Caro EB.
Todos os impérios têm formas de se afirmar, mas há sempre linhas comuns que os unem.
Eu não posso criticar ninguém especificamente por efectuar uma afirmação, quando a obteve de boa fé e acredita nela.
Hoje em dia, é cada vez mais facil enganar as pessoas com sites na internet.
Dou-lhe um exemplo engraçado:
O site areamilitar.net, que tem cerca de 60% de visitantes brasileiros, tem recebido várias queixas e acusações sobre um artigo e fichas técnicas sobre o carro de combate Osório da finada Engesa.
Normalmente dão-me links na internet para provar que o areamilitar.net está enganado, e que o tanque brasileiro era de facto o melhor do mundo.
Ora, tratando-se de um veículo dos anos 80, os dados que estão publicados no areamilitar.net são os dados que foram apresentados pela imprensa brasileira nessa altura.
No entanto, eu tenho que aturar uma quantidade de nacionalistas meio tontos, que afirmam que o que o site diz e as conclusões que tira estão erradas, quando são documentos militares da época que afirmam o que ali está escrito.
Eu não posso no entanto censurar as pessoas que escrevem para o areamilitar.net chamando-as de mentirosas, embora eu esteja absolutamente convicto de que as minhas fontes escritas, contemporâneas do veículo, sejam credíveis.
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Quanto à questão que coloca:
Sendo os kosovares um povo autóctone da região, habitando-a mil anos antes de lá chegarem os sérvios - segundo as suas palavras-, não seria lógico que houvesse por parte deste povo uma maior independência linguística e cultural?
Eu permito-me responder com uma outra questão.
Sendo verdade que a Galiza tem origens remotas, que tracejamos ao tempo romano, não seria normal que tivesse uma maior identidade linguística, em vez de utilizar a lingua de um país estrangeiro, Castela?
Mais, note que existem dois grandes dialectos albaneses. O Tosk e o Gheg. A lingua oficial da Albânia é o dialecto Tosk, que é o dialecto mais comum no sul.
No norte, o dialecto mais comum é o Gheg.
Os albaneses do Kosovo falah Gheg e não Tosk.O Gheg está para o Tosk como o Galego está para o português
Os albaneses do Kosovo têm relação com os Albaneses do norte mas não com os do sul Se são, na realidade, um povo com uma identidade e uma cultura próprias de uma “nação” (ou, numa outra perspectiva, de uma “tribo”) milenar, porquê a necessidade de usarem símbolos e dialectos de uma outra nação vizinha (falo da Albânia)?
Voltando ao exemplo que nos é vizinho, os reintegracionistas galegos (por muito pouco significativos que sejam) vêm a ligação a Portugal, país onde a mesma raiz cultural conseguiu existir sem ser dominada pela cultura imperial dominante (ler Sérvia ou Castela) como forma de afirmarem a sua diferença.
Os simbolos portugueses ou albaneses, serviriam assim como forma de diferenciação e de afirmação.
Os Albaneses do Kosovo utilizam o simbolo da Águia de duas cabeças (que é aliás o mesmo símbolo da Sérvia e que tem origens bizantinas) como forma de afirmar: Nós somos aqueles que resistem aqui, como resistiram aqueles alí.
Que interesses políticos/estratégicos existirão por detrás desta declaração e posteriores reconhecimentos de outras nações?
Eu não me pronunciei sobre questões de geoestratégia ou sobre as negociatas por debaixo da mesa.
Considero que ainda tenho um bocadinho de inteligência, para entender que não há nada de inocente na declaração da independência do Kosovo.
É evidente que há, como sempre haverá interesses ocultos por detrás.
Porque razão a Alemanha reconheceu tão depressa a Croacia, dando a maior e mais decisiva machadada na antiga Jugoslávia ?
O meu protesto, foi contra a desinformação, e a argumentação fácil e a meu ver racista, de que há um problema que decorre da invasão dos albaneses no Kosovo, quando todos os numeros que tenho disponíveis, e não são muitos, confesso, dizem-me que é biologicamente impossível que os sérvios fossem maioritários no Kosovo desde o inicio do século XIX, no tempo de Napoleão.
Se é mentira referir que estamos perante uma declaração de independência de um território composto maioritariamente por emigrantes, tenho a humildade de pedir desculpa pois não quero passar por mentiroso
Caro EB, eu não chamo mentiroso a ninguém de ânimo leve. Eu peço às pessoas que antes de acreditarem cegamente num dado qualquer, tentem ver antes.
Devo dizer que eu mesmo acreditei nessa tese, até que (porque tenho a mania de guardar almanaques com dados estatísticos) fui ver que população tinha o Kosovo antigamente.
Os dados mais antigos que encontrei, que são da Nações Unidas e que estão publicados num almanaque de estatísticas da Editora Abril publicado em 1981, (que guardo porque tem a divisão administrativa de todos os países do mundo à altura, com a população por província ou Estado) verifiquei que a população do Kosovo era como disse num post anterior, de 1.366.000 habitantes em 1974, sendo hoje de 1.900.000.
Assim, com alguns cálculos simples, creio que todos chegamos à conclusão de que a tese dos imigrantes, não é biologicamente possível, a não ser que os sérvios tenham tido um ataque de filoxera e tenham morrido às centenas de milhar, e que ao mesmo tempo os albaneses tenham brotado das árvores.
A questão do Kosovo deve ser analisada, mas não com argumentos falsos e ainda por cima, argumentos de origem racista e religiosa.
Eu não tenho nenhum apreço pelas interpretações fundamentalistas do islão. Sou tão contrário a tais visões como sou contrário às afirmações que pretendem dar a entender que os albaneses têm filhos em grande quantidade (também ninguém se deu ao trabalho de pesquisar a taxa de mortalidade infantil dos albaneses[1]) e que isso gerou uma distorção demográfica, o que é falso.
Peço desculpa se coloco posts muito grandes que depois ninguém lê.Mas quando simplificamos as coisas caímos nos exageros da "raiz da Pátria Sérvia" ou na colonização de emigrantes
Cumprimentos
[1] A mortalidade infantil dos albaneses era de 86/1000 em 1974 e de 26/1000 em 1998. (em Portugal, para dar um exemplo, é de cerca de 3/1000 e na Sérvia em 1997 era de 14/1000