Mali: Caos no Saara
Terroristas, ex-mercenários de Kadhafi e traficantes de droga preenchem vazio africano. Rebeldes tuaregues assumem controlo da capital regional Kidal e estão às portas de Gao. Ganhou velocidade nas últimas 48 horas a avalanche tuaregue que varre o norte do Mali. A rebelião desencadeada em Janeiro, a quarta na história do Mali independente, abrange já toda a metade setentrional do país, onde os revoltosos pretendem proclamar a República do Azawad. Kidal caiu na sexta-feira e neste sábado os combates aproximaram-se de Gao, a maior cidade da região. As forças governamentais controlam uma única grande cidade da zona, a histórica Timbuctu.
O movimento armado parece ter ganhado força após o golpe militar de dia 22 em Bamako, capital do Mali, onde militares descontentes com os sucessivos e humilhantes desaires no campo de batalha derrubaram o Governo do Presidente Amadou Toumani Touré.
Herança líbia
Kadhafi, al-Qaeda e cocaína são os três ingredientes teoricamente imiscíveis do caos que varre o interior desolado da África Ocidental e que preocupa cada vez mais a comunidade internacional. A organização que agrupa os países da região, a CEDEAO, mobiliza esforços para sanar a crise maliana e evitar o contágio aos países vizinhos, mas a diplomacia parece fracassar. Na quinta-feira, os chefes de Estado do Burkina Faso, Costa do Marfim, Benim e Níger tentaram aterrar na capital maliana, Bamako, onde iriam tentar convencer o líder dos militares revoltosos, capitão Amadou Haya Sanogo, a restaurar a ordem constitucional e devolver o poder ao Presidente Touré.
No entanto, o avião em que seguiam deu meia volta e regressou à Costa do Marfim depois de manifestantes pró-Sanogo terem invadido a pista do aeroporto. A CEDEAO deu depois um ultimato de 72 horas, que vence na segunda-feira, para Sanogo entregar o poder ou enfrentar uma intervenção militar.
O Presidente Touré, no poder desde 2002, foi derrubado a um mês de eleições presidenciais às quais não era sequer candidato. Depois de uma semana desaparecido, declarou na terça-feira à imprensa internacional estar em Bamako, a salvo e em liberdade.
Na origem do golpe, condenado unanimemente pela comunidade internacional, está a situação embaraçosa que o Mali vive no Azawad. Os separatistas tuaregues encontram-se fortalecidos com o regresso dos mercenários que lutaram ao lado do falecido líder líbio Muammar Kadhafi, e que herdaram parte do arsenal, incluindo lança-mísseis capazes de abater aviões comerciais.
Guerra, fome e terrorismo
Do outro lado do campo de batalha, um depauperado exército maliano sem mantimentos nem munições não pôde suster a avalanche tuaregue.
A guerra fez já quase 200.000 refugiados e a situação humanitária vai agravar-se com a seca e a fome que grassam em todo o Sahel (a faixa meridional do Saara). Há ainda relatos de crimes de guerra como o massacre de dezenas de soldados malianos desarmados, embora os tuaregues apontem o dedo à filial regional da rede terrorista criada por Osama bin Laden, a al-Qaeda do Magrebe Islâmico (AQMI).
As acções da AQMI, responsável por dezenas de raptos de ocidentais, são apontadas como um dos principais motivos para a quarta rebelião tuaregue desde a independência do Mali, em 1960. O turismo está paralisado e a população do norte acusa Bamako de não combater o terrorismo.
Na rota do narcotráfico
De resto, e segundo o Le Monde e a Al Jazeera, elementos das forças de segurança do Mali e da vizinha Argélia são acusados de utilizar a AQMI como fachada para o tráfico de droga da América do Sul para a Europa. Na Argélia, aponta-se a colaboração passada entre dirigentes da AQMI e os serviços secretos. Em Gao, no Mali, nasceu um improvável bairro de luxo apelidado pelos locais de «Cocaine City» (Cidade da Cocaína), refere o diário francês.
A rápida desestabilização do Mali causa apreensão em países próximos como a Nigéria, onde as autoridades combatem o movimento extremista Boko Haram (com ligações à AQMI), e a Mauritânia, que tem liderado com a ajuda francesa a perseguição aos terroristas.
O farol de Dacar
Em contra-ciclo, o Senegal continua afinal a ser o bom aluno da região, após a bem-sucedida segunda volta das presidenciais. No domingo, o chefe de Estado Abdoulaye Wade assumiu prontamente a derrota frente a Macky Sall, candidato de uma oposição unida contra o apego ao poder do envelhecido Presidente, que tentara contornar o limite constitucional de dois mandatos. Nas ruas de Dacar, milhares celebraram o triunfo de Sall, com 65% dos votos.
As Nações Unidas, pela voz da alta comissária para os direitos humanos Navi Pillay, pediu ao Mali e à Guiné-Bissau para seguirem o exemplo senegalês. Em Bissau, permanece em dúvida a realização da segunda volta das presidenciais, marcada para 22 de Abril. Kumba Yalá, segundo candidato mais votado, recusa participar no escrutínio por não reconhecer a vitória de Carlos Gomes Júnior no primeiro turno, validado pela comunidade internacional.
SOL