O enigma da Coreia do Norte
Alexandre Reis Rodrigues
Ninguém consegue perceber o que a Coreia do Norte afinal pretende com a escalada de sucessivos desafios ao precário equilíbrio na península coreana. Presume-se que não deseje iniciar um conflito aberto com a Coreia do Sul, que levaria directamente ao desaparecimento do regime; muito menos agora que se encontra numa fase de transição do poder de Kim Jong Il para o seu filho Kim Jong-eun. Mas até a ideia de que o regime é muito mais calculista do que aparentemente é sugerido pelas atitudes frequentemente irracionais que toma está hoje sob a mais séria interrogação.
A Coreia do Norte tem um historial de crises deliberadamente provocadas para depois, em troca de recuos, negociar numa posição de vantagem. É possível que agora esteja a arriscar mais, com base na experiência de ter atravessado praticamente incólume diversas “linhas vermelhas” que não respeitou, por exemplo, com os testes nucleares que realizou em 2006 e 2009. Ou então, que esteja a assumir que a Coreia do Sul continuará a ser extremamente prudente a responder (melhor dizendo a não responder) às provocações do Norte, sob pressão dos EUA para evitar a eventual generalização do conflito à China, o que seria devastador. O caso do afundamento da corveta Cheonan, em Março deste ano, em que morreram 46 marinheiros, foi elucidativo neste último âmbito, não obstante Seoul ter tentado mostrar-se não intimidado e disposto a seguir uma postura de dissuasão pró-activa (if our terrritorial waters, airspace, or territory are military violated, we will immediatly exercise our right of self-defense).
O caso do bombardeamento da ilha Yeonpyang no passado dia 23 de Novembro, embora menos grave nas suas consequências, é mais sério como escalada do conflito. Enquanto que no caso da corveta Cheonan a Coreia do Norte recusou sempre a autoria do ataque (não obstante várias evidências), neste último caso assume-o abertamente, embora sob a alegação de que se tratou de uma resposta aos exercícios conduzidos pela Coreia do Sul, durante os quais algumas granadas poderão ter caído nas suas águas territoriais. Mesmo assim e apesar da retórica atrás referida, a Coreia do Sul manteve grande contenção. A sua principal resposta foi ter conseguido um sinal claro de apoio dos EUA com a deslocação do porta-aviões George Washington para exercícios na área. Washington vinha resistindo a este pedido de assistência desde o incidente da corveta, supostamente dentro da linha adoptada pelo Presidente Obama para manter uma postura de “paciência estratégica”, em que se inclui a preocupação de não criar dificuldades no relacionamento com a China, cujo Presidente visitará Washington em Janeiro.
Paul B. Stars, ainda antes do incidente de Novembro, previa um agravamento das tensões e nova instabilidade durante os próximos 12 a 18 meses, dada a “atmosfera de recriminação e desconfiança” entretanto criada entre as duas Coreias. Entre outros motivos, apontava razões de política doméstica de Pyongyang à volta da instabilidade decorrente do processo de sucessão do líder obrigando a concessões à elite militar. Kim Jong Il pode ter-se visto obrigado a criar factos que sirvam os seus interesses na gestão das relações entra as várias facções internas, tendo em vista consolidar as “credenciais” do seu sucessor. No entanto, no passado recente, nada sugeria os dois últimos incidentes. O último, aliás, coincidiu com um programa em curso de troca de visitas de Delegações das respectivas Cruz Vermelhas e com a insistência do Norte no retomar próximo de conversações, hipótese que os factos ocorridos tornaram mais remota.
Como poderão os EUA lidar com esta situação, estando perfeitamente claro que não podem contar nem com o apoio da China nem com a eficácia das sanções aplicadas? Pequim já deu vários sinais que não quer condenar Pyongyang, nem sequer pelo afundamento da corveta Cheonan; este ano, o Presidente chinês já recebeu oficialmente Kim Jong Il por duas vezes e deu ao seu sucessor a honra de ser recebido pelo Comité Permanente do Politburo, o que constituiu a aprovação do processo de transição ao mais alto nível. A falta de eficácia das sanções, presumivelmente atribuível a ajudas da China, ficou bem patente na revelação, a duas delegações americanas que visitaram o país recentemente, de uma nova e moderna infraestrutura de enriquecimento de urânio, o que dá uma nova dimensão ao programa nuclear.
Por outro lado, há muito que se tornou patente que a Coreia do Norte, tal como o Irão, não desistirá do seu estatuto de potência nuclear, não obstante as promessas e passos que deu nesse sentido, mas que nunca concluiu. Portanto, não parece realista esperar que agora se venha declarar pronta a abandonar o programa por troca com a realização de novo ciclo de negociações, exigência dos EUA e da Coreia do Sul. A haver conversações, que os norte-coreanos querem, terão que ser sem condições prévias. Valerá a pena tentar seguir esse caminho? À luz dos resultados de anteriores tentativas parece que não. Aliás, nunca nada deu resultado; nem quando a “sunshine policy” lançada pelo Presidente Kim Dae Jung levou a um encontro entre os dois líderes em 2000, sob sinais de uma possível reunificação das duas Coreias.
Que estratégia deve então os EUA seguir? Como primeira prioridade, certamente, será não deixar que a situação saia fora de controlo, o que implica um acompanhamento muito próximo. Paul Stars sugere mais duas linhas de actuação: Tornar inequívoca a sua disponibilidade de apoio à Coreia do Sul, incluindo apoio militar onde existam pontos fracos, e tornar claro junto de Pequim que a continuação do apoio incondicional à Coreia do Norte levará inevitavelmente ao que a China mais procura evitar: mais instabilidade regional.
Jornal Defesa