A Geórgia e o relacionamento do Ocidente com a Rússia
Alexandre Reis Rodrigues
Sarkozy, como presidente em exercício da União Europeia, conseguiu resolver rapidamente e de forma correcta o que era urgente no conflito entre a Geórgia e a Rússia: um acordo para a suspensão das hostilidades. Foi um sucesso diplomático, a permitir, ao menos por esta vez, atenuar a imagem de que «a UE não conta para nada».
Porém, a senhora Merkel, Chanceler alemã achou que tinha também uma palavra a dizer e foi avistar-se com os presidentes Medvedev e Saakshavili. Não se sabe o que tinha exactamente em vista. Talvez, deixar claro que, em matéria de relacionamento com a Rússia, a Alemanha não delega em ninguém, nem na UE nem muito menos na França. Um indício das dificuldades da UE em falar a única voz, o que contraria a impressão referida atrás.
No entanto, o ponto realmente interessante da sua visita é a declaração sobre a admissão da Geórgia na NATO, esclarecendo que a Alemanha nada tem a opor a essa pretensão. É curioso que tenha feito agora questão de mencionar esse assunto quando se sabe que sempre teve reservas a esse alargamento, não obstante o acordo dado à declaração final da Cimeira de Bucareste, que deixou em aberto essa possibilidade.
Não julgo que as declarações feitas correspondam a uma mudança de posição. São apenas um recado que visa não deixar a Rússia concluir que, com a intervenção militar na Geórgia, conseguiu o objectivo de tornar mais remota a possibilidade de esta vir a fazer parte da Aliança; julgo que, na prática, a tornou mas compreende-se que em termos políticos essa imagem tenha que ser evitada. É sob esta perspectiva que se interpretam as declarações do secretário-geral da NATO quando diz que nada se alterou sobre o decidido em Bucareste.
Não obstante a realidade ser hoje diferente, e menos favorável ao ingresso da Geórgia e Ucrânia, não se esperava que pudesse ser dito qualquer coisa diferente; mas também não se prevê que seja dado seguimento à proposta da Polónia e dos países Bálticos defendendo uma aceleração do processo de adesão. A Alemanha nunca esteve sozinha nas reservas sobre essa orientação; a França também está nesse lado, juntamente com a Itália e a Espanha. É uma frente que não tem vacilado, bem pelo contrário; ainda recentemente, em reunião permanente do Conselho do Atlântico, isso tinha ficado perfeitamente claro.
As declarações do ministro da Defesa alemão ajudam a não deixar margens para dúvidas: «não haverá segurança no Cáucaso contra ou sem a Rússia». É improvável que a UE se deixe levar pelos apelos do Presidente Saakashvili para congelamento das conversações com a Rússia sobre uma parceria estratégica; este assunto vai ser certamente reequacionado, como aliás defendido pelo ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, mas não vão ser fechadas todas as portas. Aliás, Miliband recusou frontalmente qualquer suspensão do diálogo, contra o que é defendido pelos sectores mais radicais; no entanto, por outro lado, garantiu que o processo de adesão da Geórgia é para continuar!
Os EUA vão lidar com o assunto de forma cautelosa. Não tendo em jogo na Geórgia interesses vitais, terão em conta que têm entre mãos diversos assuntos prioritários para a solução dos quais a colaboração de Moscovo pode ser crítica (Irão, Iraque, Coreia do Norte, etc.). Rice já esclareceu que os EUA não iriam pressionar a NATO para uma admissão rápida da Geórgia e Ucrânia.
Bush sempre disse que a Geórgia tinha nos EUA «um amigo sólido» levando-a a pensar que estava protegida; Saakashvili devia ter tido presente uma antiga observação de Henry Kissinger, quando disse que se era perigoso ser inimigo dos EUA, ser amigo podia ser fatal (referia-se ao abandono a que foi votado o Vietnam do Sul, depois da guerra, os xiitas iraquianos em 1991, etc.). Robert Hunter, embaixador dos EUA na NATO durante a administração Clinton, “põe o dedo na ferida” ao lembrar que “quem pressiona a entrada de novos países na NATO tem que perceber que se não está efectivamente preparado para lhes garantir segurança pode estar apenas a provocar-lhes mais dificuldades».
Estarão os europeus dispostos a investir o necessário para ter um dispositivo militar capaz de defender a Geórgia e a Ucrânia, mesmo contando com os EUA? Os europeus da Nova Europa, que são os que mostram mais vontade, são os que menos têm a oferecer; aparentemente, os da Velha Europa já terão concluído que correm mais riscos com os dois países dentro da Aliança do que fora. A Geórgia vai ter que se contentar com as promessas de ajuda dadas pela NATO na reunião de ministros de Negócios Estrangeiros, ontem em Bruxelas, para a ajudar a restaurar a normalidade social e a vida económica. Certamente que a UE terá também aqui uma participação importante.
Não é de esperar, portanto, que a factura que o Ocidente vai querer que a Rússia pague pela violação da soberania territorial da Geórgia, inclua a aceleração do processo de adesão desta à NATO. Vai, no entanto, haver um preço a pagar, logo a começar na área do relacionamento, quer no âmbito do funcionamento do Conselho NATO/Rússia, quer ao nível da UE. A proposta de Medvedev para o estabelecimento de um novo quadro de segurança (A Joint Security Framework from Vancouver to Vladivostok), agendada para apresentação em Setembro, perdeu qualquer hipótese de avançar, se é que alguma vez a teve.
Mas, como é costume dizer, “a procissão ainda não saiu do adro”; o debate sobre a estratégia de relacionamento com a Rússia, à luz da realidade criada pelo conflito com a Geórgia, vai acentuar-se, quer entre os europeus, quer do lado norte-americano. Calcula-se que haverá concordância, dos dois lados do Atlântico, de que não é boa ideia uma estratégia de isolamento; o difícil será o entendimento sobre que tipo de política de contenção será apropriado.
Jornal de Defesa