AEROPORTO DO MONTIJO – UM PROJETO POUCO FUNDAMENTADO, JÁ DECIDIDO; UM ESTUDO SEM AVALIAÇÃO ESTRATÉGICA, DESCONFORME E COM LACUNAS GRAVES
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20 SETEMBRO, 2019
A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, com base na consulta dos documentos disponibilizados no Portal Participa, submeteu o seu parecer detalhado de vinte páginas relativo ao Aeroporto do Montijo e respetivas acessibilidades.
Independentemente de não concordar com o procedimento de realização de uma Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) previamente a uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), entende a ZERO dever apresentar no âmbito desta consulta pública, quer os vícios que subjazem a todo este processo, quer as principais e graves lacunas encontradas no Estudo de Impacte Ambiental (EIA) disponibilizado.
De salientar que, desde o seu início, todo o procedimento relativo ao projeto do Aeroporto do Montijo tem sido de uma lamentável opacidade, surgindo como um facto consumado, com decisões prévias aparentemente já tomadas conforme declarações públicas de decisores políticos ao nível do Governo, subvertendo completamente os princípios que enquadram a figura de AIA como um instrumento de suporte à decisão e que, no limite, se constituem ainda como uma pressão inaceitável sobre a Administração.
Um projeto com uma fundamentação profundamente errada
O projeto do Aeroporto do Montijo encontra-se fundamentado no EIA por uma suposta urgência devida ao esperado congestionamento do Aeroporto Humberto Delgado e a uma suposta perda de receita de cerca de 600 milhões de euros por ano (apenas afirmada no EIA e não referenciada em mais nenhum documento disponível publicamente). O projeto do Aeroporto do Montijo não se encontra plasmado em nenhum plano sectorial, nacional, regional ou municipal, carecendo obviamente de um enquadramento prévio nas políticas públicas de desenvolvimento.
A ZERO entende não estar demonstrada a urgência da realização do projeto, nem a sua compatibilidade com os objetivos de neutralidade carbónica que necessitamos de atingir a nível global, e considera que os promotores não poderão alegar que a alternativa apresentada é a única que responde às necessidades aeroportuárias da região de Lisboa sem apresentar dados de projetos que possam ser desenvolvidos durante a próxima década.
Antecedentes e a necessidade de uma Avaliação Ambiental Estratégica
O último Plano Sectorial na área dos Transportes – o PETI3+ 2014-2020, nada refere especificamente sobre um aeroporto no Montijo (ou em qualquer outra localização) e remete o desenvolvimento dos estudos relacionados para o Plano de Expansão da ANA. Ora, o Plano de Expansão da ANA ainda em vigor (2013-2017) nada refere sobre qualquer projeto de expansão do aeroporto de Lisboa e, na ausência de um novo Plano 2018-2022, o anterior continua válido (conforme o respetivo contrato de concessão).
O estudo de impacte ambiental refere que o projeto do Aeroporto do Montijo se encontra enquadrado na “expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa”. Com efeito, a instalação de uma infraestrutura aeroportuária na Base Aérea nº 6 no Montijo é apenas uma componente de um projeto mais vasto e que engloba a expansão do aeroporto Humberto Delgado, naquilo que é referido como “o sistema aeroportuário da Região de Lisboa”, conforme referido no “Acordo entre o Estado Português e a ANA sobre os princípios financeiros e económicos para a extensão da capacidade aeroportuária na Região de Lisboa”, assinado no dia 8 de janeiro do corrente ano.
Estamos assim inequivocamente perante um plano sectorial na área do transporte aéreo para a Região de Lisboa, entendendo a ZERO que o mesmo deve ser submetido a uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), estudando de forma integrada e cumulativa os impactos da operação conjunta do Aeroporto Humberto Delgado e o Aeroporto do Montijo, tendo em conta um conjunto de fatores críticos para a decisão, onde devem ser estudados de forma abrangente descritores como o ambiente, saúde humana, ruído, ordenamento do território e a acessibilidades e impacto sobre as atividades económicas na região.
A ZERO considera que o projeto do Aeroporto do Montijo deverá ser considerado uma componente do projeto de expansão da capacidade aeroportuária da Região de Lisboa, e que este último deverá ser objeto de uma AAE, integrando de forma clara a operação conjunta das duas infraestruturas, mas apresentando também um estudo comparativo de alternativas de localização, tendo em conta os objetivos pretendidos.
Um estudo não conforme – sem alternativas, sem ligação a projetos conexos e respetivos impactes cumulativos
O EIA apresenta um suposto estudo de alternativas possíveis, em diferentes bases aéreas, que são no entanto imediatamente descartadas como não sendo tecnicamente viáveis. Ora, da forma como é apresentado, este não pode ser considerado um verdadeiro estudo de alternativas, uma vez que a análise efetuada tem como único objetivo fundamentar uma opção sem qualquer outra alternativa possível.
Sabe-se no entanto que existem outras possíveis alternativas, nomeadamente uma localização previamente objeto de estudo e mesmo de uma AAE, e com uma Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada, entre possivelmente outras, pelo que não se entende como o presente EIA não apresenta quaisquer alternativas credíveis de localização, e muito menos efetua um estudo comparativo sério sobre as mesmas. Cabe ao promotor apresentar alternativas de localização credíveis e fundamentar a decisão sobre a opção pela localização pretendida.
Com efeito, a legislação de AIA obriga à consideração e ao estudo de alternativas, conforme Artigo 5º e o nº2 do Anexo V do Decreto-Lei 151-B/2003, de 31 de outubro. Também a Diretiva Habitats (Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992) prevê no seu Artigo 6.4 o estudo de alternativas, questão clarificada posteriormente no “Documento de orientação sobre o nº 4 do artigo 6º da Diretiva Habitats (92/43/CEE)”.
Por outro lado, uma AIA deve incluir também a avaliação de impactes cumulativos, e nomeadamente dos considerados projetos conexos. Ora, tendo em conta o enquadramento dado ao projeto pelo próprio EIA (parte integrante da expansão da capacidade aeroportuária da região de Lisboa), não apenas todos projetos na área dos transportes nas imediações do Aeroporto do Montijo devem ser objeto de uma avaliação de impactos cumulativos, como mesmo a própria expansão do Aeroporto Humberto Delgado deve ser avaliada à luz dos impactos cumulativos com a entrada em funcionamento do Aeroporto do Montijo, uma vez que cada uma das infraestruturas será influenciada pela outra.
Por estes motivos, a ZERO considera que o presente EIA é desconforme, dado não conter avaliação crucial que permita compreender os reais impactes do projeto.
EIA apresenta lacunas graves em áreas críticas
O EIA disponibilizado apresenta um conjunto de lacunas que a ZERO considera bastante graves, principalmente em alguns descritores, considerados dos mais críticos.
Com efeito, nos descritores considerados como tendo impactos significativos a muito significativos, estes são inexplicavelmente minimizados de forma arbitrária por medidas e minimização e mitigação, na sua grande parte de eficácia duvidosa e da responsabilidade de entidades terceiras (nomeadamente Estado e autarquias), sem qualquer garantia de execução real no âmbito do referido projeto.
a) Conservação da natureza – uma localização praticamente incompatível
O Aeroporto do Montijo, na sua fase de exploração, tem assumidamente impactos significativos numa área que se encontra protegida por legislação nacional e internacional (contíguo à Zona de Proteção Especial do Estuário do Tejo e Sítio de Interesse Comunitário “Estuário do Tejo”, ambos pertencentes à Rede Natura consignada em legislação nacional e europeia, afetação indireta da zona próxima correspondente à Reserva Natural do Estuário do Tejo, também ela salvaguardada no âmbito da Convenção sobre Zonas Húmidas (Convenção de Ramsar), estando também a área classificada como área importante para as aves (Important Bird Area – IBA), classificação esta efetuada pela organização BirdLife.
Tendo em conta que desde a definição e aprovação da Rede Natura à escala europeia, nenhum projeto de construção de um aeroporto civil destas dimensões contíguo a uma área desta natureza e nas imediações de um grande estuário europeu foi declarado viável do ponto de vista ambiental, exige-se o respeito pela legislação nacional e europeia e a aplicação do princípio da precaução que tornam inviáveis a construção da infraestrutura.
b) Ruído – É inadmissível o incumprimento das recomendações da Organização Mundial de Saúde
A ZERO considera que a salvaguarda da saúde pública é um elemento fundamental para as populações e que a localização do Aeroporto do Montijo não consegue assegurar, mesmo com as medidas de mitigação, a qualidade de vida suficiente de milhares de habitantes dos concelhos da Moita e Barreiro afetados pelo sobrevoo de aeronaves. Apesar do esforço louvável de avaliação da situação de referência e da modelação até ao ano de 2042, e tendo em conta precisamente a incerteza associada ao melhor esforço de cálculo utilizado, os efeitos acrescidos pela infraestrutura são suficientemente negativos. Aliás, o estudo reconhece que o grau de afetação atinge o nível significativo. Para a ZERO, os valores recomendados pela Organização mundial de Saúde em 2018 para tráfego aéreo de Lden,exterior≤45 dB(A) (indicador ponderado para 24 horas) e Ln,exterior≤ 40 dB(A) (indicador de ruído noturno), são para ser respeitados no caso de um aeroporto cuja construção se vai iniciar agora. Ao contrário do argumento do estudo que menciona a enorme exigência dos limites da OMS para o exterior de edifícios com as circunstâncias de alguns países por causa de um valor relativamente baixo de isolamento sonoro de fachada, associado à possibilidade de as janelas dos edifícios (quartos, em particular) estarem abertas/entreabertas, consideramos que essa liberdade de não se ter de viver em edifícios hermeticamente fechados é precisamente fundamental ser garantida. Mais ainda, como o próprio estudo indica, em muitas das zonas a idade das habitações é elevada, com percentagens que atingem nalgumas zonas 97% com ano de construção anterior a 1990 e portanto precisamente com um muito fraco isolamento sonoro.
A perturbação induzida pelo ruído é inadmissível quando o próprio estudo identifica um total de 66 recetores sensíveis afetados pelo sobrevoo (onde estão presentes crianças e/ou idosos e em escolas, jardins, centros de terceira idade), 48 no Barreiro e 18 na Moita.
De referir ainda que as medidas de mitigação propostas remetem para situações que consideramos inaceitáveis, como a deslocalização do parque urbano Zeca Afonso na Baixa da Banheira ou mesmo coartando o que poderá ser o desenvolvimento de equipamentos sociais na zona afetada. Mesmo as medidas previstas ao nível do isolamento de edifícios são remetidas para fundos de financiamento pouco explicitados e sem garantias de efetiva e cabal execução.
A ZERO gostaria ainda de referir que o promotor da obra tem tido todas as oportunidades para implementar medidas de maior transparência de informação, mitigação séria de impactes e compensação nos aeroportos que gere em Portugal e nada foi até agora efetuado, pelo que é muito previsível que um conjunto de conflitos relativos a medidas prometidas venham a ter lugar, devido ao incumprimento da impossibilidade de voos entre a meia-noite e as seis da manhã ou pela não relocalização de infraestruturas de lazer ou estruturas com recetores sensíveis.
c) Qualidade do ar – poluentes críticos associados à aviação não são citados
O estudo ignora totalmente o impacte na saúde das partículas ultrafinas (UFP), um poluente emergente particularmente associado à aviação e que ao contrário dos gases pode ter uma influência mais direta à superfície. Independentemente de haver diversas referências científicas a este problema, um estudo recente conclui que pessoas que trabalham, vivem ou passam uma quantidade considerável de tempo perto do aeroporto de Lisboa estão expostas a elevadas concentrações de partículas ultrafinas (UFP), o que constitui à partida um risco considerável para a sua saúde. A entrada da UFP no corpo humano dá-se por três vias (respiratória, dérmica e ingestão). Devido à sua dimensão, 700 vezes menor que a de um fio de cabelo, rapidamente atingem a corrente sanguínea e alcançam todos os órgãos. A exposição prolongada às UFP pode induzir ou agravar a saúde pulmonar e cardiorrespiratória, estando associada ao aumento de taxas de hospitalização e mortalidade, particularmente devido ao cancro do pulmão. Mesmo a exposição de curta duração tem-se provado maléfica para a saúde. As UFP também têm sido associadas a doenças neurológicas e a problemas no desenvolvimento fetal e cognitivo das crianças. Os estudos epidemiológicos ainda não são conclusivos, por serem tão recentes, mas indicam uma séria necessidade de precaução e monitorização. O referido estudo, publicado em setembro de 2019 na revista científica Atmospheric Pollution Research, aponta que as concentrações de partículas ultrafinas são 18 a 26 vezes mais elevadas em áreas influenciadas pelos movimentos aéreos.
d) Alterações climáticas – Estudo não efetua uma avaliação adequada das emissões de gases com efeito de estufa do projeto que correspondem a mais de 1% das emissões de Portugal já em 2022
As emissões de gases com efeito de estufa deveriam ser um dos capítulos mais fundamentais no âmbito do estudo de impacte ambiental, nomeadamente pela urgência do problema, pelo peso em termos de emissões à escala próxima e internacional que uma infraestrutura desta natureza apresenta, e ainda pela necessidade de avaliar a sua conformidade com o espírito e os cenários do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 aprovado pelo governo, a par do alinhamento do país com os compromissos do Acordo de Paris.
Infelizmente, não apenas o capitulo dedicado às emissões de gases com efeito de estufa é curto, como não se compreende como foi considerado conforme face aos erros, nomeadamente nas unidades, e nas limitações presentes. Mais ainda, a análise, que se considerava pertinente relativamente à consonância do projeto com objetivos de mitigação de Portugal, não é efetuada.
No que concerne às emissões de gases de estufa, era fundamental fazer uma avaliação rigorosa da situação atual associada às diferentes fontes (aérea, fluvial, rodoviária) e avaliar o diferencial face à implementação do projeto ao longo das próximas décadas, na área dos transportes e também associadas aos consumos de eletricidade e de outros combustíveis por parte do funcionamento da infraestrutura física a construir.
O estudo falha de forma inadmissível ao não efetuar um cálculo aproximado do impacte das viagens de avião no clima. Uma estimativa resultante da soma das várias contribuições para o ano de 2022 aponta para uma pegada carbónica do aeroporto e acessibilidades neste ano de pelo menos 700 mil toneladas/ano (667 kton/ano da aviação, 8 kton/ano das ligações fluviais, 24 kton/ano dos edifícios, 3,5 kton/ano associados à ocupação do solo), não se considerando os valores que consideramos positivos associados ao tráfego rodoviário acrescido. Tal representa cerca de 1% das emissões do ano de 2017 de Portugal e terá certamente em 2022 uma maior expressão dada a redução total prevista de emissões num futuro próximo. Em 2062, só as emissões associadas aos movimentos aéreos representarão 1,1 milhões de toneladas/ano, sendo 190 mil toneladas/ano associadas aos movimentos de aterragem, circulação na pista e descolagem, números estes incompatíveis com o esforço nacional e internacional de neutralidade carbónica mesmo no ano de 2050.
e) Ordenamento do território, acessibilidades e transportes – Projeto aumenta de forma significativa as pressões sobre as infraestruturas
Ao nível do ordenamento do território, o EIA considera que os municípios do Montijo e de Alcochete, situados na área de implantação do projeto e sua envolvente imediata, têm áreas já definidas para acomodar a expansão urbanística decorrente da instalação do aeroporto. Não é considerada a pressão decorrente do aumento demográfico e a necessidade e garantia de novas infraestruturas, não sendo aferida a capacidade destes municípios para acomodar esta pressão, estando apenas previstas contratualizações com a Administração Central.
f) Recursos hídricos superficiais – risco de contaminação é significativo
O risco de contaminação da coluna de água decorrente das obras de extensão da pista é considerado significativo devido à mobilização de sedimentos identificados como tendo elevada toxicidade por metais pesados, essencialmente arsénio. No entanto, o EIA considera que as medidas previstas são adequadas, referindo-se essencialmente a planos de monitorização e acompanhamento. Não fica percetível dos elementos disponibilizados quais as metodologias ponderadas para diminuir o risco de contaminação para além da zona de intervenção. Do mesmo modo não se compreende como, com base nesta informação, se afirma que o impacte sobre as espécies aquáticas é pouco significativo.
g) Análise do risco de colisão com aeronaves é inconclusiva
Na página 3 do Vol III 13.2, relativo ao estudo da Ponta da Erva sobre colisão de aves afirma-se que “o nível de risco de ocorrência de um birdstrikedepende de um conjunto de fatores, tais como a localização geográfica da infraestrutura aeroportuária, a atratividade dos locais de passagem das aeronaves para comunidades de aves, a densidade do tráfego aéreo e a altitude das aeronaves em zonas com número elevado de movimentações de aves.” Praticamente todos estes fatores elencados como sendo propiciadores de risco de colisão estão presentes na BA6 do Montijo.
Dadas as circunstâncias e o nível de informação que foi possível parece-nos totalmente desaconselhável avançar com um aeroporto com esta configuração nas proximidades de um dos maiores e mais importantes estuários da europa não existindo qualquer paralelo no continente que possa servir de referência.
Conclusão
Tendo em conta os graves erros e lacunas do EIA, a ZERO não pode deixar de emitir um parecer desfavorável relativamente ao projeto do Aeroporto do Montijo e respetivas acessibilidades.
Conforme provado pela ZERO, não está de todo fundamentada a urgência do projeto em apreciação, pelo que consideramos que há tempo suficiente e que deve ser encetado um novo procedimento que permita uma avaliação abrangente e integrada do sistema aeroportuário da região de Lisboa, que tenha em consideração várias alternativas e que avalie o impacte destas a nível regional.
Apesar de toda a pressão verificada ao longo de todo este procedimento,a ZERO confia na isenção da Autoridade Nacional de AIA e espera que o presente EIA seja objeto de uma Declaração de Impacte Ambiental desfavorável.
https://zero.ong/aeroporto-do-montijo-um-projeto-pouco-fundamentado-ja-decidido-um-estudo-sem-avaliacao-estrategica-desconforme-e-com-lacunas-graves/Abraços