Vignette - “Warrior Down!”, emboscada em Al-Amarah

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Vignette - “Warrior Down!”, emboscada em Al-Amarah
« em: Maio 25, 2023, 10:00:01 pm »
Al-Amarah, Iraque, Junho 2006 (Episódio 1)

A cerca de 160km a norte de Bassorá encontramos a estrategicamente bem colocada cidade de Al-Amarah.  Olhando para um mapa do Iraque é fácil compreender porquê; a vital estrada 6, que liga a capital Bagdade aos valiosos poços de petróleo, refinarias e porto de mar no Golfo, atravessa o coração da cidade.  Além disso, a fronteira com o Irão a poucas dezenas de quilómetros tornam a entrada de armas e abastecimentos para grupos rebeldes muito difícil de controlar.

Al-Amarah (quadrado azul) é um ponto de passagem importante da auto-estrada 6 (a vermelho) entre a capital e Bassorá e o Golfo.  A fronteira á direita com o Irão significava o fácil e directo fornecimento de armas e homens às milícias Xiitas.


No início da Operação Iraqi Freedom em 2003 (Operação Telic designa a participação inglesa) o povo de Al-Amarah encheu as ruas em desafio ás forças policiais do governo de Saddam.  Poucas semanas depois as tropas inglesas ocuparam a área e responsabilizaram-se pela segurança pública.  Mas a coligação errou completamente na análise á reacção da população xiita da cidade – da mesma forma que desprezavam a opressão do Saddam, ressentiam-se de igual modo do que entendiam ser a ocupação americana-inglesa.  Em Junho de 2003 o líder Muqtada al-Sadr incentivou a população a pegar em armas contra os ocupantes e organizou uma milícia armada (Mahdi) e, em poucos meses, a região mergulhou numa espiral de violência.

O Princess of Wales’s Royal Regiment (PWRR) era uma das unidades responsáveis por policiar toda esta área e entregar a “pasta” ás forças de segurança iraquianas assim que possível.  Mas os ataques constantes com IEDs (engenhos explosivos improvisados), snipers e morteiros tornavam a atmosfera muito tensa - não havia comunicação, muito menos confiança, entre as forças inglesas e iraquianas.  Para contrariar esta ameaça foi organizada uma incursão nocturna na noite de 10-11 de Junho de 2006 com o intuito de capturar os comandantes da milícia Mahdi e confiscar os stocks de armas que se suspeitava existirem em Al-Amarah.

O IFV Warrior foi (a ainda continua a ser) o principal veículo de combate de infantaria do Exército Inglês.  Um autêntico “filho” da Guerra Fria, chegou mesmo no final desse período ás linhas da frente, em finais dos anos 80.  Robusto, fiável, potente e bem armado, revelou-se adaptável e flexível nos vários cenários onde participou; Iraque (1991 e 2003), Kosovo, Bósnia e Afeganistão.


A companhia C do Regimento preparou os seus 3 pelotões (7, 8 e 9), cada um composto por quatro veículos de combate de infantaria (IFV) Warrior.  Na azáfama dos preparativos para a missão, uma jovem soldado de 18 anos, técnica médica de combate, aguardava ansiosamente enquanto as tripulações davam vida aos poderosos motor V8 Perkins e vários soldados confirmavam (repetidamente) se todas as armas estavam armadas e preparadas.  O nervosismo era aparente, porque embora não fosse a sua primeira patrulha, uma missão até ao centro de Amarah iria ser, de certeza, “quente”.  Até aquela noite a jovem ainda não tinha sentido o terror de um tiroteio e o ferimento mais grave que foi chamada a tratar tinha sido uma mordida de mosquito.  Nas próximas horas, tudo isso iria mudar…

Excelente foto que demonstra todos os dez tripulantes (motorista, comandante, artilheiro e sete soldados) bem como mantimentos e suprimentos essenciais, ferramentas e armas.  À esquerda vemos duas armas anti-tanque LAW, que complementam as armas pessoais da infantaria.  Na sua maioria os soldados estão armados com a espingarda padrão L85 (SA80) mas dois deles carregam a versão L86 de apoio e outro (terceiro da direita) uma metralhadora média L7 (versão inglesa da venerável FN MAG).  Não espanta que o espaço no interior do veículo fique… aconchegado.


O motor do Warrior é um dos seus pontos fortes e a razão da excelente mobilidade em qualquer terreno.  Os motores anteriores da Rolls-Royce não ficaram conhecidos pela fiabilidade, por isso, para a nova geração de veículos dos anos 80, os ingleses apostaram no fabricante Perkins e, no caso do Warrior, num excelente V8 diesel de 17400cc, com turbo, refrigerado a ar e com transmissão automática Allison.  Com 550cv ás 2300rpm, o motor era uma versão “cortada” do V12 instalado nos tanques Challenger – uma excelente ideia para economizar em peças e facilitar o treino e a manutenção.
 
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Re: Vignette - “Warrior Down!”, emboscada em Al-Amarah
« Responder #1 em: Maio 30, 2023, 03:36:28 am »
Al-Amarah, Iraque, Junho 2006 (Episódio 2)

A jovem médica, Michelle Norris, conhecida entre os colegas como “Chuck” Norris, embarca no Warrior do Sargento Ian Page e, junto com os restantes três IFVs do pelotão 7, avançam pela auto-estrada 6 até ao norte da cidade de Al-Amarah.  Os pelotões 8 e 9 arrancam poucos minutos depois.  A patrulha nocturna decorreu sem incidentes de maior até que, ao raiar dos primeiros raios de sol, chegou uma mensagem indesejada pelo rádio – um dos Warrior ficara atolado e estava sobre ataque dos insurgentes.  Os restantes Warrior espalhados pela cidade ganharam repentinamente vida e convergiram em grande velocidade para o local para socorrer os companheiros.

Voando alto sobre Al-Amarah, o helicóptero Lynx AH.7 do Esquadrão Naval 847 e pilotado pelo Capitão William Chesarek também ouviu o pedido de ajuda e mergulhou na direcção do centro da cidade.  Chesarek, um Marine americano de 32 anos, temporariamente ao serviço da Royal Navy no programa de partilha de pilotos, encontrou rapidamente o veículo danificado.  E, do seu ponto de vista privilegiado, confirmou que o Warrior estava totalmente “encalhado” - ao manobrar perto da berma da estrada, aproximou-se demasiado de uma fossa de esgoto e as 25 toneladas de peso fizeram o resto.  O piso cedeu e uma das lagartas ficou completamente submersa nas águas fétidas do subsolo.  Outro desenvolvimento preocupante, visível do helicóptero, eram os vários soldados das milícias Mahdi nos seus inconfundíveis uniformes pretos a aproximarem-se do local, bem como dezenas de populares furiosos.

O Lynx AH.7 foi o helicóptero mais versátil das forças Inglesas no Iraque.  Missões de escolta, reconhecimento, evacuação e ligação eram o dia-a-dia das tripulações.  Mas as altas temperaturas associadas ao equipamento extra e os filtros nos motores roubavam qualquer reserva de potência disponível – o resultado era uma capacidade de carga muito limitada e uma performance sempre…nos limites. 


Situações como esta, onde multidões agressivas confrontam soldados fortemente armados são um dos cenários mais voláteis que os Ingleses enfrentaram no Iraque.  A tensão, confusão, ruído e medo de isolamento tornam qualquer movimento extremamente complicado e qualquer decisão imprevisível.  Basta juntar a esta mistura alguns insurgentes armados e o potencial para o desastre é explosivo.


A tripulação do Warrior tinha estabelecido um perímetro precário no cruzamento e respondia com fogo de armas ligeiras perante ataques das milícias Mahdi, bem posicionadas nos terraços das casas em redor.  Chesarek tinha de ajudar mas era impossível pedir ao artilheiro Max Carter, na cabine traseira, para usar a metralhadora na porta lateral – o risco de atingir civis ou a tripulação do Warrior era demasiado grande.  Não havia outra solução – Chesarek mergulhou o Lynx até bem perto do solo, colocou-se entre o Warrior danificado e a multidão agressiva, e iniciou uma série de manobras a baixa velocidade a cerca de meio metro de altitude.  Era um espectáculo incomum; as pás dos rotores criavam tamanha verberação e ruído acompanhado de nuvens de pó sufocantes que empurravam literalmente as multidões – confusas e assustadas perante aquele insecto estranho e barulhento.  Mas se as multidões se assustaram, as milícias armadas não.  Agora era o Lynx que começava a ser atingido por balas de Kalashnikov – Chesarek ouvia os inconfundíveis “pings” na fuselagem.  Por esta altura chegavam ao local mais forças terrestres, os restantes veículos Warrior do pelotão.

Um dos primeiros a chegar foi o Warrior do Sargento Page e de Michelle Norris, e de imediato começou a ser atingido por fogo de armas ligeiras.  Norris conta;

Citar
Eu pensava que os sons metálicos audíveis no compartimento eram os miúdos a atirar pedras.

Ao se aproximar do Warrior danificado, Page mantinha a vigilância desde a torre do seu veículo.  Com a escotilha aberta e com a cabeça e tronco expostos, Page verificava os telhados e terraços atentamente á procura de alvos, sempre com a sua SA80 em prontidão.  Conseguia ver claramente as multidões a aproximarem-se e conseguia ver a tripulação do numa trincheira a fornecer fogo de cobertura.  Mas o que Page não conseguiu ver foi um insurgente Mahdi a apontar-lhe uma arma de um dos terraços.

Uma foto da soldado Michelle Suzanne Claire Norris, conhecida no Regimento simplesmente por…Chuck Norris.
« Última modificação: Maio 30, 2023, 03:42:31 am por Icterio »
 
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