Começam a levantar-se vozes contra a "deriva" marítima da GNR em detrimento da Marinha
Adriano Moreira e ex-Chefes da Armada alertam contra a "deriva" marítima da GNR
Valentina Marcelino
28 Maio 2021 — 00:13
Adriano Moreira, Viriato Soromenho Marques e o histórico da banca Artur Santos Silva, assinam com sete Almirantes uma carta aberta contra a "duplicação de capacidades" causada pela intrusão da GNR em alto mar e criticam a política do ministério da Administração Interna
Sete ex-Chefes de Estado-Maior da Armada (CEMA) , Almirantes Melo Gomes, Macieira Fragoso, Saldanha Lopes, Cruz Vilaça, Ribeiro Pacheco, Mendes Cabeçadas e Fuzeta da Ponte - os dois últimos igualmente antigos Chefes de Estado-Maior-General das Forças Armadas - subscrevem uma carta, a que o DN teve acesso, que tem à cabeça a assinatura do político e académico Adriano Moreira, a alertar contra a "deriva" marítima da GNR, da responsabilidade do ministério da Administração Interna (MAI). O texto, que conta também com a assinatura do histórico da Banca Artur Santos Silva e do professor universitário Viriato Soromenho Marques, membro da Academia da Marinha, salienta que apesar de a legislação assegurar o duplo-uso da ação no mar deste Ramo das Forças Armadas, quer na defesa da área marítima, quer no apoio às forças e serviços de segurança, com destaque para a Polícia Judiciária, "este modelo de atuação, que tem séculos de inestimáveis serviços prestados a Portugal, tem vindo a ser posto em causa" pelo MAI.
A "deriva", é assinalado, "foi patente" primeiro com a criação da Unidade de Controlo Costeiro da GNR, "importando diretamente modelos de Espanha (Guardia Civil) e de Itália (Guardia Costiera e Guardia e Finanza) (...) "desajustados à nossa realidade"; agravando-se com a "edificação" do Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Controlo (SIVICC), do qual, afirmam os signatários, a Marinha foi totalmente afastada, sem que exista sequer troca de informação entre o Ramo e a GNR. Mas a gota de água para esta carta pública avançar foi a recente aquisição pela GNR da megalancha Bojador, maior que as da Marinha. Segundo a GNR, comandada pelo General do Exército Rui Clero, a Bojador será utilizada "em missões de vigilância, patrulhamento e interceção terrestre ou marítima em toda a costa e mar territorial do continente e das regiões autónomas".
Conforme o DN noticiou, apesar de a decisão ter sido tomada em 2018 pelo governo, só no ano passado foi conhecida publicamente. A Marinha ficou "em estado de sítio" com a compra da embarcação por 8 485 770 milhões de euros (75% financiada com fundos europeus). Vários Oficiais-Generais, entre os quais alguns dos signatários desta carta, como o ex-CEMA Melo Gomes, vieram advertir para a duplicação de meios e para o custo no erário público da falta de racionalização. O próprio ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, apoiou publicamente o duplo-uso. Já o ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita, que prometeu para janeiro último uma resposta a justificar aquela compra, não o chegou a fazer.
"Foi sem surpresa, mas com indignação, que numa situação de gravíssima crise social, económica e financeira em que a Marinha tem vindo a sofrer, em paralelo com a sociedade, reduções nunca vistas nos recursos financeiros, humanos e materiais disponibilizados, a UCC alarga o seu modelo de atuação ao alto mar, contratando em menos de um ano, no estrangeiro, a construção de um navio por mais de oito milhões de euros sem sequer procurar compatibilizar requisitos operacionais com a Marinha", sublinham os Almirantes, Adriano Moreira, Artur Santos Silva e Viriato Soromenho Marques. "É o navio adequado à missão da UCC? Quanto custa a operação e a manutenção ao longo da vida e onde será feita? (...) Não há melhor rentabilidade e eficiência em despender recursos na tão necessária modernização dos meios da Marinha e da Autoridade Marítima Nacional? A própria GNR não terá outras prioridades mais atinentes à sua vocação e imprescindível serviço, em vez de alargar a sua ambição ao domínio do Mar, onde não tem experiência, nem o conhecimento que 700 anos e serviço conferiram à Marinha? Alguém estudou o assunto?", é questionado.
Para os signatários "a principal questão será, contudo, a de saber se quem tem responsabilidades nas opções tomadas ponderou adequadamente as consequências". Isto porque, asseveram, "as Forças Armadas e de Segurança em democracia obedecem e não deliberam e o resultado é que, enquanto a Marinha definha, continuando a aguardar pelos meios que lhe permitam cumprir melhor a sua missão, assiste-se à tomada de decisões de pendor corporativo que não têm em conta o superior interesse nacional". Na carta é assinalado que "o orçamento da Marinha decresceu cerca de 31% nos últimos 10 anos, como uma redução particularmente acentuada nas verbas para as Operações (menos 32%) e para a Manutenção (menos 45%)" e que, perdeu "cerca de 40% dos seus efetivos desde 2001".
A Bojador foi inaugurada a sete de maio, com Eduardo Cabrita a valorizar "o reforço da GNR como Guarda Costeira". A evidenciar o mal-estar, nenhum representante da Marinha ou do Comando Naval estiveram presentes. "Movidos pelas certezas de que a Marinha vem há séculos servindo adequadamente e a contento Portugal e os Portugueses e de que o caminho a seguir é o de melhorar as suas capacidades, e de não ignorar o seu património e serviço ímpar, os signatários vêm alertar o poder político, por dever e por convicção, no sentido de se reverter uma situação que, a prolongar-se, terá inevitavelmente graves efeitos negativos e relação ao maior ativo material de que ainda dispomos, o "nosso" Mar", conclui a carta.
LEIA AQUI A CARTA NA ÍNTEGRA: https://www.dn.pt/DNMultimedia/DOCS+PDFS/Scan%20Bojador.pdf
https://www.dn.pt/politica/adriano-moreira-e-ex-chefes-da-armada-alertam-contra-a-deriva-maritima-da-gnr-13776672.html
A mesma notícia, mas no semanário Expresso de hoje
EXCLUSIVO
POLÍTICA
Almirantes contra Cabrita declaram guerra à marinha “amadora” da GNR
Vitor Matos
27 de Maio de 2021 - 23:50
Adriano Moreira e Artur Santos Silva juntaram-se a todos os antigos chefes da Armada numa carta contra a criação de uma guarda costeira que se sobrepõe à Marinha
Esta é uma nova guerra, onde as cartas são usadas como munições: ontem, foi enviada a terceira carta crítica de ex-chefes militares para o poder político em apenas dois meses, desta vez assinada por todos os sete ex-chefes do Estado-Maior da Armada (CEMA), subscrita à cabeça por Adriano Moreira — catedrático e ex-líder do CDS — e por mais três civis: Artur Santos Silva, ex-presidente do BPI, o académico Viriato Soromenho Marques e o advogado José da Cruz Vilaça. O documento critica a compra da megalancha “Bojador” para a GNR, inaugurada este mês, “sem sequer procurar compatibilizar requisitos com a Marinha”, e a criação de uma guarda costeira que se sobrepõe às missões da Armada. O grupo considera que este investimento de €8 milhões num navio de 35 metros “duplica” o que já existe, para uma entidade “sem vocação”, classificada como “amadora” por “falta de experiência de vida no mar”.
“A GNR não terá outras prioridades mais atinentes à sua vocação e imprescindível serviço, em vez de alargar a sua ambição ao mar, onde não tem experiência nem o conhecimento de 700 anos da Marinha? Alguém estudou o assunto?”, questionam os almirantes que lideraram a Armada desde o 25 de Abril. O documento, enviado para o Presidente da República, primeiro-ministro, ministro da Defesa e grupos parlamentares, acusa o Governo de favorecer uma força de segurança em vez dos interesses do país: “Enquanto a Marinha definha, continuando a aguardar pelos meios que lhe permitam cumprir melhor a sua missão, assiste-se à tomada de decisões de pendor corporativo que não têm em conta o superior interesse nacional.”
Em Dezembro, o Expresso noticiava que a GNR seria a "força favorita do Governo" - a propósito da reestruturação do SEF -, mas o ministro Eduardo Cabrita apresentou uma queixa na Entidade Reguladora para a Comunicação Social onde se "reputa como falsa a informação" de que a compra de lanchas para a GNR tivesse um "potencial indício de ingerência nas áreas de competência da Marinha". Os almirantes acham o contrário. Os antigos CEMA identificam uma "deriva" que começou em 2007, com a criação da Unidade de Controlo Costeiro da GNR, acentuada com a criação do Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Contro (SIVICC), no qual a Marinha colaborou e que devia disponibilizar informações e um oficial de ligação ao Comando Naval. Mas, segundo o texto, esta cooperação inicial foi "invertida": "Até hoje, a informação nunca foi disponibilizada e os elementos de ligação desapareceram." Os almirantes acusam mesmo a GNR de ter criado um "centro operacional paralelo", dispensando a interligação e a necessidade absoluta de fundir informação, para que de facto se possa saber o que no mar se passa".
Os signatários lamentam a "duplicação de capacidades num quadro de enormes constrangimentos" da Marinha, cujo orçamento caiu 31% nos últimos 10 anos e que perdeu 45% das verbas para a manutenção dos navios, causando graves constrangimentos operacionais. Na mesma linha, a defender a filosofia de duplo uso (civil e militar) da Marinha, o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, escreveu um artigo no "Diário de Notícias" em outubro: "O exercício da autoridade do Estado no mar exige que as capacidades sejam devidamente articuladas entre si e entre instituições, algo que acontece com grande regularidade e naturalidade", e dava como exemplo a coordenação da Marinha com a PJ, sem mencionar a GNR.
Depois de os oficiais-generais reformados do Grupo de Reflexão Estratégica Independente terem enviado aos responsáveis da Defesa um estudo a contestar a reforma do comando superior das Forças Armadas (em debate na especialidade no Parlamento), 28 ex-chefes de Estado-Maior, com Ramalho Eanes à cabeça, fizeram o mesmo. Agora foi a vez dos almirantes, na semana em que Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, visitou Portugal para inaugurar uma academia de ciberdefesa em Oeiras e participar no Conselho de Estado e na reunião dos ministros da Defesa da UE.
vmatos@expresso.impresa.pt
Esses cortes na Marinha são inacreditáveis, só por aqui se vê o mal aproveitamento das verbas ou para onde vão as verbas da Defesa, porque se o orçamento da Defesa tem vindo a aumentar como é que o valor real que chega aos 3 ramos é cada vez menor?
Esta guerra GNR-Marinha em termos práticos tem pouco interesse, mas é bom que aconteça porque é mais uma maneira de mostrar o estado miserável a que chegou a Marinha, o valor dos cortes é absolutamente inaceitável, a falta de meios e as fragatas obsoletas e inoperacionais são mais uma mostra do que estes cortes contantes ao orçamento têm provocado na Marinha ou seja um autêntico zero naval. A verdade é que todas as semanas se tem atacado o ministro e o governo devido ao estado catastrófico da marinha e é bom que continuem a atacar, esta situação tem de mudar este desinvestimento nas FA não pode continuar e é bom que cada vez mais vozes se levantem contra o estado a que isto chegou, o golpe final seria o CEMA, o CEME, CEMFA e o CEMGFA virem também falar que chegámos ao ponto de rutura e que a soberania nacional está em risco ou se investe rapidamente nas FA ou o futuro de Portugal está em risco e se nada for feito apresentam a sua demissão imediata (claro que nada disto vai acontecer, mas se realmente querem o melhor para as FA e Portugal era o que os chefes militares deveriam fazer).