, que, sob o comando do major inglês Campbell, foram camaradas de armas nas batalhas do Buçaco, de Salamanca, de Vitória e se cobriram de louros na de Nive e de Nivelle... Soldados do 13 e do 15, dos melhores batalhões de Portugal, vão rivalizar em grandeza heróica, com o escol dos soldados da Grã-Bretanha.

De lado a lado não há patrulhas. O único agente de exploração é a metralha. O capitão Magno procura ainda quem possa conhecer a situação ou ter mais autoridade nesta avançada luso-escocesa... Não se descobrem senão praças. O capitão escocês está para a retaguarda.

E a nuvem negra continua a rolar... a rolar... como um cilindro esmagador, cadenciado e decidido, direito a nós postados em LES, a um quilómetro dos arredores de La Couture, Atesta de ponte para a cobiçadíssima Merville, ou em defesa da carreteira que leva aos altos fornos de Béthune.

Absolutamente tranquilo, o nosso coração lateja normalmente. Nem uma palavra, nem um gesto que não sejam necessários. Isto se confessa menos por vaidade, do que para mostrar o que se sente nestas horas tão inolvidáveis quão raras situações. O embate que se prevê brutal, como rocha que vai receber o choque do aríete, aguarda-se com a maior calma. O desvanecimento de todas as dúvidas angustiosas justifica-se, paradoxalmente, pela certeza absoluta, de estarem ali bem perto, os Alemães! Dois dias e duas noites de combates sem tréguas, cheios de lances dramáticos, haviam embotado a sensibilidade, esfumando-se com esta, a consciência universal. Nascera dentro de nós, a obnubilação resultante do exaustivo, e com ela, a indiferença pela ideia do ser ou não ser, acordando nos recônditos cerebrais, a tragédia primária do homem pelo homem...

À distância de cinquenta metros —enfim!... crescem diante de nós, nitidamente, os rostos enegrecidos, como diabos, os capacetes que lhes blindam o crânio, o “feldgrun” desbotado dos dolmans, o armamento e os butes característicos dos maiores militarões da Terra! Porém, nenhuma hesitação. Nem o mínimo pensamento instintivo de um milímetro de recuo, em procura do que quer que seja e possa valer-nos neste transe.

Corpo e alma cravam-se aqui apontados à Morte, como pára-raios em presença da nuvem, a qual se aproxima, inexoravelmente. A alavanca de segurança, apenas, se encontra em duas palavras épicas, que dois idiomas, simultaneamente, traduziram no mais nobre brado que pode soltar um capitão em combate:

— FOGO VIVO!...

E o fogo cruel de setenta espingardas com quatro metralhadoras a dispararem, como guilhotina eléctrica, quase à queima roupa, ceifa num momento, essa vaga extensa que se atreveu a vir de pé, em ordem unida e descoberta... tal-qual um batalhão viesse colocar a cabeça arrogante sob o cutelo da fatalidade! Soberbo!!

A fuzilaria prossegue impetuosa com alturas de ferocidade. Os Portugueses, entusiasmados com o resultado da colheita, quase não arquejam nem tomam fôlego. As armas cospem um fogo terrível sobre todos os corpos que se contorcem, procuram cavar abrigos ou se descobrem a retirar de rastos. A nossa metralhadora despeja tambores atrás de tambores...

— Munições !... Munições ... — é o grito de guerra e de salvação, perante o esvaziamento consecutivo de cunhetes e mais cunhetes de cartuchos. O remuniciamento faz-se com entusiasmo!

O capitão movimenta-se ao longo de toda a linha. Acirra as praças e procura contrariar as evoluções do inimigo. Apita, gesticula, verbera e assume o papel de todos os graduados, comprazendo-se em ser o maestro exclusivo, desta fanfarra de fogo e ferro.

— Força... Força, rapazes !...

Só conta, como amigos, os soldados que mais se expõem. Comuns na vida, como na morte, apenas a disciplina se interpõe. Animam-no a comandá-los, como ele os entusiasma a baterem-se. Impulsionados por uma força desconhecida, apontam e descarregam, como máquinas de bronze. Arrancam das entranhas energias titânicas, traduzidas numa saraivada de projécteis, que levam a devastação às vagas alemãs. Bagas de suor correm-lhes nos rostos sujos e barbaçudos. O metralhador, Manuel Cardoso de Matos, olhos abrasados, ultrapassa todos os louvores. Nas suas mãos firmes e poderosas, a Lewis representa a destruição em baluarte de oiro!

Como a diafaneidade dos gases da pólvora, a neblina Vai-se diluindo... Os relógios não medem as dores nem os sacrifícios. Não se ajusta ao tempo interior, nem à compleição de cada um, o tempo sideral. As horas só parecem longas quando pouco se peleja... Que o combate dá descanso, pelo menos, a essas marchas penosas, de butes ferrados e tralha de guerra às costas, através das estradas infindáveis da Flandres, tantas e tantas vezes palmilhadas!...

Rechaçados nos primeiros embates, os Alemães ripostam com novas ondas rasteiras, cuja superioridade de fogo começa a escaldar. É o feitiço a voltar-se contra o feiticeiro. É a lei do triunfador final. As balas zumbem como se as nossas cabeças mergulhassem num cortiço... Contudo, as praças não arrefecem. Continuam a disparar com fúria e arremesso. Compreendem que é preciso eliminar o adversário, tomar-lhe o passo, sob pena de ficarmos aqui desfeitos sem glória.

A mitologia do sangue faz aflorar rancor. Por isso, este duelo põe de parte a possibilidade de qualquer rendição. Quando alguém se entrega, é que tem em conta as baixas abertas entre o inimigo e sempre espera alguma coisa da sua generosidade... Os Bávaros, que estão a poucas dezenas de metros, nunca perdoarão os destroços incalculáveis que estes soldados rasgaram nas suas carnes, e mataram sob a legitimidade impiedosa da guerra.

— Munições f... Munições f... Munições !... — são os clamores que absorvem a linha e toda a razão do nosso ser.

Já se ouve o chicotear e já se sente no solo, o peso das metralhadoras pesadas e ligeiras alemãs, batendo a testa e o flanco. As balas silvam, como mosquitos de aço, e picam em redor, tal-qual granizo durante as tempestades. O inimigo vai tecendo uma densa malha de chumbo, por cima das nossas cabeças. Melhor do que no mais correcto exercício dos tempos de paz, a carnificina e o avanço vão decorrendo automaticamente, bem. Primeiro, foi de cá a exploração da surpresa. Seguidamente, são os Alemães que dominam pelo número de homens e pela supremacia das armas. Vemos os oficiais adversários por terra, ligados ao telefone, dirigirem o nosso esmagamento. Nada do que observamos, é supérfluo. Experimenta-se nesta Escola de Guerra, a lição mais eloquente que, aos graduados, é devida.

Uivos de dor, logo abafados pela metralha, percorrem a nossa frente. Uma rajada criva Augusto Martins quando verificava o extractor. A arma salta-lhe das mãos... E o cortejo de estropiados, a gemer sempre, recomeça neste terceiro dia de batalha. Gravemente feridos, a jorrar sangue, retiram amparados — Manuel Ribeiro, Alfredo Freire Gato, António Joaquim, Armindo Alves, Manuel de Sousa...

A linha de espingardas portuguesas e escocesas, escoradas em quatro metralhadoras, continua inabalável a despejar fogo... Mas o dilúvio das rajadas alemãs não deixa dúvidas sobre o fim que, na barca de Caronte, o destino nos reserva. Peitos portugueses deixam de arfar... Corações dedicados deixam de bater... Dedos de gigantes deixam de premir gatilhos! Tão heróico, como aquele que prossegue na luta, é o esforço anónimo dos infantes que não temem arriscar-se mais para socorrer e amparar os camaradas feridos. A guerra tem tanto de satânica, como de divina... Cavernais defeitos e virtudes supremas... Sombras de bestialidade e, também, muitas e muitas réstias de sol, nas alturas!...

Chega a vez de ser varado num pulso e ficar cego, o referido «550», analfabeto, Tomaz Ferreira da Silva, promovido a sargento por distinção. Face e mãos ensanguentadas, modelo vivo de soldado, nem debaixo da saraivada das balas perde o aprumo da maior correcção e disciplina militar:

— Dá licença, meu capitão, que retire?... Estou cego... Não posso mais...

Companheiro da fornalha onde os corpos ardem ombro a ombro, possuído da crueza transitória dos combates, o capitão não se distrai do comando e despede-o com essas palavras secas e inesquecíveis que haviam de ferir a sua grande dedicação, tanto, como sentia as dores nas suas chagas:

— Retira... Que te pensem... e te levem...

Há mais que não conseguimos identificar, nem a situação se compadece a perguntar quem são... Contam-se já mais de vinte e quatro feridos graves... Entroncados, rostos glabros e vermelhuscos, os Escoceses também se arrastam da esquerda, atravessados por balas... Com uma nódoa sangrenta no ombro, um deles, vemo-lo sorrir para nós!

O taque-taque das metralhadoras inimigas é assolador e o vespeiro de balas intensíssimo. Estalam crânios... Esparrima massa encefálica... E o sangue generoso vai-se empapando com a lama. Irmanados, assim, numa íntima camaradagem de esforços e simpatias, Portugueses e Escoceses honram-se aqui, tingindo-se ao acaso, no sangue de uns e de outros. O capitão traz as mãos e o impermeável com largas manchas cruentas. Um morteiro dilacerou uma praça que se aconchegara a seu lado.

Comunhão transcendente! Comunhão infinita! Não sendo precisa para redimir culpas ou purificar destinos diferentes, tal-qual outrora se oferecia o sangue em holocausto de uma ideia superior, também o mesmo sentimento mítico envolve montanheses e serranos num tremendo sacrifício, em prol da aliança secular e da liberdade destes dois povos. Trinta a quarenta Escoceses, guardando a frente e o flanco esquerdo... Outros tantos Portugueses, vigiando a frente e o flanco direito... Colocados costas com costas, almas enleadas nas almas, ambos se protegem com lealdade, face a face ao inimigo comum.

O sargento Pompeu Martins Gonçalves dos Reis oferece-se para os serviços mais arriscados. No sargento António Simão, a coragem é modelo de brio e serenidade.

Assim, decorre o combate mais súbito e formal, violento e trágico, que rezam todas as descrições da nossa Grande Guerra de 1914-18, comprovado pelos relatórios, documentos e testemunhos, designadamente, pela percentagem de baixas por metralhadora, mortos no campo ou feridos que foram cair no Hospital da Base, como se o destino desejasse sagrar aqui, o epílogo ou o eco derradeiro de todas as acções mais fogosas, travadas pelos Portugueses na Flandres.

O hercúleo capitão de ontem à noite, lembrando o qullolo — feiticeiro dêmbico com poderes mágicos de enxotar projécteis — galga sebes e drenos sem se importar com a metralha... E o comandante da companhia escocesa. Vem da parte de MacDonald tomar conhecimento directo do desenrolar do combate, e saber do que é previdenciar... Sorri... Concorda com tudo. Insistimos nas munições! E dado que a posição, estrategicamente boa, é tacticamente péssima, pedimos que escolha outra à retaguarda.

Dizendo que continuasse a dispor de tudo, este oficial britânico, regressa e não volta... Atingido pelas balas é transportado ao posto de socorros. O capitão Magno é, pois, o protagonista da defesa desta importante «testa de ponte para Merville. e tem a honra de comandar ou dirigir os restos de uma companhia de Portugueses e Escoceses, até à última.

Laventie, Le Marais, Les Huit Maisons, Le Hamel, La Couture, Les Lobes... serão sempre acções comuns, tanto à bravura dos Britânicos, como à glória militar dos Portugueses!

A situação agrava-se momento a momento. Por vezes torna-se insustentável. Uma metralhadora escocesa passou a proteger o flanco direito dos Portugueses. Não se sente a peonagem alemã servir-se das espingardas para o tiro vulgar. É cada vez mais violento o matraquear das armas automáticas. A linha dos capacetes anda varrida, somente, por dezenas de metralhadoras. Ninguém pode distrair-se... Uns centímetros acima, logo a cabeça estalará. De bruços, agora, protegidos apenas pelo céu, todos beijam a terra francesa que tem sido o seu calvário. Há cadáveres que já não podem ser evacuados. Dizem que alguns detêm quantias importantes... E tão impossível retirá-las para as entregar à família, como as placas de identificação à estatística. Um cheiro acre a suor, a sangue e aos gases da pólvora queimada, empestam o ar que se respira. As nossas Vozes são abafadas pelo ruído avassalador que reboa pelo céu fora. Chega-se ao transe de não se saber, nem mesmo querer saber de quem vive, nem de quem morre. É o inferno... Não se imagina... Ninguém sabe descrever... tal-qual a luz fascina os insectos para lhes crestar as asas, assim, a grandeza dos perigos empolga os, combatentes e os atrai para a morte... O sargento Álvaro Costa, vinte anos em flor, quando todos mergulhavam sob o chumbo da metralha, num sopro de loucura, desata a arrancar tiros e mais tiros... E, num entusiasmo de heroísmo comovente, clama para os camaradas:

— Vede, como se bate um português que não tem medo!...

uma bala o faz estremecer... tenta soerguer-se... do flanco direito, outra rajada chicoteia-lhe a face... e logo cai... fica de borco... o sangue corre na lama... a terra tocou o céu... Depois, foi a Comissão de Inquérito, a seguir à batalha, que averiguou e propôs este lídimo bravo para ser louvado pelo «acrisolado valor»! O cális da amargura não esgotou as fezes. Outra bala sacrifica ainda o intrépido Miguel Marta, do 13, quando disparava. A cabeça estoira-lhe e fica banhado em sangue... de súbito, a nossa Lewis emudece, mutilada no seu posto. O metralhador não segura as lágrimas. Também as armas escocesas vão calando à medida que as guarnições são aniquiladas totalmente... ao tempo que as praças caiem, extinguem-se os cartuchos.

A barragem das metralhadoras alemãs é violentíssima. Depois de três dias de combates, o inimigo está suspenso diante de um punhado de homens, sem protecção de redutos ou trincheiras, sem munições, e já nem pode sequer levantar a cabeça! A surpresa da manhã torna-o perplexo ou prudente. Cerca por largo aquilo que pressupõe ser barricada inexpugnável. Entretanto, abranda o fogo. Passa a martelar a posição para o assalto. Sinistros morteiros estrondeiam aterradores. Não pode haver mais hesitações perante este dilúvio de metralha. E, em consciência, não tínhamos o direito de fazer imolar até o aniquilamento total, aqueles a quem pusemos a combater.

Depois de haver comandado, como capitão, e de ter feito fogo, como soldado, — podendo os meus homens sentirem orgulho da excepção quando procuraram um lugar à mesa do sacrifício, no campo de batalha, — chega o momento de nos sujeitarmos, à derradeira prova. A morte, espada de Damocles, está suspensa por um cabelo. ; cada bala encerra um mundo de interrogações e mistérios. Pode deixar escrever a última pagina de heroísmo entre o historial doirado da batalha do Lys. Pode quebrar esse equilíbrio imponderável, promovendo o esquecimento para todo o sempre.

Ordenamos a evacuação. A incerteza renasce nas almas. Com ela, a angústia regressa aos corações. É preciso arriscar a «ida num lance derradeiro. As rajadas batem, furiosamente no aço dos capacetes que alinham no terreno uma dobra protectora, camuflando a nossa frente e o flanco. A um gesto começamos a mover-nos. Penosamente, os cotovelos cravam-se no betume da terra. Botifarras atascadas, mesclas ennodoadas de sangue ou salpicadas de massa encefálica, Lee-Enfields e a Lewis mutilada a tiracolo, todos se arrastam como répteis com articulações entorpecidas. Não fazem ao caso, os balázios que furam os capotes ou roçam as fivelas dos cinturões ou francaletes do equipamento, em trajectórias caprichosas ou inconcebíveis. Quando a metralha sibila mais, estacamos, ficamos quedos, sem bulir, como mortos... Olhos inflamados ou vermelhos de febre... Mãos imundas a enxugar o suor que teima correr para a boca conspurcada de terra, ou aflige o rosto emaciado... A ansiedade volta e já não cabe no peito... e ao abrirmos os braços, como náufragos, quando os dedos se crispam sobre a prancha salvadora, ninguém faz reparo na barragem que a enfia de través!... um a um, abraçados ao tabuão, debaixo desse manto de balas, transpomos suspensos sobre esse dreno esverdinhado da Vieille Lawe, escapos, como gotas de taça cheia a transbordar de martírios cruciantes!

De mais de cinquenta homens do dia 9, só uma dezena chega ao dia 11: — Capitão David Magno; sargentos António de Matos Bugalho, António Simào e Pompeu Martins Gonçalves dos Reis; soldados — Manuel Cardoso de Matos, António Lucas, Clemente António do Carmo, Joaquim Mendes, Joaquim da Silva Sarmento, Laurindo dos Santos e Guilherme Pinto Lagariça, alguns dos quais foram a seguir repatriados por gases ou esgotamento.

São estes guerreiros e os que para sempre lá ficaram, conhecidos e desconhecidos, restos dos restos da 2.a Divisão, que constituíram a sua pequenina guarda da retaguarda, filha da mais pura inspiração e abnegação dos campos da morte ou das horas de heroísmo, que debaixo de fogo nasceu e debaixo de fogo pereceu!

Liberto deste cerco de chumbo, o capitão Magno levanta os olhos para o céu... Fica surpreso ao lobrigar que a linha continua ocupada!... Ordena que chamem os atrasados. Mas os Alemães surgem sobre o precário bastião. O soldado exprime uma humaníssima escusa por tão inútil sacrifício. Compreende-se, então, que a guarda de homens que se descortina, é o rosário dos mortos escoceses e portugueses, carne sangrenta, que ficara debruçada no dispositivo de atiradores, agora, à mercê dos Teutões, — cuja sanha militar não deixou de inscrever, nos braços de cada cruz de madeira, o epitáfio celebrado: Hier Ruth In Gott, Ein Tapferer Portugiesischer-» — Aqui Jaz em Deus, Um Heróico Português.

Simulando, macabramente, uma resistência já quebrada, armas na posição em que foram abatidos, os derradeiros Portugueses mortos no C. E. P. pela Infantaria alemã na Flandres, salvando as aparências, salvaram os derradeiros combatentes portugueses da grande batalha do Lys.

A duzentos metros de Viellle Lawe, deparamos com forças britânicas, instaladas em lunetas ou meios redutos. O ângulo de defesa tem por bissectriz, a estrada para Merville. Aqui se enfileiram, demonstrando-lhes os Escoceses o seu apreço pela resistência que acabavam de oferecer.

Todos estão, fisicamente e moralmente, esgotados por cinquenta e seis horas de combates consecutivos. Que todos os da Grande Guerra, ou todos os que viveram debaixo das balas alguma vez, lhes deitem o peso e as avaliem pelos dias, horas ou minutos que cada um viveu nesta batalha, ou mesmo fora dela...— que, até esta e mais violenta não foi sofrida pelos Portugueses.

A ordem do Comando do I Exército inglês era exigente. Restava dizer adeus aos camaradas de armas e saudosos mortos tombados lado a lado.

Debaixo do açoute flagelador das granadas de todos os calibres e do zumbir dos projécteis perdidos, é que estrada fora, marcha lenta e penosa, babujados de sangue e lama, esfaimados e macilentos... era já tarde quando descolaram do front.

Júlio Magno



Fonte
"Portugal civilizou a Ásia, a África e a América. Falta civilizar a Europa"

Respeito
 

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Luso

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« Responder #17 em: Abril 15, 2007, 06:33:49 pm »
Belíssimo texto!
Ai de ti Lusitânia, que dominarás em todas as nações...
 

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calaico

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« Responder #18 em: Junho 03, 2007, 01:25:32 pm »
Honra e Bravura! o vosso nome perdura! o meu bisavó esteve lá, e ao que pude apurar, pouco falava na guerra, apenas que bebiam água através dum lenço nas poças de lama!
"Antes quebrar que torcer"
 

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Cabeça de Martelo

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« Responder #19 em: Junho 03, 2007, 01:31:33 pm »
Obrigado pelo texto Lancero, gostei muito!  :wink:
7. Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros.

 

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SSK

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« Responder #20 em: Junho 18, 2007, 11:11:50 pm »
Eu conheci um senhor que foi cozinheiro num dos batalhões de portugueses que foi dizimado...
"Ele é invisível, livre de movimentos, de construção simples e barato. poderoso elemento de defesa, perigosíssimo para o adversário e seguro para quem dele se servir"
1º Ten Fontes Pereira de Melo
 

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PereiraMarques

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« Responder #21 em: Agosto 11, 2007, 02:13:29 pm »
Contado ninguém acredita...

Citar
UMA HISTÓRIA DA 1ª GUERRA MUNDIAL

Flandres 1918. A 1ª Guerra Mundial, iniciada 4 anos antes, dizimava milhões de homens na guerra das trincheiras. Para Portugal, o 9 de Abril ficou indelevelmente marcado com o ataque de LA LYS. No dia 8 de Janeiro de 1918, o soldado nº 573 do Regimento de Sapadores Mineiros – António Pedro Júnior – carpinteiro de profissão, recebeu a missão de chefiar uma equipa para levar a cabo reparações e obras de reforço numa das trincheiras do sector de Levantie que tinha sofrido um intenso bombardeamento alemão. Na execução dessa tarefa, muito arriscada e perigosa (tanto que a ainda hoje usada expressão “ir aos arames” tem aí origem), foi atingido por uma bala disparada por um atirador alemão, instalado numa trincheira próxima, que lhe trespassou o braço entrou pela axila e ficou alojada junto ao pulmão direito. O soldado Pedro disse nada ter sentido de imediato a não ser o ruído da detonação, mas acabou por perder os sentidos, e só acordar alguns dias depois no hospital de sangue instalado na frente.Durante semanas lutou contra a morte que lhe era vaticinada pelos médicos. O seu forte organismo resistiu e triunfou. Oito meses depois, o soldado Pedro tinha alta do hospital, regressando a Portugal com a bala alojada no tórax! Volta à sua terra natal – Santarém – dedica-se à sua profissão e constitui família. 1953! Passados 35 anos a bala lá continua, e, com ela, insónias, indisposições, dores fortíssimas no tórax. Os médicos aconselham-no a fazer uma operação para a extraírem, visto que a medicina cirúrgica já progredira suficientemente para tornar possível o que antes não fôra. O António Pedro aceita a operação, que é marcada. Porém, dias antes, em 15Janeiro1953, depois de dores atrozes, a bala aparece à superfície da pele, na região do fígado donde foi facilmente extraída pela sua filha, Sr.ª D. Natércia, que possuía avançados conhecimentos de enfermagem. Religiosamente guardada, tornou-se na sua única memória, já que, depois disso, o António Pedro nunca mais padeceu de dores ou outros incómodos. Em 03 Agosto de 2007, pela mão da sua filha, Sr.ª D. Natércia Pedro, que lhe extraiu a bala, foi a mesma oferecida ao Museu Militar onde ficará exposta na Sala da Grande Guerra.

 
Fonte: www.exercito.pt
 

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Cabeça de Martelo

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« Responder #22 em: Agosto 11, 2007, 03:32:53 pm »
:shock:
7. Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros.

 

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JoseMFernandes

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« Responder #23 em: Janeiro 10, 2008, 07:00:40 pm »
A revista francesa "Champs de Bataille"(histoire militaire, stratégie & analyse) no seu último número(Jan°2008) dedica um  dos seus 'dossiers', com direito a foto na capa, a actuação dos 'Portugueses na Grande Guerra'.
Os artigos são da autoria de Patrick Rouveirol (Mestre e professor de História, perito sobre a I GM) e Pierre-Edouard Cote(igualmente Mestre em História e especialista de Historia Militar e particularmente sobre armas e uniformes).
Como é timbre do magazine Champs de Bataille, os temas são acompanhados não só por fotos e ilustrações mas também por esquemas e planos  ( 'plano defensivo aliado, 'a 2° divisão portuguesa',' divisão de infantaria alemã e o 6° exército alemão, e claro a 'ofensiva alemã de 9-29 abril 1918').
É esta uma rara oportunidade em que  franceses mencionam a intervenção portuguesa, pois como como se escreve na introdução do tema "
Citar
...'mais desoladora ainda é a manifesta gratuitidade do sacrificio deste corpo expedicionário,  tão confidencial a ponto de não suscitar mais que pequenas alusões, acabando por se perder até a sua lembrança'.Partamos pois, agora a descoberta dos 55165 portugueses que serviram em França entre Fevereiro 1917 e o Armistício, autênticos soldados desconhecidos da Grande Guerra´


Para dar uma ideia mais concreta da visão francesa, transcrevo a seguir alguns excertos, lembrando que é minha a tradução e adaptação (ligeira e apressada),  pedindo antecipadamente desculpa pelas evidentes deficiências:


Um país em plena crise política em 1914


Citar
"Quando estala a Primeira guerra Mundial, Portugal atravessa uma grave crise política desde ha quatro anos.Quando em 1910 o jovem rei Manuel II foi deposto e obrigado a partir para o exílio, Portugal tornou-se  República numa Europa ainda e quase exclusivamente monárquica.Esta instauração teve como efeito dividir a população portuguesa e por consequência enfraquecer Portugal no concerto das nações.
No plano interior, a política voluntáriamente anti-clerical da jovem República ofende uma parte da população com fortes tradições católicas.A partir de Outubro de 1910 as Ordens religiosas são declaradas indesejáveis, o ensino religioso  é suprimido nas escolas, interditas as procissões e o divórcio passa a ser legal.Enfim...em 20 de Abril 1911, uma Lei declara a separação da Igreja e do Estado.Em apenas sete meses, os republicanos portugueses empreenderam uma laicização em marcha forçada, que os republicanos franceses tinham efectuado em ...trinta e cinco anos !
Um tal política alimentou a oposição surda do clero e de numerosos católicos praticantes, num Portugal de 6 milhões de habitantes onde ainda 85% da população vivia em zonas rurais.Este vivo descontentamento religioso de uma parte da população portuguesa alimenta uma oposição política conduzida pelos monárquicos que aproveitam a divisão do campo republicano em três grupos rivais, com uma grande instabilidade ministerial...  nada menos que seis governos sucessivos entre Out/1910 e Agosto/1914.
Mais inquietante ainda, por duas vezes- Out/1911 e Julho/1912-  expedições armadas da oposição realista portuguesa, provenientes da Galiza, tentam abater o regime republicano.
Esta grave crise interior tem por consequência precarizar a posição portuguesa na cena internacional.Assim, na Peninsula Ibérica mesmo se os rumores de uma intervenção militar da vizinha monarquia espanhola não se concretizam, Portugal enfrenta em Julho/1912 uma reivindicação de Espanha sobre a soberania de algumas ilhas do arquipélago português da Madeira.Se neste caso, Portugal recebeu o apoio da Inglaterra, outras posições britânicas não deixaram de inquietar os meios dirigentes portugueses.De uma parte o ex-rei D.Manuel II encontrara refúgio na Grã-Bretanha e por outro lado numerosas fugas diplomáticas dão conta, entre 1912 e 1914, de um possível acordo entre a Grã-Bretanha e a Alemanha para partilha das colónias portuguesas.
Assim, quando rebenta a guerra em Agosto de 1914, a confiança no aliado tradicional e protector britânico estava algo desfeita.  
"


O artigo refere a seguir aquilo que classifica como 'a lenta marcha para a guerra (agosto 1914-março 1916)', considerando que a inicial neutralidade portuguesa se devia mais ao estado de fraqueza do exército português e o desejo de 'preservar a todo o custo o império colonial', o que passaria por um acordo com a Grã-Bretanha e a sua marinha de guerra, a fim de preservar as comunicações marítimas entre Portugal e as colónias e ao mesmo tempo uma política de apaziguamento com a Alemanha para evitar qualquer ataque massiço desta contra Angola e Moçambique..."de facto mesmo se desde 13/8/914 Portugal concedeu o direito de passagem por Moçambique as tropas britânicas enviadas para a Niassalândia (actual Malawi),  alguns incidentes fronteiriços entre alemães e portugueses no norte de Moçambique e no sul de Angola, entre agosto e dezembro de 1914, não levaram a uma declaração de guerra entre os dois paises."

A polémica em Portugal sobre a participação na guerra é também aflorada, mencionando-se que os opositores a essa entrada estimavam, com razão, que o país não estava militar e económicamente preparado.Mesmo reconhecendo estes argumentos 'os belicistas portugueses pensavam ser necessária a entrada  na guerra por duas  razões: - no plano interno uma União sagrada reforçaria o poder da República, pois os belicistas mais activos eram precisamente os republicanos mais radicais; -  e por outro lado no plano internacional a beligerância asseguraria ao país, com a volta da paz,o reconhecimento por todos da perenidade do seu império colonial (lembrança dos projectos recentes da sua partilha entre ingleses e alemães), um prestígio acrescido na cena internacional, especialmente face a Espanha ( neutra, mas com simpatias pro-alemãs )'.

Até a declaração de guerra pela Alemanha em 9 de Março 1916, é descrito o complexo jogo político entre os intervencionistas e os seus opositores, salientando-se o papel desempenhado por Afonso Costa ( que determinou a compra de equipamento militar, nomeadamente submarinos) até as consideraçoes económicas que foram determinantes para ser dado o passo para a guerra"em Janeiro de 1916 a Grã-Bretanha concede um empréstimo de 2 milhões de libras, e condicionando um milhão suplementar ao apresamento pelos portugueses dos navios alemães refugiados nos seus portos desde Agosto 1914, o que foi efectivado em 23 Fevereiro 1916".Os  longos e infrutiferos protestos alemães levariam pois a declaração de guerra na data acima referida.



Conclusão

Para além de uma breve chamada sobre a Guerra em África(Angola e Moçambique) onde se destacam alguns combates entre os portugueses e forças alemãs, bem como o numero de vitimas que devem ser acrescentadas a este conflito (31 000 expedicionarios metropolitanos com total de cerca 4 000 mortos, e mais 3 000 'locais' ), é abordado o equipamento do soldado português(desde a difícil substituição da Mauser-Vergueiro para a Lee-Enfield, descrição do fardamento, com deficiencia de algum dele especialmente no que diz respeito a impermeabilidade e resistencia para o norte da França, capacetes(menos resistentes que os britânicos), máscaras de gas, cantis  etc...

De notar, por curiosidade, e  no que respeita aos sobretudos...
Citar
Citar
" os portugueses traziam capas em pele de carneiro idênticas aos dos pastores do seu país, que além de serem abrigos de sonho para todos os parasitas das trincheiras, se  tornavam  objecto de troça dos soldados alemães e ingleses que se punham a imitar os  balidos dos carneiros, mal viam os portugueses"

                     
                **************************************



Não fazendo, de momento, comentários a estes textos, penso no entanto poder subscrever  o parágrafo final, de Pierre-Edouard Cote:
 
Citar
Apesar de uniforme e equipamento inadaptado à permanência nas trincheiras, os soldados do CEP combateram com coragem, deplorando a perda de 8000( mortos e feridos) entre eles , o que é muito elevado para uma força de cerca de 40 000 homens
 

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Lancero

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« Responder #24 em: Janeiro 10, 2008, 08:37:50 pm »
Obrigado pela partilha e, especialmente, pelo trabalho que teve na tradução.

Apesar de os meus parcos conhecimentos sobre o assunto me aferirem que o texto é bastante correcto, denoto algum chauvinismo - nomeadamente no que toca aos comentários da relação Portugal/Reino Unido.
"Portugal civilizou a Ásia, a África e a América. Falta civilizar a Europa"

Respeito
 

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Luso

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« Responder #25 em: Janeiro 10, 2008, 08:46:11 pm »
Seria diferente, hoje?
Fica a pergunta.
Ai de ti Lusitânia, que dominarás em todas as nações...
 

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André

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« Responder #26 em: Janeiro 10, 2008, 09:31:48 pm »
Citação de: "Lancero"
denoto algum chauvinismo


Isso é normal nos francius, eu tenho que aturar um françês na minha turma, que tá sempre a rebaixar os feitos de Portugal e a dizer que somos uns pobres e a que França é o paraiso supremo e coisas do genero ...  :roll:

 

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Luso

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« Responder #27 em: Janeiro 10, 2008, 09:50:46 pm »
Citação de: "André"
Citação de: "Lancero"
denoto algum chauvinismo

Isso é normal nos francius, eu tenho que aturar um françês na minha turma, que tá sempre a rebaixar os feitos de Portugal e a dizer que somos uns pobres e a que França é o paraiso supremo e coisas do genero ...  :roll:


É uma questão de escala. A valentia dos indivíduos, quando mal conduzidos é um trágico desperdício.
Nada li que fosse insultuoso. Ao nível estratégico da frente Ocidental, a participação foi um desastre, por melhores que tivessem sidos os soldados. Face à situação política e dada a qualidade dos superiores - e tendo eu que arriscar a vida, desconforto e o horror a bem de uma estratégia excessivamente abstracta para quem tem que dar o corpo e alma ao manifesto a bem duns monos iluminados, que para isso quase TUDO contribuiram, aposto que até eu me amotinaria.

Mantenho a pergunta: como seria a situação hoje?
Dá que pensar, não dá?
Pois...
Ai de ti Lusitânia, que dominarás em todas as nações...
 

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papatango

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« Responder #28 em: Janeiro 10, 2008, 10:00:28 pm »
Em primeiro lugar, também quero deixar o meu agradecimento pelo trabalho tido.

É sempre interessante ter uma ideia do que os outros pensam de nós e juntar mais informações e dados que permitem dar-nos uma ideia sobre os acontecimentos.

O chauvinismo, ou algum chauvinismo, de franceses ingleses ou alemães não é nada de estranhar.
A realidade do Portugal rural e atrasado (que noutros tópicos há quem negue) só não a vê quem não quer e o Portugal de 1918 não é, como o Portugal de 1960 moderno e de desenvolvido.

É em sumula, o país que vem das montanhas de Trás-os-Montes das planícies do Alentejo, passando pela Cova da Beira.

O que é que os alemães, franceses ou ingleses vão achar destes «rústicos» que na sua maioria nunca tinham visto um carro?

A ideia que tenho de La Lys, é que em primeiro lugar a gestão das tropas foi má.
O soldado português era (e continua a ser) obediente e a cumprir ordens. Mas se for mal comandado tende a amotinar-se ou a cumprir ordens com dificuldade.

Na generalidade os oficiais conseguiam escapar-se com mais dificuldade da frente que os soldados.

O numero de oficiais mortos está 37.7% abaixo da média.

3.8% dos oficiais portugueses foram mortos em combate enquanto que 6% foram declarados incapazes para serviço.

Ora, os oficiais tinham muito melhores condições de vida que o resto da tropa e conseguem ter mais problemas de saúde (proporcionalmente) que sargentos e praças.

Embora os numeros não fossem exactamente impressionantes, criou-se nas trincheiras a ideia de que quem tinha padrinho podia facilmente voltar para casa.

A ideia de injustiça no tratamento é das piores coisas que um militar pode aceitar.

Um soldado aceita ordens de um comandante, mesmo quando elas são desagradáveis. Mas não tolera que depois de dar ordens o comandante fuja.

Onde as tropas portuguesas estavam enquadradas por oficiais que sabiam o que estavam a fazer foi onde houve resistência.

La Lys, deve ser um exemplo, e pessoalmente acredito que foi um exemplo.
Embora muito filho de mamã, oficial de carreira tivesse fugido à guerra em África, houve muitos oficiais de carreira e milicianos que lutaram e comandaram tropas que se comportaram como se esperava que se comportassem.

Isto, evidentemente sem que deixemos de reconhecer todos os exemplos negativos.

Além disso, a guerra de 1914 - 1918 foi uma guerra que para a altura era de alta tecnologia, para a qual os portugueses não estavam preparados.
Em África a guerra era de baixa tecnologia e por isso era teoricamente mais facil, porque se podia apenas pedir aos soldados que "aguentassem".

Quando ocorreu a introdução de equipamentos com maior incorporação de tecnologia as coisas ficaram mais complicadas, como ocorreu com a introdução dos SA-7 na Guiné.

Se hoje ocorreria a mesma coisa, não sabemos.
Temos tropas no terreno mais complicado do momento, o Afeganistão. Estão lá à mais tempo que o que estivemos em França, mas claro, não podemos comparar uma força de 150 homens com uma de 55.000.

Que país europeu hoje estaria em condições de mater 55.000 homens numa frente de trincheiras sem os substituir por sete meses?
É muito mais fácil enganar uma pessoa, que explicar-lhe que foi enganada ...
 

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Luso

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« Responder #29 em: Janeiro 10, 2008, 10:15:47 pm »
Citação de: "papatango"
Temos tropas no terreno mais complicado do momento, o Afeganistão. Estão lá à mais tempo que o que estivemos em França, mas claro, não podemos comparar uma força de 150 homens com uma de 55.000.

Que país europeu hoje estaria em condições de mater 55.000 homens numa frente de trincheiras sem os substituir por sete meses?


PT, é óbvio que não se pode comparar o Afeganistão à guerra das trincheiras. São coisas completamente diferentes, como Jesus Cristo do Socrates.
A questão que coloco é se em caso de problemas nós teríamos liderança à altura. Só isto.
Ai de ti Lusitânia, que dominarás em todas as nações...